Política Monetária

Até onde irá a taxa Selic nessa retomada do ciclo de alta dos juros?

22 out 2024

Mantida a maneira atual de conduzir o quadro fiscal, é bem possível que o nível de juros exigido para levarmos a inflação para a meta seja um número difícil de ser sustentado, politicamente, como foram os 13,75% recentes.

Na seção sobre política monetária do Boletim Macro de setembro último, argumentamos que o Banco Central fez o que precisava ser feito, ou seja, retomar o ciclo de alta da taxa de juros. Ao final do texto ressaltamos, porém, que parecia pouco provável que a Selic seria elevada “até o patamar rigorosamente necessário ao cumprimento do objetivo básico da política monetária”.

Tal advertência tem a ver com o fato de, entre nós, ser grande a dificuldade de se estimar, com alguma precisão, a taxa de juros capaz de levar a inflação para a meta, dentro do horizonte relevante para a política monetária. Tal dificuldade decorre do fato de que, no Brasil de hoje, tornou-se especialmente complexa a tarefa de prever o comportamento futuro da política fiscal, variável importante em qualquer exercício de projeção. Na prática, atualmente, os três Poderes da República interferem na condução dessa política, ou seja, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Legislativo e o Executivo.

Dos integrantes desse conjunto de Poderes, exceto no que diz respeito à área econômica do governo e ao Banco Central, não se ouvem vozes efetivamente preocupadas com a tendência altista do endividamento público. Tais circunstâncias ajudam a explicar o viés expansionista da política fiscal, importante fator por trás da presente fase de aquecimento da economia e, consequentemente, das atuais pressões inflacionárias.    

Os modelos de previsão adotados pelo BC no âmbito do regime de metas permitem estimar a taxa Selic capaz de levar a inflação para o objetivo oficial. Mas exercícios estatísticos desse tipo não produzem resultados precisos. A imprecisão adquire dimensão ainda maior quando o chamado balanço de riscos se mostra assimétrico, como agora, no sentido altista para a inflação. Nesse caso, os números projetados subestimam o crescimento futuro dos preços, mas fica-se sem saber a magnitude do desvio.    

Além disso, qualquer que seja a estimativa de taxa Selic compatível com o cumprimento da meta de inflação, é certo que, nas presentes circunstâncias, será um número bem elevado. Na verdade, não faz muito tempo, passamos por situação semelhante. Referimo-nos aos 13,75% postos em prática em agosto de 2022. O BC manteve esse patamar de juros nas sete reuniões seguintes do Copom, e começou a reduzi-lo sem que tivéssemos sinais concretos de que o ritmo de crescimento dos preços caminhava para a meta.

Escrevendo sobre o assunto na edição de outubro de 2023 deste Boletim Macro, argumentamos que “o ciclo de queda da taxa básica de juros foi iniciado sem que as condições para isso estivessem inequivocamente preenchidas”. A tabela ... ilustra a nossa argumentação. Nela reunimos as expectativas e as projeções de inflação contidas nos comunicados emitidos pelo BC num período que abrangeu oito reuniões consecutivas do Copom, desde a que antecedeu (21/06/23) o início do ciclo de baixa de juros até a que definiu o último corte de juros promovido naquele ciclo (08/05/24). Na coluna de projeções aparecem as estimativas oficiais de inflação para os anos calendários relevantes em cada um dos encontros regulares do Copom realizados no referido período. Na coluna da direita, apresentamos as médias ponderadas das projeções para os anos calendários, como era praxe antes da introdução do sistema de meta contínua. Tais números devem ser entendidos como representativos das projeções oficiais para o horizonte relevante de política.     

Tabela – Projeções oficiais de inflação de junho/2023 a maio/2024

Data

Expectativas de Inflação

Projeções de Inflação

Projeções Ponderadas

 

2023

2024

2025

2023

2024

2025

 

21/06/2023

5,1

4,0

-

5,0

3,4

-

3,40

02/08/2023

4,8

3,9

3,5

4,9

3,4

3

3,30

20/09/2023

4,9

3,9

3,5

5,0

3,5

3,1

3,40

01/11/2023

4,6

3,9

3,5

4,7

3,6

3,2

3,40

13/12/2023

4,5

3,9

3,5

4,6

3,5

3,2

3,35

31/01/2024

-

3,8

3,5

-

3,5

3,2

3,28

20/03/2024

-

3,8

3,5

-

3,5

3,2

3,28

08/05/2024

-

3,7

3,6

-

3,8

3,3

3,30

Fontes: BCB. Últimos dados: maio/2024

Como é possível notar, tanto as expectativas quanto as projeções estiveram acima da meta, durante todo o período. Não surpreende que o ciclo de baixa tenha durado tão pouco.

Diferentemente do que aconteceu por ocasião do referido ciclo de queda, parece claro que a decisão de retomar a tendência de alta dos juros foi tomada rigorosamente dentro dos preceitos básicos do regime de inflation targeting. Economia aquecida, expectativas desancoradas, projeções acima da meta, balanço assimétrico de riscos, especialmente em razão de muita dúvida acerca do futuro da política fiscal, são fatores indicativos da necessidade de “uma política monetária mais contracionista”, como anunciado logo após a reunião do Copom de setembro.

A questão básica, agora, é saber até que ponto levar a taxa Selic. Parece razoável prever dois ou três aumentos adicionais de juros nos próximos encontros do Copom, possivelmente de 50 pontos, pelo menos nos dois primeiros. Daí por diante, a dúvida cresce. Um elemento novo, que contribui bastante para esse estado de coisas, é o fato de estarmos agora marchando na contramão, uma vez que praticamente no mundo todo a tendência dos juros é de queda.

A conclusão parece imediata. Chegamos a uma situação em que a política fiscal dá sinais de estar muito perto de constituir um obstáculo intransponível para o objetivo de termos uma inflação baixa e estável. Mantida a maneira atual de conduzir o quadro fiscal, é bem possível que o nível de juros exigido para levarmos a inflação para a meta seja um número difícil de ser sustentado, politicamente, como foram os 13,75% recentes. Nesse caso, colheríamos inflação superior à desejável, juros reais ainda muito altos e desaceleração do crescimento econômico.


Esta é a seção de Política Monetária do Boletim Macro FGV IBRE de outubro de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Eli Moreno
Perspectivas sombrias. O hiato do produto parece crescer, mesmo com alguma melhoria recente taxa de investimento. A taxa (cerca de 17,0% do PIB) não é capaz de sustentar um crescimento suficiente dos setores produtivos para reduzir o hiato e colocar a economia em condições de estabilidade. Por outro lado, vemos três fatores que remam contra: Primeiro, uma política industrial para poucos e com benesses do Estado, enquanto os investimentos de estrangeiros (essencial para o desenvolvimento) é pífio e parece encolher face a esterilização dos recursos disponíveis nas maiores economias em razão da dívida pública global em alta (deve chegar a 93% do PIB ainda em 2024). Esse fenômeno já acontece no Brasil, com os poucos investimentos em ações e fundos de investimentos migrando para títulos da dívida. Segundo, a política de proteção à indústria deve manter o país entre as economias mais fechadas, o que reduz as chances de elevar a produtividade, essencial para reduzir o hiato de produto. Terceiro, o crescimento do crédito com recursos direcionados, que operam com taxa subsidiada (9,3%) e aquém da taxa Selic, o que reduz os efeitos desejados pela política monetária. Na mesma direção, os subsídios ao consumo, em especial pelas transferências sociais. Tudo fazendo um ambiente de poucas chances de crescimentos sustentável e criando expectativas inflacionárias nos agentes econômicos.
Gilberto Duarte...
José Júlio, os tempos mudam mas a realidade se impõe. grande abraço, Gilberto

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.