Razões para rejeitar aumento de impostos
Nos últimos 20 anos, o gasto primário do governo central cresceu a um ritmo médio de 5,3% a.a., em termos reais, ritmo esse obviamente insustentável. Mais recentemente, o resultado líquido das contas primárias tornou-se deficitário, enquanto a trajetória da dívida pública mostra-se nitidamente explosiva. Urge, portanto, que se altere o comportamento da despesa pública, procurando-se conter, inclusive, os chamados gastos tributários, de maneira a tornar significativamente positivo o resultado primário. Caso contrário, a dívida governamental tornar-se-á impagável.
Além disso, é preciso notar que, em 2017, o gasto público total (federal, estadual e municipal) atingiu 49,5% do PIB. Isto significa que, em média, de cada 100 reais recebidos por determinada pessoa, 49,5 reais correspondem a gastos realizados em nome da população, mas decididos pelos governantes.
Como se sabe, a economia brasileira perdeu dinamismo. Deixou para trás certa capacidade de crescer em ritmo acentuado. Tal fenômeno vem da década de 1980, mas acentuou-se sobremaneira nos últimos anos. Alocar eficientemente os escassos recursos da sociedade é notoriamente uma forma de contribuir para o crescimento econômico. A quem, fundamentalmente, deveria ser atribuída essa tarefa? Ao setor privado ou ao setor público? O primeiro guia-se por suas preferências, pela busca do lucro e pelos sinais dados pelo sistema de preços. O segundo acaba respondendo às pressões dos grupos de interesse que se mobilizam para extrair proveito da ação governamental, para não falar de desperdício de recursos, refletido em incontáveis obras inacabadas e na criação de empregos para a execução de tarefas desnecessárias. A forte influência dos grupos de interesse é o que nos leva a ter elevados níveis de dispêndio público e, ao mesmo tempo, investimentos muito aquém do desejável em áreas tão cruciais quanto educação, saúde, segurança, etc.
À medida que avança a campanha para as próximas eleições cresce a discussão sobre o que fazer com a despesa pública e sobre a maneira mais adequada de se promover o necessário ajuste fiscal, a partir do próximo ano.
De modo geral, políticos e economistas, de diferentes tendências, revelam preocupação com a questão do dispêndio, embora o grau de preocupação varie de um caso para outro. Não são poucos, porém, os que, volta e meia, se posicionam em favor de aumento da carga tributária como elemento complementar de uma estratégia de ajuste calcada em reformas da estrutura dos gastos públicos. Curiosamente, os que se expressam dessa maneira nem sempre esclarecem se suas ideais se referem à inevitabilidade do aumento de impostos, dadas as notórias dificuldades para promover reformas e cortar gastos, ou se suas ideias refletem o que consideram adequado fazer nas atuais circunstâncias.
De qualquer modo, o debate está na mesa e envolve questões já largamente discutidas em outros tempos e lugares. Milton Friedman, por exemplo, manifestava-se frequentemente sobre esses assuntos. Em suas análises é possível encontrar pontos de grande relevância para as discussões que ora se travam no Brasil.
Durante muito tempo predominou nos Estados Unidos a ideia de orçamento equilibrado. As raízes desse raciocínio eram tão profundas que mesmo durante a Grande Depressão procurou-se aumentar a receita governamental, numa tentativa de reequilibrar o orçamento. O presidente Hoover elevou impostos e com isso agravou severamente o quadro depressivo da época.
Uma vez vencidos os períodos excepcionais de Depressão e Guerra, a economia americana operou sob regime de contas equilibradas. Foi essa a situação da década de 1950. A partir dos anos 60, aos poucos, resultados deficitários tornaram-se dominantes. Muitos, porém, continuaram defendendo a importância do equilíbrio orçamentário. Em artigo de 1978, num ataque a esse princípio, Friedman argumentou que lutar por essa prática significava dispender esforços na direção errada (“The Limitations of Tax Limitation”, Policy Review, Summer 1978). Dispositivos legais forçam quase todos os Estados americanos a manter seus orçamentos em equilíbrio, mas isso não impede o aumento dos gastos e da carga tributária, dizia ele. O que se mostra necessário, em todos os níveis, é “limitar os gastos públicos como proporção da renda”.
Friedman entendia que ênfase no déficit e não no gasto total do governo tornava os que assim se posicionavam cúmplices dos grandes gastadores. Tipicamente o processo começa pela aprovação de dispositivos legais viabilizadores de aumento do dispêndio público. Disso resulta situação deficitária. Para corrigir esse quadro propõe-se então elevação da carga tributária. Tão logo aparecem novas receitas, lá estão os gastadores novamente, reiniciando todo o processo. O grande problema, dizia Friedman, é que gastos fiscais são tratados isoladamente, ou seja, um por um. E sempre existe um grupo de interesse que se beneficia de cada projeto de dispêndio público. A força gastadora deriva do fato de que quem se beneficia de determinado projeto luta fervorosamente em defesa de seus interesses, sendo de modo geral modesta a resistência de cada indivíduo a gastos que beneficiam terceiros.
Em 2003, Friedman referiu-se ao comportamento histórico das contas públicas do governo americano. “Déficit tem sido a norma”, afirmou. (“What Every American Wants”, The Wall Street Journal, 15/03/2003). Friedman revelou firme oposição à noção de que gasto público é variável predeterminada, independente da receita tributária e do déficit. E reforçou a ideia de que aumento de carga tributária não reequilibra o orçamento, uma vez que, segundo o seu entendimento, os governantes miram uma espécie de “déficit tolerável politicamente”. Seguramente percebia que o desequilíbrio tolerável variaria de tempos em tempos. Para Friedman, o governo americano era excessivamente pesado (“grande e intrusivo”). E precisava ser contido, pelo lado do dispêndio. Para conseguir esse objetivo haveria apenas um caminho: o mesmo de que os pais dispõem para impedir o gasto excessivo de suas crianças, ou seja, pelo corte de suas mesadas.
Essa ideia de “cortar a mesada” ficou conhecida nos Estados Unidos pela expressão starve the beast (deixe a fera morrer de fome), ou seja, a receita tributária do governo deveria ser reduzida com o propósito de forçá-lo a diminuir seus gastos. Logo se percebeu, porém, que isso não funcionaria. Como revela estudo de Bruce Bartlett (“Starve the Beast – Origins and Development of a Budgetary Metaphor”, The Independent Review, Summer 2007), eleito presidente em 1980, Ronald Reagan planejava reduzir impostos e cortar gastos. Mas não estava disposto a esperar o Congresso chegar a um consenso sobre redução de despesas. Em pouco tempo conseguiu aprovar substancial redução da carga tributária.
Na ausência de iniciativas concretas no sentido da diminuição do dispêndio, o déficit se ampliou e logo vieram as pressões por aumento de impostos. Reagan não queria isso. Resistiu o quanto pôde. Mas os cortes de gastos não vieram e ele acabou cedendo às propostas de aumento de impostos.
Estatísticas organizadas por Vilma Pinto, pesquisadora do FGV/Ibre, mostram que, também no Brasil, diminuição da receita tributária não tem levado os governantes a cortar gastos. Pensando-se apenas em gastos e receitas federais considerados recorrentes, em 2007, a receita representava 18,9% do PIB, enquanto a despesa chegava a 16,9%. Daquele ponto em diante, como proporção do PIB, a receita ingressou em trajetória declinante, atingindo 16,3% no final de 2017. No mesmo período, a despesa cresceu, passando a representar 19,5% do PIB. Isso mostra que, mesmo diante de expressiva contração de receita tributária, da ordem de 2,6 pontos percentuais do PIB, os governantes não se mobilizaram para alterar a trajetória crescente do gasto.
Por conseguinte, não parece haver suporte empírico à tese de starve the beast, como preconizada por Milton Friedman. Mas há razões para acreditar na validade prática de parte importante de seu raciocínio. Devido à forte influência de grupos de interesse, cortar impostos não necessariamente reduz gastos, mas aumentar impostos acarreta ampliação de gastos. No fundo, é como se houvesse uma espécie de assimetria em sua linha de pensamento.
Isso nos parece especialmente válido para o caso brasileiro atual. Dar mais receita para o governo não resolveria o problema do déficit e, consequentemente, do crescimento explosivo da dívida. Na realidade, poderíamos esperar apenas aumento de gastos e perda de qualquer estímulo porventura presente para promover reformas. Ademais, parece igualmente justo imaginar que tal aumento dificilmente beneficiaria segmentos prioritários do ponto de vista social, acabando por favorecer os setores mais mobilizados politicamente e com maior poder de barganha. Temos aqui, portanto, uma importante razão para nos posicionarmos contra aumento da carga tributária, o que não significa negar a importância de se racionalizar e simplificar o nosso sistema tributário.
Por fim, nossa oposição à ideia de aumento de impostos, mesmo como instrumento complementar de uma estratégia voltada para a contenção do gasto público, tem ainda outro aspecto. Muitos dos que defendem elevação de tributos encaram impostos como elemento meramente arrecadador de receita para o governo. Há, inclusive, quem elabore lista de medidas tributárias capazes de gerar determinados volumes de arrecadação. Os que assim raciocinam tratam do assunto sob a ótica contábil, e não econômica. Deixam de lado questões relevantes, relacionadas com as distorções provocadas por impostos.
Tributos são inevitáveis, dada a dificuldade de se conseguir quem se disponha a financiar certas atividades indispensáveis, como a produção de bens públicos, por exemplo. Determinados tributos, porém, como os indiretos, largamente utilizados no Brasil, interferem no sistema de preços. Com isso, encarecem os bens e serviços disponíveis para os consumidores e, como as alíquotas costumam variar, desestimulam certas atividades mais do que desencorajam outras, com efeitos importantes sobre a alocação de recursos na economia. De modo geral, mexem na competitividade internacional das empresas e podem trazer significativos prejuízos ao grau de formalização das atividades econômicas e ao crescimento da produtividade, em detrimento do crescimento econômico.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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