Amazônia Legal e mercado de trabalho
É importante mudar o modelo de desenvolvimento econômico da Amazônia, em direção a um padrão menos dependente do setor público e com um setor privado mais dinâmico e diversificado. Isso inclui o mercado de trabalho da Amazônia, em situação pior que a do resto do país.
Promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo da Amazônia é fundamental para o país cumprir seus compromissos ambientais, preservar a biodiversidade e melhorar a qualidade de vida de uma das regiões mais pobres do país. Entretanto, uma análise da dinâmica recente do mercado de trabalho da Amazônia revela inúmeros obstáculos para promoção do desenvolvimento sustentável na região.
Historicamente, a ocupação da Amazônia foi induzida por dois elementos: a exploração de recursos naturais e subsídios massivos para a instalação de empresas e trabalhadores na região. Uma consequência desse padrão de ocupação é a existência de um mercado de trabalho pouco dinâmico e altamente dependente do setor público e de políticas sociais. Por exemplo, um levantamento feito por pesquisadores da PUC-Rio para o projeto Amazônia 2030 mostra que a que Amazônia Legal apresenta indicadores de trabalho e de renda mais precários que os do restante do país, especialmente entre trabalhadores jovens.[1] A taxa de participação entre a população adulta é de 70% na Amazônia Legal contra 77% no resto do país, uma diferença de 7 pontos percentuais. Essa diferença cresce para 12 pontos percentuais (64% contra 76%) entre jovens de 18 a 30 anos de idade. Há ainda um enorme desalento por parte dos jovens na região e uma taxa de informalidade cerca de 20 pontos percentuais maior que no resto do país. Em 2019, logo antes do começo da pandemia da COVID19, 58% dos trabalhadores ocupados na Amazônia Legal não tinham carteira de trabalho assinada ou trabalhavam por conta própria sem contribuir, contra 38% no resto do país.
Esse retrato sugere que a economia da Amazônia Legal – baseada em recursos naturais e incentivos fiscais – tem dificuldade de gerar postos de trabalho suficientes para absorver a população local, especialmente os jovens muito mais numerosos na região que no resto do país. Isso efetivamente significa que a Amazônia Legal está desperdiçando o seu bônus demográfico, i.e., o potencial para geração de renda, investimento e poupança – relacionado a uma população jovem e uma baixa taxa de dependência.
Curiosamente, muitas das diferenças no mercado de trabalho entre a Amazônia Legal e o resto do país não são estruturais. Por exemplo, o levantamento da PUC-Rio indica que as diferenças nas taxas de ocupação e participação entre a Amazônia Legal e o resto do país surgem todas ao longo da década de 2020. No início da séria na PNADC, em 2012, a diferença na taxa de ocupação e participação entre a Amazônia e o restante do país era de em torno de 1 ponto percentual. Ao fim da longa crise econômica que acometeu o país entre 2014 e 2016, tanto a taxa de ocupação quanto participação da Amazônia legal caíram drasticamente e nunca mais voltaram aos patamares de 2012.
Por que essas diferenças que emergem na crise de 2014-2016 impactaram tão fortemente o mercado de trabalho da Amazônia Legal?
Uma primeira hipótese é que a dinâmica está relacionada com a diminuição dos gastos públicos provocada pelo cenário de restrição fiscal que se estabelece a partir de 2014. Transferências governamentais e empregos públicos tem papel bem maior na renda da Amazônia Legal que no resto do país. Segundo o levantamento Mercado de Trabalho na Amazônia Legal, na faixa dos lares que correspondem aos 20% mais pobres, a parcela de recursos originados de programas sociais e auxílios era de aproximadamente 35% dos rendimentos, comparado com 15% no resto do país. O estudo aponta também que na faixa de renda relativa aos 20% mais ricos, a participação de recursos advinda dos salários de funcionários públicos e de militares correspondia a 35% em 2019, inferior aos 23% observados para o restante do país. Consequentemente, a diminuição do ritmo de crescimento do gasto público pode ter afetado a renda local. Dado os efeitos multiplicadores do Bolsa Família e de empregos públicos identificados na literatura, isso pode ter derrubado a demanda por trabalho na região.
Uma segunda hipótese é que essa dinâmica está relacionada à própria estrutura produtiva da região. Desagregando os dados da PNADC por estados, verifica-se que a dinâmica do emprego no estado do Mato Grosso é muito melhor que nos demais estados da Amazônia Legal. Entre 2012 e 2019, o Mato Grosso é o único estado em que a taxa de participação aumenta (em torno de 3.4 pontos percentuais), enquanto os demais observam uma redução nas suas taxas de participação. Coincidentemente, o estado do Mato Grosso destaca-se pelo dinamismo do seu setor exportador de grãos como soja, milho e algodão.
Nos dois casos, revela-se a importância de mudar o modelo de desenvolvimento econômico na Amazônia Legal em direção a um modelo menos dependente do setor público e com um setor privado mais dinâmico e diversificado. Entre as barreiras existentes para isso, destacam-se duas. A primeira está relacionada ao ambiente de negócios da região. A combinação de problemas fundiários com mudanças constantes de regras regulatórias existente na região gera um ambiente de negócios que estimula a ilegalidade e afasta bons investidores. A segunda se relaciona à infraestrutura e a oferta de bens públicos da região. Segundo dados da PNADC, em 2019, 26% dos domicílios na Amazônia Legal não tinham acesso à internet (no restante do país, essa proporção é de 16%). Além disso, apenas 18% dos domicílios na Amazônia Legal tinham esgoto tratado (contrastando com 67% no restante do país).
Uma boa infraestrutura de telecomunicações e serviços básicos é fundamental, seja para atrair investimentos em áreas com alto potencial de geração de emprego (p.e., prestação de serviços e indústrias leves) seja para estimular o desenvolvimento da cadeia de produtos da floresta. Já uma boa oferta de serviços básicos como saneamento e transportes é fundamental para que a região atraia postos de trabalho qualificados e que geram externalidades sobre as economias locais.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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