Macroeconomia

Analisando a reforma da Previdência: contribuição progressiva

12 jun 2019

Hoje volto à minha série sobre reforma da previdência para analisar a proposta de contribuição progressiva para a aposentadoria, que considero uma das melhores partes das medidas apresentadas pelo governo.

Começando pela situação atual, os trabalhadores da iniciativa privada já contribuem para o INSS com base em alíquota variável, de acordo com sua renda mensal. As alíquotas são de 8% para quem ganha até R$ 1.751,81, 9% para faixa salarial entre R$ 1.751,82 e R$ 2.919,72 e 11% para faixa salarial de R$ 2.919,73 a R$ 5.839,45 (teto do INSS).

No caso dos servidores públicos que estão no “regime antigo”, aqueles que ingressaram no governo antes da criação do fundo de previdência complementar do setor público em 2012, a contribuição é de 11% sobre todo o salário.

Para quem ingressou no governo a partir de 2013, a contribuição obrigatória é de 11% sobre a renda até o teto do INSS. Esta contribuição compulsória vai para o Regime Próprio de Previdência do Servidor (RPPS), destinado a financiar aposentadorias nos mesmos moldes do INSS. Na parte do salário que exceder o teto do INSS, o servidor pode optar por contribuição adicional, para à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), com o governo acompanhando o valor poupado pelo servidor até o limite de 8,5% da faixa salarial que exceder o teto do INSS.

Traduzindo todos os números acima, os trabalhadores do setor privado já têm alíquota diferenciada por faixa de renda. No setor público a situação depende da data de ingresso do servidor. Quem entrou antes do Funpresp pode se aposentar pelo salário líquido final, mantendo paridade com os ativos, mediante contribuição de 11% sobre todo o seu salário. Já quem entrou após o Funpresp tem situação similar à iniciativa privada, isto é, contribuição de 11% até o teto do INSS e previdência complementar opcional acima disso.

A proposta do governo aumenta a progressividade das contribuições para a previdência social, desonerando os salários mais baixos e onerando os servidores com salários mais altos. A tabela 1 abaixo apresenta a nova estrutura de alíquotas:

Tabela 1: alíquotas de contribuição para a previdência social segundo a PEC 06-19

Faixa salarial

Alíquota em %

RGPS e RPPS de quem optou pelo Funpresp

RPPS de quem não optou pelo Funpresp

Até um salário mínimo

7,5

7,5

Acima de um salário mínimo até 2.000.00 reais

9,0

9,0

De 2000.01 a 3.000,00 reais

12,0

12,0

De 3.000,01 a 5.839,45 reais

14,0

14,0

De 5.839,46 a 10.000,00 reais

sem contribuição

14,5

De 10.000,01 a 20.000,00 reais

sem contribuição

16,5

De 20.000,01 a 39.000,00 reais

sem contribuição

19,0

Acima de 39.000 reais

sem contribuição

22,0

Fonte: PEC 06-19, artigos 14 e 34.

A proposta do governo está na direção certa, sobretudo na questão dos servidores, uma vez que ela aumenta a contribuição para a aposentadoria sobre altos salários.

A proposta também representa uma desoneração para a maioria dos trabalhadores da iniciativa privada, e também para servidores que ingressaram no governo a partir de 2013 ou que aderiram ao regime do Funpresp. No caso específico dos servidores que não estão no regime antigo de aposentadoria, haverá desoneração para quem ganha até R$ 4.500 por mês.

Apesar da desoneração acima, há grande resistência à contribuição progressiva por parte dos servidores das “carreiras de Estado”, isto é, os grupos de salários mais elevados que ainda estão no regime antigo de previdência. Neste caso vale apena ilustrar o impacto da proposta do governo com base em alguns números, como apresentado na tabela 2 abaixo.

Tabela 2: exemplo de aplicação das novas alíquotas de contribuição previdenciária sobre servidores federais no regime antigo de aposentadoria

Salário mensal em R$

Contribuição atual (11%) em R$

Nova contribuição em R$

Aumento da contribuição em R$

Alíquota efetiva da nova contribuição (em %)

Aumento da alíquota de contribuição (em %)

1000.00

110.00

75.03

-34.97

7.50

-3.50

2000.00

220.00

165.03

-54.97

8.25

-2.75

4500.00

495.00

495.03

0.03

11.00

0.00

10000.00

1100.00

1285.83

185.83

12.86

1.86

20000.00

2200.00

2935.83

735.83

14.68

3.68

40000.00

4400.00

6765.83

2365.83

16.91

5.91

100000.00

11000.00

19965.83

8965.83

19.97

8.97

Fonte: PEC 06-19, elaboração do autor.

Em palavras:

  1. Um servidor com salário mensal de R$ 1000 contribui com R$ 110 para o RPPS no sistema atual. No sistema proposto pelo governo a contribuição cairia para R$ 75,03.
  2. Já outro servidor, com salário mensal de R$ 4.500,00, continuaria a contribuir com 11% sobre seu salário, isto é, a proposta do governo é praticamente neutra neste caso (aumento de 3 centavos).
  3. Quem tem salário de R$ 10.000 no governo teria um aumento de contribuição de R$ 185,83 por mês, isto é, sua alíquota efetiva de contribuição subiria de 11% para 12,86%.
  4. Aqueles com salário de R$ 20.000 teriam sua alíquota efetiva elevada de 11% para 14,68%, isto é, mais R$ 735,83 de contribuição ao RPPS por mês.
  5. Quem ganha R$ 40.000 teria que contribuir com mais R$ 2.365,83 ao RPPS, ou seja, sua alíquota subiria de 11% para 16,91%.
  6. E os poucos que ganham um super-salário de R$ 100 mil reais do governo veriam sua alíquota efetiva de contribuição subir para aproximadamente 20%.

Os exemplos numéricos acima ajudam a entender a resistência de servidores de altos salários à proposta do governo, bem como por que o governo está certo e os servidores estão errados em tal questão. Para facilitar a exposição, dividirei os argumentos favoráveis à contribuição progressiva em apenas quatro pontos:

Em primeiro lugar, por definição a alíquota efetiva dos servidores nunca chega a 22% sobre o salário na proposta do governo. Mesmo com vencimentos de R$ 100 mil por mês, a alíquota efetiva sobe de 11% para 20%. Não cabe, portanto, falar de alíquotas confiscatórias sobre os altos salários dos servidores, sobretudo quando consideramos as condições extremamente favoráveis de aposentadoria para quem está no regime antigo.

Em segundo lugar, o atual teto de remuneração no governo federal é de aproximadamente R$ 39 mil reais. Para este valor específico de salário, a proposta do governo aumenta a contribuição para o RPPS de R$ 4.290,00 para R$ 6.545,83 por mês. A alíquota efetiva passa de 11% para 16,8%, ou seja, bem abaixo de um percentual confiscatório. Se ninguém ganhasse acima do teto, 16,8% seria a alíquota máxima de contribuição previdenciária no serviço público federal.

Em terceiro lugar, contribuição para a previdência não é imposto, mas sim salário diferido, pois o pagamento de hoje garante o direito à aposentadoria amanhã. No caso da previdência dos servidores não há que se falar, portanto, de percentual confiscatório e, novamente, no caso dos altos salários do governo, a permanência em um regime de aposentadoria integral e paridade com os salários líquidos da ativa justifica o aumento da contribuição.

Por fim, àqueles que ainda assim considerarem as novas alíquotas muito elevadas para os benefícios futuros, sempre é possível solicitar reabertura da adesão ao Funpresp. Nesse caso, ao migrar para o novo sistema público, a contribuição obrigatória máxima do servidor cairia apenas para R$ 682,55 (11.7% do teto de R$ 5.839,46), o valor acumulado das contribuições passadas seria transferido para uma conta individual no Funpresp (acessível somente na data de aposentadoria) e o servidor poderia optar por fazer ou não previdência complementar, no próprio Funpresp (com participação limitada do governo) ou em outro agente (sem participação do governo).

Em linhas gerais a proposta do governo sobre contribuições dos trabalhadores para a previdência está correta e deveria ser mantida. Minhas únicas sugestões neste tópico são pontuais: (1) as alíquotas propostas pela União podem não ser adequadas para os servidores em alguns estados e municípios, sobretudo naqueles que já elevaram o percentual de contribuição mínima para 14%; e (2) a mudança de percentual de contribuição dos servidores deveria ser acompanhada de reabertura do prazo de adesão ao Funpresp, de modo que os insatisfeitos com as novas alíquotas possam buscar a previdência complementar como alternativa.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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