Igualdade no liberalismo

A igualdade no liberalismo é o princípio que você não deve fazer às outras pessoas aquilo que não quer que seja feito a você. Ou, que deve tratar as outras pessoas como quer que você seja tratado. É uma forma de igualdade de oportunidades.
Em várias ocasiões tenho escrito sobre os fundamentos por trás do liberalismo. O ponto mais relevante é a definição de liberdade. Para reiterar esta mensagem, a liberdade pessoal é consequência lógica da natureza do ser humano. O ser humano é principalmente preocupado com seu próprio bem-estar. Esta característica pode ser menos saliente quando nos vemos face a familiares e amigas e amigos próximos. Muitas vezes estaríamos dispostos a sacrificar parte de nosso bem-estar para ajudar um ente querido. Porém, nas sociedades modernas e cosmopolitas, há muito mais interações com indivíduos que são anônimos ou desconhecidos ou apenas conhecidos, mas não próximos. Por exemplo, quando vamos a uma loja ou compramos algo numa grande plataforma de distribuição. Nestas interações, o caráter altruísta desaparece por completo de nosso comportamento. Estamos interessados no melhor preço e na maior qualidade, desde que a origem do produto que adquirimos seja lícita. Ou seja, nem passa pela nossa cabeça considerar se quem está vendendo terá um lucro menor do que poderia em outra forma de ofertar o produto.
A partir desta natureza intrínseca da humanidade, deduz-se que a liberdade pessoal é determinada somente pelas alternativas à disposição do indivíduo. Desta forma, mais alternativas resultam sempre em escolhas melhores (ou na pior das hipórteses tão boas quanto). Em outras palavras, mais liberdade significa mais possibilidades de escolha. Menos entraves às decisões pessoais.
Há porém outra noção que faz parte da pedra de toque do liberalismo. Esta é a igualdade. O que significa isto? Se estivéssemos falando de um indivíduo isolado numa ilha, como se fosse Robinson Crusoé sem Sexta-Feira, não há dúvida que o conjunto de alternativas à disposição desta pessoa é tudo o que a ilha possa oferecer-lhe. Nada existe que ponha limites à sua liberdade, exceto o próprio fato de estar em uma ilha. Porém, se há mais pessoas interagindo com este indivíduo, quais devem ser as ações possíveis dele? É claro que este indivíduo não pode agredir fisicamente alguém (a não ser para sua própria defesa), ou que não pode roubar o que pertence às outras pessoas. Em suma, por interagir com outrem, este indivíduo passa a ter restrições a seus comportamentos. Não faz sentido dizer que todas as ações fisicamente possíveis são escolhas permitidas. A igualdade no liberalismo é o princípio que você não deve fazer às outras pessoas aquilo que não quer que seja feito a você. Ou, que deve tratar as outras pessoas como quer que você seja tratado. Em outras palavras, temos uma forma de igualdade de oportunidades. Esta observação pode ser vista em mais detalhes no capítulo 1 do interessante livro de Deidre McCloskey (“Por Que o Liberalismo Funciona?”). Este conceito de igualdade está implícito na definição de “liberdade negativa” de Isaiah Berlin. Berlin imagina que cada pessoa tem seu espaço próprio, que não pode ser invadido por atitudes de outros. Conteria, entre outras, sua integridade física e suas propriedades privadas. A liberdade de um indivíduo é fazer tudo o que está a seu alcance, menos aquelas ações que interfiram com o espaço das outras pessoas. Portanto, é uma definição de liberdade que parte do pressuposto de haver uma igualdade no tratamento que as pessoas dão e recebem na interação em sociedade. Obviamente, esta visão de que as pessoas devem ter igualdade é recente na história. E até hoje ainda há países que discriminam (em alguns casos até mesmo legalmente) raças ou etnias distintas, mulheres, homossexuais, ou pessoas que tenham religiões diferentes. Nestas sociedades não temos nada parecido com o liberalismo. O liberal adota o princípio da igualdade de oportunidades, que trata todas as pessoas de forma igual. Esta noção de igualdade de oportunidades engloba uma outra faceta que vale a pena ressaltar. Aqui eu transcrevo com pequenas alterações o texto de meu artigo para o Broadcast de maio de 2022.
“Para que um ser humano seja capaz de viver em sociedade e exercer sua liberdade de escolha, é fundamental que possa entender as consequências de suas ações. E é preciso que tenha capacidade física de realizá-las também. Segue-se a necessidade que tenham um mínimo de educação (que em muitas partes do mundo é visto como ensino médio completo), incluindo aí alfabetização e domínio da língua portuguesa, além de habilidades matemáticas básicas. Só assim as decorrências das opções individuais são plenamente compreendidas e escolhas feitas de modo consciente. E é claro, um mínimo grau de saúde e assistência social é fundamental para que as pessoas consigam viver bem para exercerem suas atividades. Nas palavras de Gustavo Binenbojm (“Liberdade Igual”, 2020), um mínimo existencial é essencial para haver condições de liberdade. Ou seja, para que os indivíduos usufruam por completo de sua liberdade.”
Em suma, uma das bases do liberalismo é o conceito de igualdade de oportunidades. Este não deve ser confundido com igualdade de resultados, i.e. renda igual para todos, preceito que levou a incríveis perdas de bem-estar nas sociedades que tentaram implantá-lo (União Soviética e China de Mao Tsé Tung, os exemplos mais gritantes).
Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 11/11/2025, terça-feira.










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