Setor Externo

Algumas questões para a agenda da política de comércio exterior do Brasil

30 jan 2023

A escolha de parceiros nos acordos comerciais é econômica e política, pois são acordos assinados por Estados. A sustentação dos acordos, porém, exige que  conjunto de setores e segmentos da sociedade vejam ganhos com a adesão.

O novo governo Lula ainda não detalhou a agenda da política de comércio exterior, mas diversas questões têm permeado o debate nessa área em vários países. Algumas se referem à rede das relações multilaterais, regionais e bilaterais do país num contexto de transformações geopolíticas. Outras ao desenho das políticas num mundo onde os temas da transição energética e da reorganização dos espaços de produção passam a incorporar as políticas industriais e de comércio dos países.

Reindustrialização, mudanças na pauta de exportações do país em direção a produtos de maior valor adicionado e fortalecimento da integração sul-americana são questões que têm estado presente no debate brasileiro.

O objetivo desta seção é analisar alguns desses pontos com o intuito de contribuir para esse debate.

As tensões geopolíticas e uma revisão das políticas comerciais 

Entre 1990 e o início dos anos de 2010, o crescimento do volume do comércio mundial superou o do produto mundial. Depois as duas taxas tenderam a apresentar resultados similares. Teria contribuído para o maior dinamismo do comércio mundial nos anos de 1990/2010 o crescimento das cadeias globais de valor (CGV), identificadas como um arranjo bem-sucedido da globalização. A fragmentação da produção e dos serviços permitia redução de custos via alocação eficiente dos recursos em nível global.

As CGV não eram extensivas a todo os setores de produção e parte do seu crescimento esteve associado à intensificação dos laços de interdependência produtiva entre a China e os Estados Unidos. Para a expansão das CGV eram necessárias a redução das barreiras transfronteiriças de bens e serviços e a convergência de regulações domésticas. Era reduzida a margem de autonomia das políticas domésticas e prevalecia o tema da redução dos custos de transações, a partir de uma perspectiva de eficiência do mercado global.

Os possíveis benefícios de participação nas CGV podiam ajudar economias pequenas, mas não resolviam as questões para uma trajetória de desenvolvimento que permitisse países com economias maiores saírem da armadilha da renda média. Esse era a questão principal da China, que passou a priorizar a partir de 2010 em seus Planos Quinquenais investimentos em tecnologia e a internacionalização das suas empresas, além de eleger o crescimento do mercado interno como propulsor do crescimento econômico. A China não queria se manter na posição de chão de fábrica nas CGV.

A resposta do Presidente Obama foi a proposta do Acordo de Associação Transpacífico (TPP, Trans-Pacific Partnership), que seria uma forma de assegurar a liderança dos Estados Unidos na integração produtiva e na definição dos padrões tecnológicos das principais economias da região.[1]

O Presidente Trump, assim que tomou posse, em 2017, optou por retirar os EUA do TPP. Em lugar da estratégia de contenção da expansão chinesa na Ásia, Trump optou por iniciar uma guerra comercial com a China através de elevação de tarifas de importações, monitoramento rigoroso dos investimentos chineses no país e proibições relativas ao uso de tecnologias chinesas em áreas consideradas estratégicas, como telecomunicações e o 5G.

O governo Biden muda o enfoque. “American First” para Trump era um programa de ataque ao inimigo, China, mas sem medidas claras de como fortalecer o campo doméstico. O programa de Biden “Made all by America” (Tudo feito pela América), anunciado no início do seu governo, visa vencer a China através do fortalecimento dos setores domésticos estadunidenses.

O programa do governo Biden abrange diversas iniciativas, entre elas, políticas de apoio através de subsídios e financiamentos para P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) e tecnologias de ponta, infraestrutura, pequenas e médias empresas, fortalecimento de cadeias produtivas no território dos Estados Unidos, entre outras.

A pandemia da COVID-19 e, depois, a Guerra da Ucrânia intensificaram o debate sobre a redução da dependência de fornecedores externos, em especial da China. E, em 2022, o governo Biden conseguiu aprovar US$ 391 bilhões de um amplo programa que abrange investimentos em produtos associados à transição energética, produção de chips e semicondutores. Além dos subsídios, o programa introduziu exigências de conteúdo local.

O programa “Manufacturing 2025” da China, alvo de críticas constantes do governo dos Estados Unidos e da União Europeia, prevê investimentos e fontes de financiamento público para os setores de manufaturas de tecnologia de ponta e exigências de conteúdo local.

Nesse contexto, ressurge o debate sobre a relação entre política de comércio exterior e política industrial. Exigências de conteúdo local são medidas protecionistas e subsídios podem ou não ter efeitos sobre os fluxos de comércio. Na OMC, para o subsídio ser considerado “prática desleal” é preciso comprovar essa causalidade, além de ser específico a setores.

No caso dos Estados Unidos, a inspiração das políticas é a procura por consolidar liderança tecnológica face ao que entendem ser a ameaça chinesa. É preciso um “Estado forte” para enfrentar o “Estado forte” da China.  Observa-se que Estados Unidos e União Europeia criaram, em 2021, um “Conselho sobre Tecnologia e Comércio” para juntarem esforços, entre outras questões, para monitorar a China.
 

[1] Faziam parte do TPP Japão, Brunei, Malásia, Cingapura, Vietnã, Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá, México, Peru e Chile. As negociações foram finalizadas em 2016.

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de janeiro/2023. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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