Macroeconomia

Aumento da concentração eleva o spread bancário

4 nov 2019

Esta semana o Banco Central deu continuidade à redução da Selic, que deve prosseguir com pelo menos mais uma queda este ano. Com a inflação baixa e as projeções ancoradas nas metas para os próximos anos, a perspectiva é de que a taxa básica de juros permaneça em um patamar baixo por um período longo.

No entanto, embora as taxas de juros de mercado tenham diminuído com a redução da taxa básica de juros, elas continuam muito elevadas. Mesmo as taxas de modalidades com garantias mais sólidas, como o crédito consignado, são bastante superiores à Selic. Isso é de certa forma surpreendente, diante do fato de que o Banco Central tem atuado nos últimos anos para reduzir o spread bancário com a agenda BC+ (atual BC#).

Segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, o principal componente do spread bancário é a inadimplência (37%), seguido dos custos administrativos (27%) e tributos (21%). A margem financeira, que reflete o grau de poder de mercado, corresponde a 15%.

Nesse sentido, uma possível explicação para a queda dos spreads não ter sido mais expressiva seria o fato de que entraves importantes para a redução do spread, como a dificuldade de retomada das garantias, continuam presentes. Portanto, é necessário criar mecanismos para o fortalecimento das garantias para que o spread possa cair mais fortemente.

Nos últimos anos, ocorreram avanços nessa área, como a aprovação da Lei da Duplicata Eletrônica, que tornou mais transparente o registro deste instrumento de crédito, assim como o avanço na criação de um mercado centralizado de recebíveis de cartões de crédito com registro eletrônico.

Embora a melhoria das garantias seja de fato importante para a redução do spread, um resultado da decomposição do spread pelo BC que sempre gerou grande debate foi o peso relativamente pequeno da margem financeira, o que parece sugerir que não existe um problema de baixa competição no mercado de crédito.

Embora isso pareça difícil de reconciliar com a elevada concentração bancária no país, algumas evidências e argumentos têm sido usados para racionalizar esse resultado. Por exemplo, alguns países, como Canadá e Holanda, têm elevada concentração bancária e baixo spread.

A razão é que uma alta concentração não necessariamente equivale a uma baixa competição. Sob o ponto de vista teórico, é possível ter poucos bancos no mercado e alta competição, resultando em grande oferta de crédito e taxas de juros reduzidas.

Além disso, uma maior concentração pode resultar em ganhos de eficiência, o que contribui para a redução da taxa de juros, podendo inclusive compensar eventuais efeitos negativos de uma menor competição.

Nesse sentido, um estudo recente divulgado pelo Banco Central (“Concorrência bancária e custo do crédito”), baseado em artigo acadêmico de Gustavo Joaquim e Bernardus van Doornik, oferece uma importante contribuição para a compreensão do impacto da concentração no spread bancário no Brasil.

A grande dificuldade para a estimação do efeito da concentração é que, da mesma forma que a concentração pode afetar o spread, um spread mais alto pode estimular a entrada de novos bancos no mercado e, dessa forma, afetar o grau de concentração.

A solução engenhosa encontrada pelos autores para identificar o impacto causal da concentração no spread foi utilizar informações sobre fusões de bancos no nível nacional para analisar o impacto da concentração no nível municipal. A ideia é que, se a concentração no município aumentou por causa de uma fusão nacional, ela não é afetada pelas condições locais. Portanto, ela pode ser considerada exógena, e sua relação com o spread pode ser usada para estimar o efeito causal da concentração.

Os autores utilizam dados de operações de crédito para empresas nos municípios brasileiros no período 2005-2015. Os resultados mostram que uma redução de quatro para três bancos no mercado local, o que corresponde ao aumento médio de concentração na amostra, aumenta os spreads em 16% e reduz a quantidade de crédito em 17%.

Outro resultado interessante é que, quanto maior a concentração inicial no mercado local, maior a elevação do spread. Quando existe pouca concentração no mercado de crédito local, a redução no número de bancos tem pouco efeito no spread.

O estudo também estima que, se os spreads brasileiros caíssem para a média mundial, o volume de crédito aumentaria em 40%, gerando um aumento da produção de 5%.

É importante observar que esses resultados incorporam tanto a redução da competição decorrente de uma maior concentração, como possíveis ganhos de eficiência. Ou seja, o que os resultados mostram é que, dado o nível atual de concentração do mercado bancário brasileiro, os efeitos negativos da concentração sobre o spread decorrentes de uma menor competição são maiores que os efeitos positivos que resultam de ganhos de eficiência.

Em resumo, o estudo mostra que a elevada concentração do mercado de crédito é um determinante muito importante dos altos spreads no Brasil. Embora a agenda de fortalecimento das garantias seja de grande relevância, é fundamental que sejam reduzidas as barreiras à entrada de novos competidores. Medidas como a criação do cadastro positivo e o open banking podem ter papel de grande relevância nesse sentido.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Fernando Veloso é pesquisador do IBRE/FGV e escreve quinzenalmente, às sextas-feiras, para o Broadcast

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