Economia Regional

Nordeste no epicentro: a distribuição espacial da miséria no Brasil

8 out 2025

Maior gravidade da miséria está no Norte e Nordeste, concentrando taxas elevadas e grandes números absolutos de pessoas, mas também há bolsões expressivos no Sudeste e estratos que merecem atenção no Centro-Oeste e no Sul.

I. Introdução

A extrema pobreza permanece como um problema persistente no Brasil e, apesar dos avanços recentes, ainda impõe grandes desafios, sobretudo no Nordeste. Enfrentar esse problema com eficácia exige uma compreensão da sua distribuição espacial, as formas como ele se manifestam e repercutem em cada área e quais as características territoriais que sustentam sua permanência.

Este artigo mapeia a geografia da extrema pobreza em 2024 a partir dos microdados da PNAD Contínua, utilizando uma desagregação em estratos geográficos capaz de revelar bolsões muitas vezes ocultos pelas médias estaduais. A análise adota a linha de extrema pobreza atualizada pelo Banco Mundial — de US$ 3 por dia em PPC 2021 (aproximadamente R$ 267 por pessoa ao mês) — fornecendo uma métrica comparável e operacional para orientar políticas públicas. O foco recai sobre territórios que combinam dois vetores: profundidade (altas taxas de extrema pobreza) e escala (grande número de pessoas nesta condição). Advogamos que é nesses espaços que políticas bem desenhadas e monitoradas podem gerar maiores retornos sociais por real investido.

Embora políticas territorialmente universais sejam necessárias, sua efetividade se reduz quando não incorporam a forte heterogeneidade regional do país.  Sem focalização territorial, esforços e recursos tendem a se diluir e perder eficácia. Mapear com precisão as manchas de miséria permite calibrar a intensidade das intervenções e organizar a resposta do Estado ao problema. Em um cenário de restrições fiscais, concentrar esforços em áreas que combinam alta incidência e grande contingente populacional é a estratégia mais eficiente para acelerar resultados.

Além disso, a extrema pobreza é heterogênea. Nos grandes centros urbanos, está ligada à periferia, ao alto custo de vida, à precariedade habitacional e a barreiras de inserção ocupacional. Já em áreas rurais e em comunidades ribeirinhas, prevalecem a distância de serviços, a sazonalidade produtiva e a vulnerabilidade climática. Não existe um remédio único; mas podem existir combinações de políticas com ênfases distintas conforme o território.

Apresentamos uma contribuição metodológica articulando intensidade e escala. Por um lado, a taxa de extrema pobreza identifica locais em que a miséria é estrutural e requer pacotes robustos de proteção social e acesso a serviços básicos, sob risco de reprodução intergeracional. Por outro, um elevado contingente absoluto elevado pode ocorrer em áreas em que a taxa é menor, mas a concentração demográfica é elevada, impondo prioridade logística e orçamentária. Ao dialogar com esses aspectos, propomos uma tipologia simples que pode ajudar governos a decidir onde começar, com que intensidade e com qual desenho.

O Nordeste recebe destaque por apresentar estratos que combinam ambas as dimensões: intensidade elevada em áreas específicos e números absolutos expressivos em periferias metropolitanas e zonas de transição rural-urbana. O semiárido, marcado por secas recorrentes, restrições hídricas e baixa diversificação produtiva, concentra segmentos críticos. Paralelamente, a urbanização acelerada, com expansão de assentamentos precários e informalidade, gera outro conjunto de desafios. Compreender essa dupla face é essencial para combinar políticas de transferência de renda, inclusão produtiva, educação infantil e permanência escolar, saneamento, mobilidade e regularização fundiária — todas com metas claras e monitoramento contínuo.

Transformar diagnóstico em agenda de execução é outro eixo central. Isso significa formular planos territoriais com entregas factíveis: creches e escolas de tempo integral onde a evasão escolar e a fecundidade adolescente são mais críticas; equipes de saúde da família e soluções de água e saneamento onde as carências básicas predominam; programas de qualificação e apoio ao microempreendedor em contextos de ocupação precária; serviços móveis e sazonais — como escolas e unidades de saúde itinerantes — em áreas ribeirinhas e de baixa densidade; e, nas metrópoles, urbanização de assentamentos, regularização fundiária e políticas de aluguel social como portas de entrada para a formalidade. Focalizar, nesse contexto, não significa excluir, mas concentrar ações em áreas onde elas podem gerar maior impacto social.

Aproveitamos esta análise para também propor um protocolo de monitoramento da extrema pobreza: com o uso da PNAD Contínua para acompanhar taxas e contingentes em um nível mais estratégico, e o acompanhamento mais operacional com base nas informações do CadÚnico (o Cadastro Único para Programas Sociais), identificando as demandas das famílias, personalizando o atendimento das políticas em um nível mais próximo das pessoas. Com isso, é possível implementar metas verificáveis, revisões periódicas e correções de rota que elevam a efetividade das ações e evitam que boas intenções permaneçam apenas no papel.

Por fim, a geografia da extrema pobreza conecta-se diretamente à agenda de desenvolvimento regional. Reduzir a miséria é condição necessária para elevar a produtividade, potencializar o acúmulo de capital humano, reduzir custos de transação e dinamizar mercados locais. Na região Nordeste, em particular, se verifica um alto retorno social quando a política pública “acerta o alvo”. Ao iluminar os mapas do Brasil real, este estudo busca fornecer um instrumento simples, transparente e útil para orientar decisões e acelerar a queda da extrema pobreza onde ela se mostra mais resistente. Nas seções seguintes, apresentamos uma visão geral do país e, em seguida, maiores detalhes para cada região.

II. Os bolsões de miséria no Brasil e em suas regiões

O Mapa 1 apresenta a distribuição da extrema pobreza no Brasil em 2024 e oferece uma primeira visão da heterogeneidade regional explorada neste artigo. Observa-se um gradiente nítido em que as tonalidades mais escuras, que indicam maiores taxas de extrema pobreza, concentram-se nas regiões Norte e Nordeste.

Mapa 1:A Geografia da Extrema Pobreza no Brasil

 

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

No Nordeste, destacam-se corredores que ligam o litoral e as baixadas maranhenses aos sertões e ao norte do Ceará, além de manchas expressivas em periferias metropolitanas e no agreste pernambucano. No Norte, o padrão acompanha o curso dos grandes rios: ao longo do Purus, do Madeira e do Amazonas, formam-se núcleos intensos em municípios ribeirinhos, enquanto a foz do Amazonas combina uma população numerosa com níveis ainda elevados de extrema pobreza.

À medida que avançamos para o Sudeste, a coloração do mapa se torna mais clara, mas ainda se observam bolsões bem definidos. Eles se concentram nos entornos metropolitanos do Rio de Janeiro e de São Paulo e, no norte de Minas Gerais, um padrão semelhante a muitos dos estratos nordestinos, revelando vulnerabilidades tanto urbanas quanto de transição rural-urbana.

No Centro-Oeste, predominam áreas de baixa intensidade, mas há pontos críticos no entorno do Distrito Federal, de Goiânia e de Cuiabá. Essas localidades exigem políticas de busca ativa, de forma a identificar as famílias mais vulneráveis, para que não fiquem fora do alcance das políticas públicas. No Sul, prevalecem áreas com baixa incidência de extrema pobreza, embora persistam focos pontuais em cinturões periurbanos e em alguns trechos rurais do interior. Na sequência, o artigo aprofunda a análise para cada região, detalhando as áreas prioritárias em cada uma delas.

NORDESTE

A Tabela 1 apresenta os estratos com maiores taxas de extrema pobreza no Nordeste em 2024. Em primeiro lugar, destacam-se o Leste Maranhense, com 22,8% da população nessa condição (cerca de 345 mil pessoas), e o Litoral e Baixada Maranhense, com 20,9% (aproximadamente 253,6 mil). Ainda em patamares elevados aparecem o Entorno de São Luís (17,9%; 82,5 mil) e o Agreste do Rio Grande do Norte (17,1%; 81,6 mil). Na sequência vêm o Centro-Oeste Maranhense (12,8%; 161,5 mil), os Sertões do Ceará (12,8%; 132,3 mil) e o Entorno da Região Metropolitana de Fortaleza (12,7%; 177,5 mil).

Quando se observa o contingente absoluto, sobressaem o Agreste de Pernambuco, com quase 300 mil pessoas em extrema pobreza (11,9%), e o Litoral Ocidental e Norte do Ceará (11,9%; 237 mil). O grupo se completa com o Sertão de Alagoas, que apresenta 11,6% da população nessa condição, o equivalente a 109,2 mil pessoas.

Mapa 2 traduz para uma forma visual o que a Tabela 1 apresenta na forma de números, além de proporcionar uma visualização mais didática do padrão regional. Os tons mais escuros indicam as áreas com maiores taxas de extrema pobreza, destacando-se o Leste Maranhense, o Litoral e Baixada Maranhense, o Entorno Metropolitano de São Luís e o Agreste do Rio Grande do Norte. Já os territórios que concentram grandes contingentes populacionais em extrema pobreza — como o Agreste de Pernambuco, o Litoral Ocidental e Norte do Ceará e os entornos de São Luís e da Região Metropolitana de Fortaleza — aparecem como manchas mais amplas e contínuas no mapa.

Mapa 2. Extrema pobreza (%) – Nordeste (2024)

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

NORTE

Na região Norte, a Tabela 2 apresenta os estratos com maior incidência de extrema pobreza. Pelo critério de intensidade, o destaque é o Vale do Rio Purus (AM), com 17,8% da população nessa condição (65,9 mil pessoas). Em seguida aparecem o Baixo Rio Amazonas (PA), com 11,7% (172,8 mil), o Acre exceto Rio Branco, com 11,6% (54,5 mil), a Foz do Rio Amazonas (PA), com 11,4% (329,7 mil), e o Amapá exceto Macapá e Santana, com 11,3% (21,3 mil). Outras áreas também registram taxas elevadas: o Entorno Metropolitano de Manaus (AM) (10,0%; 38,3 mil), o Vale do Rio Madeira/Nhamundá (AM) (9,8%; 51 mil), Roraima exceto Boa Vista (9,1%; 14,6 mil), além das capitais Rio Branco (AC) (8,6%; 33,2 mil) e Boa Vista (RR) (8,1%; 37,5 mil).

Do ponto de vista da escala, merecem destaque os grandes contingentes na Foz do Rio Amazonas (PA) e no Baixo Rio Amazonas (PA), que concentram centenas de milhares de pessoas em extrema pobreza. A tabela, portanto, evidencia dois eixos principais: de um lado, os corredores ribeirinhos (Purus, Madeira e Amazonas), que combinam altas taxas e, em alguns casos, grande número de pessoas; de outro, os centros urbanos e seus entornos (Manaus, Rio Branco e Boa Vista), que apresentam proporções menores, mas contingentes expressivos.

O Mapa 3 permite uma boa visualização desse padrão espacial da miséria no Norte do país.

Mapa 3. Extrema pobreza (%) – Norte (2024)

 

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

CENTRO-OESTE

No Centro-Oeste, os níveis de extrema pobreza são significativamente mais baixos em comparação com outras regiões. Conforme pode ser visto na Tabela 3, o maior índice de extrema pobreza foi estimado para o estrato da região Integrada de Brasília em Goiás, com 4,3% da população nessa condição e uma estimativa de cerca de 60,5 mil pessoas.

Na sequência, destacam-se o Entorno Metropolitano de Cuiabá (MT), com 3,2% (11 mil pessoas), o Pantanal de Mato Grosso do Sul, com 3,1% (9,7 mil), e o Leste de Mato Grosso, também com 3,1% (26,2 mil). Outros estratos registram taxas ligeiramente menores: o Entorno Metropolitano de Goiânia (GO) (2,9%; 35,4 mil), o Colar Metropolitano de Cuiabá (MT) (2,7%; 2,5 mil), o Distrito Federal (2,7%; 79,6 mil), o Norte de Goiás (2,6%; 13,1 mil), a própria Cuiabá (MT) (2,3%; 15,6 mil) e o Sudoeste do Mato Grosso (2,3%; 16,1 mil).

 

Mapa 4 espelha o desenho da região Centro-Oeste e reforça visualmente as informações da Tabela 3. Nesta região predominam tons mais claros da paleta de cores adotada, indicando que nenhum estrato supera 5% de extrema pobreza. As áreas com maiores taxas — em torno de 3%–4%, surgem apenas como leves variações no entorno goiano do Distrito Federal e em MT; confirmando a baixa intensidade dos indicadores de estrema pobreza na região.

Mapa 4. Extrema pobreza (%) – Centro-Oeste (2024)

 

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

A comparação entre a região Centro-Oeste e as regiões Norte e Nordeste, apresentadas anteriormente, já evidencia um forte contraste regional. Enquanto Norte e Nordeste reúnem diversos estratos com taxas acima de 10%, no Centro-Oeste todos variam apenas entre 2% e 4%. Além disso, os maiores contingentes da região — no Distrito Federal (79,6 mil) e na Integrada de Brasília em GO (60,5 mil) — permanecem muito inferiores aos grandes bolsões de miséria do Norte e do Nordeste.

Mesmo no estrato geográfico mais crítico do Centro-Oeste — a Integrada de Brasília em Goiás, com 4,3% — o índice corresponde a pouco menos de um quinto do caso mais grave do Nordeste (Leste Maranhense, 22,8% e 344,8 mil pessoas) e pouco menos de um quarto do estrato mais pobre da região Norte (Vale do Rio Purus, 17,8% e 66 mil). Em síntese, o quadro social do Centro-Oeste é claramente menos crítico, tanto em termos proporcionais quanto em números absolutos de pessoas em extrema pobreza.

SUDESTE

No Sudeste, as maiores taxas de extrema pobreza concentram-se em bolsões do Rio de Janeiro e no Norte de Minas Gerais, embora não cheguem a apresentar taxas acima de 10%. Conforme as informações da Tabela 4, a taxa de extrema pobreza mais elevada foi registrada no Arco Metropolitano de Duque de Caxias (RJ), com 7,2% da população nessa condição e 86,4 mil pessoas, seguido pelo Norte de Minas (MG), com 6,6% e 175 mil pessoas.

Embora com taxa menor, o Arco Metropolitano de Nova Iguaçu (RJ) chama atenção pelo elevado contingente populacional, estimado em cerca de 145,2 mil pessoas e correspondente a 5,6% da população residente neste estrato.

Outros estratos aparecem em patamares intermediários, variando de 3,4% a 5,0%. Entre eles estão: o Norte do Rio de Janeiro (5,0%; 67,4 mil), a Integrada de Brasília em MG (4,5%; 5,2 mil), Niterói/São Gonçalo (RJ) (3,9%; 79,4 mil), o Vale do Paraíba e Costa Verde (RJ) (3,9%; 50,8 mil), a região do Lagos do Rio de Janeiro (3,7%; 36,4 mil), a Zona da Mata (MG) (3,5%; 77,9 mil) e o Entorno Metropolitano Oriental de São Paulo (3,4%; 199,7 mil). Este último, apesar da taxa relativamente baixa, apresenta o maior número absoluto de pessoas em extrema pobreza na região.

O Mapa 5, referente ao Sudeste, nos ajuda a visualizar a distribuição espacial da extrema pobreza nessa região: patamar médio baixo de extrema pobreza, mas com hotspots claros no corredor no norte de Minas Gerais (Jequitinhonha–Mucuri) e bolsões nas periferias metropolitanas do RJ e de SP. No interior do RJ surgem faixas no Norte Fluminense, Vale do Paraíba/Costa Verde e Região dos Lagos, enquanto em SP o quadro é mais homogêneo, com destaque para o entorno metropolitano oriental da capital.

Mapa 5. Extrema pobreza (%) – Sudeste (2024)

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

SUL

Na região Sul, as taxas de extrema pobreza são as mais baixas do país entre as regiões analisadas. A maior incidência de extrema pobreza ocorre no estrato Norte Central e Norte Pioneiro do Paraná, com 3,8% da população nessa condição, equivalente a 74,4 mil pessoas. Em seguida aparecem o Entorno Metropolitano de Curitiba (PR), com 3,2% (57,8 mil), e o Litoral/Entorno Metropolitano de Curitiba, com 2,6% (9,9 mil). Outros estratos em destaque incluem a Serrana Catarinense e Litoral Sul de SC (2,6%; 48,2 mil), a Depressão Central do RS (2,6%; 36,3 mil), o Oeste do PR (2,5%; 34 mil), o Entorno Metropolitano de Florianópolis (SC) (2,5%; 17,3 mil), o Oeste do RS (2,1%; 18,1 mil), o Centro e Sul Oriental do PR (2,0%; 22,5 mil) e a própria Porto Alegre (RS) (2,0%; 28,2 mil).

O Mapa 5 confirma esse padrão de baixa intensidade, predominando tonalidades muito claras, sem áreas que ultrapassem 5% de extrema pobreza. As variações aparecem como nuances discretas: um pouco mais visíveis no Norte Pioneiro do Paraná e em cinturões metropolitanos (Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre). Diferentemente do Norte e do Nordeste, não há manchas contínuas; trata-se de um padrão difuso e localizado, coerente com taxas máximas abaixo de 4%.

Mapa 6. Extrema pobreza (%) – Sul (2024)

 

 

Fonte: Elaboração própria com base na PNAD/Contínua, 2024.

III. A Focalização das Políticas Públicas Regionais

Diante das diferenças regionais, é fundamental adotar políticas públicas adaptadas a cada realidade. De modo geral, destaca-se a importância de integrar programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, a iniciativas de acompanhamento familiar ativo.

Experiências nacionais e internacionais constituem ótimas referencias e podem apontar alguns caminhos. Uma destes casos é o do Chile, em que o programa FOSIS oferece acompanhamento integral às famílias em extrema pobreza, fortalecendo suas capacidades em saúde, educação, trabalho e renda. No Brasil, os Agentes Comunitários de Saúde desempenham papel semelhante, visitando regularmente os domicílios para orientar cuidados básicos. Inspirado nesses exemplos, propõe-se a criação de uma política de “agentes de apoio familiar”, com foco na identificação das demandas familiares e na superação da pobreza extrema.

A ação destes agentes ocorreria por meio de visitas periódicas às famílias mais pobres, orientando o acesso a serviços públicos (saúde, educação, assistência social), acompanhando o cumprimento das condicionalidades do Bolsa Família (como frequência escolar e vacinação) e elaborando, junto com cada família, um plano de superação da pobreza. Essa atuação personalizada permitiria identificar problemas específicos — como desnutrição, evasão escolar, desemprego ou envolvimento com drogas — e encaminhar soluções intersetoriais.

Estudos com base nos dados da PNAD Contínua mostram que os programas sociais já representam, em média, 67% da renda das pessoas em extrema pobreza. No entanto, sem acompanhamento, muitas famílias não conseguem transformar essa renda em melhoria permanente de vida. Por isso, a combinação entre a proteção social financeira e suporte técnico e comunitário pode gerar resultados mais duradouros.

Além dessa estratégia transversal, baseada no acompanhamento familiar, é importante adequar ações aos desafios regionais específicos, intensificando políticas nas seguintes direções:

Nordeste: priorizar investimentos em desenvolvimento regional e inclusão produtiva. Programas de convivência com o semiárido (cisternas, apoio à agricultura familiar) podem reduzir vulnerabilidades históricas. Ao mesmo tempo, é necessário expandir educação de qualidade e capacitação profissional. Dada a concentração de domicílios extremamente pobres, o Bolsa Família pode ser ampliado e articulado com orientação direta às famílias por meio de agentes de apoio.

Norte: expandir serviços básicos e infraestrutura em áreas remotas. Muitas comunidades amazônicas carecem de saúde, educação e saneamento. Políticas itinerantes (barcos de saúde e educação) e melhoria da conectividade (transporte e internet) são fundamentais. Os agentes de apoio teriam papel crucial na identificação de famílias isoladas e na conexão aos programas sociais. Projetos de desenvolvimento sustentável e bioeconomia podem gerar renda local sem degradar o meio ambiente.

Sudeste: concentrar esforços nos bolsões urbanos de pobreza em grandes metrópoles e em áreas rurais específicas. Urbanização de favelas, melhorias habitacionais e saneamento devem ser combinados com programas de geração de emprego e qualificação para jovens. Apesar da incidência menor, o Sudeste concentra quase um quarto dos extremamente pobres do país, o que exige fortalecer a rede de assistência social (CRAS e CREAS). Agentes de apoio podem atuar junto às equipes de saúde da família, garantindo acompanhamento nas periferias.

Sul: manter os bons indicadores e erradicar os focos remanescentes. A busca ativa deve alcançar grupos marginalizados que muitas vezes ficam fora das políticas, como comunidades quilombolas, indígenas e moradores de rua. Programas de microcrédito e apoio ao pequeno produtor rural podem favorecer a inclusão de famílias pobres do meio rural. Nesse contexto, o acompanhamento familiar atua como a “última milha” para que ninguém fique desassistido.

Centro-Oeste: apesar da baixa incidência geral, persistem desigualdades internas, especialmente no entorno de grandes cidades e em populações tradicionais e indígenas. É preciso reforçar a inclusão social com educação e capacitação voltadas aos setores dinâmicos da região (agronegócio e serviços), para que a população local aproveite as oportunidades econômicas. Iniciativas como mutirões de documentação, inclusão digital e parcerias com empresas agrícolas podem reduzir bolsões de miséria. Novamente, os agentes de apoio familiar podem mapear famílias invisíveis em meio ao alto PIB médio regional.

A mensagem central e que é comum para todas as regiões é: articular transferência de renda com acompanhamento ativo e políticas locais de desenvolvimento. Essa abordagem garante que cada realidade seja atendida de forma adequada — seja no semiárido nordestino, na floresta amazônica, nas periferias metropolitanas ou nas comunidades isoladas do Sul e Centro-Oeste.

Em resumo, o enfrentamento da extrema pobreza no Brasil exige combinar soluções universais — como a renda básica via Bolsa Família — com estratégias territoriais diferenciadas, atacando as causas locais da pobreza e assegurando que nenhuma família vulnerável fique desassistida. Com políticas calibradas e um forte componente de acompanhamento familiar, é possível avançar de forma consistente rumo à erradicação da extrema pobreza no país.

IV. Considerações Finais

Apesar dos avanços recentes na redução da pobreza em todas as regiões do país, persistem grandes bolsões de extrema pobreza, sobretudo no interior do Norte e do Nordeste e nas periferias das grandes metrópoles do Sudeste. Este estudo busca justamente orientar a focalização das ações: identificar onde o problema é mais intenso e propor respostas específicas a cada território, sem perder de vista as políticas transversais que sustentam a proteção social. O ponto de partida é mudar a lógica da execução, colocando a família e o território no centro, por meio da integração entre renda, serviços e trabalho.

O Bolsa Família continua como pilar central, mas precisa ser articulado ao acompanhamento familiar ativo: agentes de apoio que visitam as famílias residentes em domicílios pobres, facilitam o acesso a serviços, organizam documentos e pactuam metas simples — presença escolar, vacinação, inserção produtiva — com bônus temporários para cada marco de progresso.

As soluções, porém, devem ser calibradas ao contexto local. No semiárido nordestino, o foco recai em acesso à água e creches integrais, combinados a frentes de qualificação em obras e serviços municipais. Na Amazônia ribeirinha, são essenciais equipes móveis de saúde e educação, conectividade comunitária e cadeias de bioeconomia apoiadas por compras públicas. Nos bolsões urbanos do Sudeste, urbanização de favelas, aluguel social de transição e mutirões de documentação e emprego são medidas prioritárias. Já no Sul e no Centro-Oeste, a ênfase deve estar na busca ativa dos focos remanescentes, no microcrédito orientado e na assistência técnica rural.

Para que essa arquitetura funcione, é preciso alinhar incentivos e garantir transparência. Isso inclui contratos com metas verificáveis e pagamento por resultados para municípios e equipes, pactos com empresas locais para priorizar contratações acompanhadas de qualificação rápida e a criação de um painel público trimestral que mostre, por bairro, quantas famílias entraram, quantas avançaram e onde ainda é necessário reforço.

Em síntese, o diagnóstico territorial permite transformar a política de combate à extrema pobreza em uma trajetória de superação: proteção imediata, acompanhamento próximo e porta de saída concreta. O Norte e o Nordeste devem receber prioridade, o Sudeste atenção dedicada aos seus bolsões críticos, e o Sul e o Centro-Oeste o esforço final para erradicar os focos remanescentes.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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