Como aprimorar o cálculo de índices de volume de Serviços no Brasil?

Disponibilidade de um índice de Preços ao Produtor de Serviços aprimoraria o cálculo de indicadores de volume do setor, que constitui a maior parcela do PIB sob a ótica da produção, trazendo ganhos de qualidade para a PMS e as Contas Trimestrais.
O setor de serviços constitui a maior parcela do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro sob a ótica da produção, mas sua mensuração a preços constantes ainda enfrenta desafios significativos. Um dos aperfeiçoamentos necessários segundo as melhores práticas internacionais seria o uso de índices de preços ao produtor de serviços (ou Service Producer Price Indices — SPPIs). Essas estatísticas acompanham os movimentos de preços[1] resultantes das condições de oferta e demanda nos mercados de Serviços, atuando como o "padrão ouro" para o deflacionamento deste Setor nas Contas Nacionais.
A principal função dos SPPIs é permitir estimar a variação da produção a preços constantes com maior precisão, aprimorando o cálculo do PIB. Adicionalmente, eles contribuem para o monitoramento de pressões inflacionárias, oferecem subsídios à análise macroeconômica e auxiliam a iniciativa privada na avaliação de mercados específicos e na indexação de contratos.
No entanto, o Brasil integra o grupo de países que ainda não produzem SPPIs. Diante da complexidade envolvida em sua elaboração e do histórico de restrições orçamentárias, o IBGE adota estratégias alternativas sugeridas por organismos internacionais[2]. Para a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), uma das principais estatísticas conjunturais do país, o cálculo do índice de volume é feito inteiramente pelo deflacionamento da receita nominal utilizando componentes do índice de preços ao consumidor (IPCA).
Essa metodologia tem implicações profundas, pois a PMS não é apenas um termômetro acompanhado de perto pelo Ministério da Fazenda, Banco Central e mercado; ela é um dos principais insumos para o cálculo das Contas Nacionais Trimestrais. Embora as Contas Nacionais Anuais eventualmente corrijam imprecisões através de metodologias mais robustas[3], sua divulgação ocorre com uma defasagem de quase dois anos.
Na prática, isso significa que os números trimestrais, fortemente influenciados pelo deflacionamento da PMS, permanecem como a "versão oficial" do PIB durante o período crítico de formulação de políticas fiscais e monetárias. Dessa forma, o aprimoramento desses indicadores é fundamental para evitar que limitações metodológicas afetem a clareza do cenário econômico utilizado para a tomada de decisão.
Embora o deflacionamento por índices do IPCA seja uma solução possível diante da falta de um índice próprio, essa metodologia pode gerar distorções. Uma análise mais detida sobre os números da PMS revela por exemplo, indícios consideráveis de superestimação na evolução recente do segmento de "Transportes, serviços auxiliares e correio" no período pós-pandemia, quando o preço das passagens de ônibus urbano (até então um importante componente do deflator da atividade) ficou congelado em várias capitais (ver Gráfico 1).

No caso do índice de volume de "Serviços de Informação e Comunicação" há também sinais de superestimação, em um horizonte de tempo mais longo. Uma das maneiras de chegar a essa conclusão é pela análise da produtividade do fator trabalho implícita nos números da PMS — que apresenta uma evolução aparentemente muito benéfica considerando parâmetros internacionais, ou mesmo a análise das características da atividade a partir de dados obtidos na Pesquisa Anual de Serviços (Gráfico 2).

Já em “Serviços profissionais, administrativos e complementares”, a fragilidade reside na baixa aderência dos deflatores ao perfil do setor, cujas atividades, prestadas majoritariamente a empresas, são deflacionadas por índices que refletem serviços destinado em sua grande parte ao consumo das famílias — como pode ser observado na Tabela 1.

Os componentes da PMS sujeitos a deflatores frágeis respondem por parte importante do peso no indicador de volume total. É importante notar, contudo, que essas distorções não prejudicam apenas o diagnóstico agregado do setor de serviços. Elas afetam também a interpretação da dinâmica setorial, dificultando a identificação dos reais vetores de crescimento da economia brasileira. Isso tem implicações diretas para a tomada de decisões de agentes públicos e privados.
Neste link é possível acessar o texto completo, no qual, além de se apresentar a análise sobre a adequação dos atuais deflatores do IBGE, expõe-se o “estado da arte” do cálculo dos Índices de Preços ao Produtor de Serviços no mundo e discute-se a possibilidade de sua adoção no Brasil.
Por fim, mas não menos importante, cabe destacar que a intenção não é criticar o corpo técnico do IBGE, altamente qualificado e que desempenha papel relevante nos mais importantes fóruns internacionais dos órgãos de estatística. Como será visto, há mais de duas décadas, quando ainda eram delineados os planos para a Pesquisa Mensal de Serviços, o IBGE já apontava a necessidade de construção de um índice de Preços ao Produtor de Serviços como o mais adequado para a elaboração de índices de volume.
O uso de componentes do IPCA, portanto, foi a alternativa possível, diante das décadas de descaso orçamentário com um órgão que deveria ser visto como fundamental na compreensão da realidade brasileira e consequente definição de estratégias de desenvolvimento do país.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] O momento no processo de produção no qual o preço é coletado é denominado pricing point. Para Índices de Preços ao Produto, o pricing point é geralmente quando o produto deixa seu local de produção, sendo esses preços por isso conhecidos como “farm gate” ou “factory gate”. Os SPPIs utilizam metodologia similar, procurando coletar os preços recebidos pelo produtor dos serviços. Referência: OECD/Eurostat (2014). Methodological Guide for Developing Producer Price Indices for Services: Second Edition, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264220676-en
[2] Segundo a OCDE (2007), na ausência de SPPIs, as abordagens alternativas recomendadas incluem: (i) o deflacionamento por componentes de índices de preços ao consumidor (IPC) que guardem relação com o serviço; (ii) o uso de variáveis de insumo, como a evolução do pessoal ocupado ou do rendimento médio; (iii) o deflacionamento por índices de preços business-to-business; e (iv) o uso de indicadores de volume físico diretos, como passageiros transportados ou número de transações. Referência: OECD (2007), Compilation Manual for an Index of Services Production, OECD Publishing. https://doi.org/10.1787/9789264034440-en.
[3] Diferentemente das contas trimestrais, as Contas Nacionais Anuais realizam uma análise de equilíbrio rigorosa entre oferta e demanda. Nesse processo, a variação da produção é obtida muitas vezes de maneira implícita, correspondendo à necessidade indicada pela evolução do consumo intermediário (outras atividades que usam serviços como insumo) e da demanda final (consumo das famílias, governo, exportações e investimentos). É esse exercício de consistência que permite corrigir os erros de medida dos indicadores conjunturais.










Deixar Comentário