Macroeconomia

Análise do impacto da recessão argentina sobre o crescimento brasileiro

14 fev 2020

Desde meados de 2018, a indústria brasileira enfrenta um ciclo de reversão da tendência positiva iniciada a partir do fim da última recessão. Além das notórias fragilidades estruturais, o setor também enfrentou uma série de choques conjunturais no período recente, como a greve dos caminhoneiros, o início de uma profunda recessão na Argentina, a elevada incerteza política originada pelas eleições presidenciais em 2018, guerra comercial entre EUA e China, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho e o enfraquecimento do crescimento global. O Gráfico 1 evidencia a intensa perda de dinamismo da atividade industrial nesse período.

                              Fonte: IBGE

Uma parcela importante da desaceleração da indústria brasileira pode ser creditada à crise argentina, afinal há uma integração importante entre as cadeias produtivas dos dois países no setor manufatureiro. A Tabela 1 mostra que, em 2019, cerca de 36% das exportações brasileiras para a Argentina foram compostas por insumos industriais, outros 21% por peças e equipamentos de transporte e apenas 20% por automóveis para passageiros. Destaca-se a redução da participação dos automóveis na pauta de exportações do Brasil para a Argentina (de 27% em 2017 para 20% em 2019) e do aumento da participação relativa dos insumos industriais[1]. O impacto da recessão em nosso vizinho vai muito além dos automóveis (bem final), como sugere o senso comum.

     Fonte: MDIC

Os dados da PIM-PF mostraram que foram justamente os bens intermediários, em especial os insumos industriais, os que mais contribuíram para a queda de 1,1% da indústria em 2019. A produção de bens intermediários caiu 2,2% no ano, resultado de contribuições negativas tanto da produção de insumos industriais básicos (que retraiu 18%), quanto dos elaborados (cuja queda foi de 0,9%). Cabe a ressalva de que os insumos industriais básicos incluem minérios de ferro beneficiados (classificados, concentrados, pelotizados, sinterizados, etc.), cuja produção foi amplamente afetada pelo choque da Vale.

De acordo com os dados do ICOMEX/FGV, o quantum exportado do Brasil para a Argentina caiu 32% em 2019, um impacto ainda maior do que o ocorrido em 2018, quando as exportações para o país caíram 16%, o que gera impacto direto sobre a produção nacional. O Gráfico 2 mostra a queda sincronizada da produção de manufaturados no Brasil e da quantidade exportada para a Argentina a partir de 2018.

             Fonte: ICOMEX/FGV e IBGE

Dada a relevância desse parceiro comercial, questiona-se quanto o Brasil poderia ter crescido na ausência do choque argentino. Nossa estimativa leva em conta tanto o impacto direto sobre a indústria de transformação (11% do VA da economia), quanto os impactos indiretos sobre comércio (13% do VA), transportes (4% do VA) e impostos (cerca de 60% dos impostos arrecadados são provenientes da indústria de transformação).

O primeiro passo do exercício envolveu estimar o impacto direto. Para isso rodamos a Regressão 1, onde o crescimento interanual da indústria de transformação é explicado pela evolução do quantum exportado do Brasil para a Argentina e pela taxa de câmbio real bilateral entre os dois países. O resíduo da Regressão 1, Et, representa a parcela do crescimento da indústria de transformação que não é explicada pelo comércio internacional com o país, isto é, uma medida de quanto nossa indústria de transformação teria crescido na ausência da influência argentina.

Para calcular o impacto previsto em 2020, projetamos o crescimento do quantum exportado para a Argentina com base em um cenário de queda de 4,5% da demanda interna argentina neste ano, o que resultou em uma expectativa de retração de 8,6% das exportações brasileiras para lá, como mostra o Gráfico 3.

Fonte: FGV/IBRE

Para o cálculo dos impactos indiretos sobre comércio, transportes e impostos, fizemos uso dos modelos oficiais de projeção de PIB da FGV/IBRE para cada um desses setores. Esses modelos possuem uma variável explicativa em comum: o crescimento da indústria de transformação. Sendo assim, o impacto nesses setores foi estimado a partir da diferença entre a projeção do modelo que utiliza a trajetória oficial da indústria e aquele que utiliza a trajetória da indústria ex-Argentina, tudo o mais constante.

A Tabela 2 exibe as estimativas atualizadas para cada um dos setores e para o PIB total. Os resultados do exercício sugerem que a recessão argentina tirou 0,2 p.p. do crescimento do PIB brasileiro em 2018, 0,55 p.p. em 2019 e tem potencial para tirar, pelo menos, 0,36 p.p. neste ano.

         Fonte: IBGE e FGV/IBRE

A mudança no regime para importações na Argentina, anunciada pelo governo no mês passado, pode proporcionar impactos ainda maiores do que o previsto sobre crescimento brasileiro deste ano. A nova regra aumenta o controle do Ministério do Desenvolvimento da Argentina sobre a entrada de mercadorias no país. Essa mudança garante a manutenção do SIMI (Sistema de Monitoramento Abrangente de Importação), criado em janeiro de 2018 para o gerenciamento e processamento de licenças de importação, e condiciona 279 novos produtos à licença não automática, cuja validade foi reduzida de 180 para 90 dias.

Dos 279 novos produtos que agora necessitam de autorização prévia para importação, 201 estiveram presentes na pauta de exportações do Brasil para a Argentina em 2019 e representam 34% de tudo que foi exportado daqui para lá no ano passado. Todavia, o critério que será utilizado pelo governo argentino no processo de análise dessas licenças não está claro. Portanto, a nova medida tem potencial para reduzir as exportações brasileiras em um percentual maior do que o previsto, a magnitude, contudo, é incerta.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Para se ter ideia, houve uma queda de 44% no valor exportado total do Brasil para a Argentina entre 2019 e 2017.

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