Macroeconomia

Ambiguidades nos sinais da conjuntura econômica

18 jun 2019

A economia tem apresentado seguidos sinais de fraqueza. O crescimento no quarto trimestre de 2018 surpreendeu e foi somente de 0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior, na série dessazonalizada. No 1º trimestre de 2019, o crescimento foi de -0,2% na mesma base de comparação, e de 0,46% ante o 1º trimestre de 2018.

O cenário do Ibre prevê crescimento de 1,2% para a média da atividade produtiva em 2019, em comparação a 2018. Outras casas têm previsto desempenho ainda pior.

O péssimo resultado do primeiro trimestre foi fortemente influenciado pela queda de 6,3% da indústria extrativa mineral, em função da redução da produção da Companhia Vale do Rio Doce, fruto do desastre ecológico de Brumadinho.

De qualquer forma, o cenário de crescimento de 1,2%, após 1,1% ao ano no biênio 2017 e 2018, representa a mais lenta recuperação da economia nos últimos 120 anos. No biênio 2015 e 2016, perdeu-se 7% do PIB. Em três anos de recuperação, a economia ainda estará 3,5 pontos percentuais abaixo do pico de 2014. Nesse ritmo, levará seis anos para retornar ao pico prévio.

Tomando como base o nível de 2014, a atividade econômica acumulada nos quatro trimestres terminados no primeiro trimestre de 2019 encontra-se 4,2% mais baixa, de forma geral; o consumo das famílias está 3,6% abaixo; e o investimento, 23% menor. Parece muito difícil que a atividade econômica retome um ritmo mais rápido sem que o investimento volte.

Há vários possíveis diagnósticos dos motivos da recuperação estar tão lenta. Uma possiblidade é que a taxa de crescimento do produto potencial é muito baixa, além de a perda de atividade ocorrida no biênio 2015/2016 poder ser permanente.

Argumenta-se que grande parte do investimento realizado com a liderança do setor público, entre 2007 e 2014, perdeu-se. Foram investimentos mal desenhados e mal executados, de sorte que o capital foi destruído. Assim, a dificuldade da retomada deve-se à baixa eficiência produtiva da economia. Seria um problema de carência de oferta agregada.

Esse diagnóstico é compatível com a dinâmica inflacionária mais recente. Nos últimos meses a inflação tem dado mostras de acomodação e leve aceleração na margem.

É verdade que a prévia do Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA-15) de maio veio um pouco abaixo do que o mercado esperava: 0,35% ante expectativa de 0,42%. No entanto as aberturas não vieram bem. A leitura dos núcleos de inflação – índices derivados do IPCA, com exclusão dos itens com maior variabilidade – revelou elevação em comparação ao mesmo mês do ano passado. O mesmo ocorre com os serviços. A importância da inflação de serviços deve-se a ser o grupo menos sensibilizado por choques de câmbio e choques agrícolas, principalmente quando excluímos dos serviços o item alimentação fora do domicílio (que, no caso, é muito suscetível aos preços da agropecuária).

Além da leitura do IPCA-15 de maio ter sido mais salgada, os serviços e os núcleos de inflação apresentam um leve processo de aceleração nos últimos quatro meses, aproximadamente. O nível da inflação não preocupa. O que preocupa é a dinâmica.

No entanto, a economia foi sujeita a choques. Houve forte elevação dos preços agrícolas. Nos últimos 12 meses terminados em maio, a alimentação no domicílio subiu 8,6% e, nos últimos seis meses, subiu 5,1%. Adicionalmente, houve forte choque cambial em função da frustração dos primeiros movimentos do governo Bolsonaro, que rejeitou a gestão política tradicional do nosso presidencialismo de coalizão e deixou correrem soltas várias desavenças públicas entre personagens do governo ou muito próximos a ele. Em parte como resultado desses desdobramentos, o câmbio subiu de R$ 3,7 por dólar para R$ 4,0 desde janeiro, desvalorização significativa de 8%.

Além dos choques, outro fator que pode explicar uma subida da inflação, mesmo com ociosidade, é o fato de a inflação corrente rodar abaixo da meta de inflação. Como as expectativas estão bem ancoradas, o mercado naturalmente conta com uma leve elevação da inflação em direção à meta.

Finalmente a forte recessão da Argentina e seus impactos sobre a indústria de transformação constitui choque adicional negativo de demanda. Como se sabe, o país vizinho é um importante comprador das nossas exportações de produtos manufaturados, com destaque para veículos automotores.

Somando tudo, se esse diagnóstico estiver correto, deverá haver ao longo do segundo semestre devolução e queda da inflação, principalmente dos núcleos. Isso se dará à medida que os efeitos dos choques de oferta se dissiparem, na suposição de que os leves sinais de pressão inflacionária mencionados acima não derivam da demanda.

Se a agenda da reforma da Previdência estiver avançada – mesmo não estando aprovada, se for vencida uma etapa decisiva, como a aprovação em primeiro turno no plenário da Câmara –, podemos contar que, com elevada probabilidade, haverá um ciclo de queda da taxa básica de juros.

Esse entendimento se reforça com os sinais de que houve, após a aprovação da emenda constitucional que instituiu um limite para o crescimento do gasto público, e depois do enxugamento dos balanços dos bancos públicos, forte queda da taxa de juros neutra da economia. Esta é a taxa que em teoria não estimula nem desestimula a demanda, fazendo com que o juro básico se mantenha acima dela quando o BC quer reduzir a inflação, e abaixo dela quando a autoridade monetária tenta impulsionar a economia, geralmente em quadros de inflação abaixo da meta ou com risco de assim ficar.

Exercícios que temos realizado no Ibre indicam que, hoje, a taxa de juros neutra da economia brasileira encontra-se em torno de 3,5% ao ano, muito pouco acima do juro real básico praticado, que é de aproximadamente 2,5% 0 – Selic a 6,5%, com inflação esperada de 4%.

Parece que o Banco Central esperará para verificar se os choques de preços irão (ou não) se dissipar. Uma vez tendo verificado que houve essa dissipação, haverá espaço para baixar juros. Por outro lado, se essa dissipação não ocorrer, será sinal de que a ociosidade é menor do que se imagina.

A nossa visão é de que os choques devem se dissipar. Mas entendemos que a cautela do BC em se certificar desse fato está de acordo com os parâmetros de funcionamento do regime de metas de inflação.

Adicionalmente, não há nenhuma dúvida de que a incerteza sobre a aprovação da reforma da Previdência, e sobre qual reforma será aprovada, inibe os investimentos que têm faltado à retomada da economia brasileira. O que se discute, na verdade, é importância relativa desse fator, comparado com outros, pelo lado da oferta e da demanda, comentados nesta coluna.

Assim, parece que a obsessão de uma corrente de analistas com a necessidade imediata de novos cortes da Selic obscurece a natureza fundamentalmente fiscal do nó que paralisou a economia brasileira – para crescer mais rápido, entretanto, há que se desatar outros nós, ligados à produtividade. Num cenário binário em termos domésticos, e bastante complexo na arena internacional, é compreensível que o BC não coloque a carroça à frente dos bois. Novos cortes da Selic provavelmente ainda irão acontecer este ano, mas com os devidos cuidados e sem a ilusão de que, por si só, vão tirar o Brasil da atual estagnação.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de junho de 2019.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

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