Consumo, inflação de serviços e hiato: as incógnitas de 2018
No âmbito da atividade econômica, a principal surpresa no último trimestre do ano passado foi a acentuada desaceleração do consumo das famílias, trazendo dúvidas quanto ao seu ímpeto ao longo deste ano. Por um lado, à luz dos dados de curto prazo, é certo que os recursos do FGTS impulsionaram o consumo no segundo e no terceiro trimestres. Como destacado no Boletim Macro de novembro do ano passado, nossos modelos sugerem que os fundos sacados deram uma contribuição de quase 1 pp ao consumo no segundo trimestre de 2017, de modo que parte relevante da recuperação que se observou no ano passado se deveu a um impacto transitório, o qual não se repetirá em 2018. Por outro lado, há vetores mais estruturais que nos permitem manter uma visão mais otimista quanto ao seu desempenho este ano.
Já é fato conhecido que as concessões de crédito para pessoa física (PF) apresentaram uma sensível recuperação ao longo de 2017, e os dados de janeiro de 2018 mantiveram, de modo geral, a trajetória benigna observada no ano passado, a despeito de uma ligeira interrupção da queda das taxas de juros, bem como dos spreads das carteiras de crédito para pessoa física. Além disso, a retomada da ocupação este ano, combinada com uma inflação ainda muito bem-comportada, deve sustentar o consumo das famílias em 2018. Finalmente, no mercado de crédito, caso não ocorra algum entupimento no canal da transmissão da queda da taxa básica de juros para as taxas cobradas sobre as operações de crédito para PF, o processo descrito acima virá acompanhado de um expressivo alívio financeiro do orçamento das famílias, abrindo espaço para que uma parcela maior da renda seja alocada para consumo.
Ou seja, apesar da frustração com o desempenho das vendas no varejo e do consumo no PIB no último trimestre do ano passado, podemos dizer que o futuro ainda se mostra promissor. De fato, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) apresentou quedas acentuadas nos grupos ligados a vestuário, móveis e eletrodomésticos. O calendário da Black Friday tem distorcido o padrão sazonal do comércio varejista de fim de ano, o que dificulta a leitura dos dados, mas as surpresas, de modo geral, foram acentuadamente negativas em outubro e dezembro. Do mesmo modo, o consumo das famílias cresceu apenas 0,1% no quarto trimestre do ano passado, após crescer mais de 1% nos dois trimestres imediatamente anteriores.
Enquanto isso, no terreno inflacionário, emergiram novas surpresas baixistas, não só em grupos mais voláteis e sujeitos a choques de oferta, como alimentação, mas também em componentes da inflação mais sensíveis ao ciclo econômico. Os serviços subjacentes no IPCA de janeiro e no IPCA-15 de fevereiro apresentaram desacelerações adicionais na métrica da média móvel de três meses dessazonalizada. Apesar das controvérsias em torno da real magnitude do hiato do PIB, os componentes da inflação mais sensíveis ao ciclo econômico, como os serviços subjacentes, continuam indicando que a economia ainda opera com uma substancial margem de capacidade ociosa. Mesmo que se suponha que grande parte do declínio da produtividade dos fatores durante a recessão do triênio 2014-2016 seja permanente, o hiato do PIB e, em particular, o hiato no mercado de trabalho ainda devem ser suficientes para manter a dinâmica da inflação deste bastante contida este ano. O gráfico abaixo mostra a diferença, em pontos percentuais, entre a taxa de desemprego efetiva da PNAD Contínua (retropolada) e a taxa de desemprego filtrada, obtida por filtro de Kalman aplicado à função de produção, segundo a metodologia de Areosa (2008).
A projeção de inflação dos serviços subjacentes, gerada a partir de uma curva de Phillips estimada com dados até o último trimestre de 2017, e seguindo a especificação do modelo de pequeno porte (com preços desagregados) do Banco Central, sugere inflação estável este ano, fechando 2018 em 3,7%, embora os primeiros dados, referentes a janeiro e os preliminares de fevereiro, apontem para um número possivelmente menor. De qualquer modo, as informações de curto prazo, tanto do ponto de vista da atividade econômica quanto do ponto de vista da inflação, validam a extensão do atual ciclo de flexibilização monetária para mais um corte de 25 pontos-base da taxa de juros na próxima reunião do Copom.
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