Cenários

Avanços e retrocessos no ambiente de negócios

5 fev 2024

Como tem sido o padrão nas últimas décadas, os avanços na direção de melhoria do ambiente de negócios tendem a acontecer em meio a retrocessos. Não surpreende, portanto, que o efeito final sobre a produtividade seja modesto.

Na última coluna comentei um survey da literatura sobre reformas e crescimento da produtividade no Brasil (“Productivity and Growth in Brazil”) que divulguei recentemente no Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE (disponível em aqui).

Um ponto central é que o Brasil tem um ambiente de negócios que desestimula a competição e induz a má alocação dos recursos produtivos. Em consequência, empresas produtivas crescem pouco e empresas ineficientes permanecem no mercado. Isso faz com que o Brasil tenha uma proporção elevada de empresas com produtividade muito baixa, mesmo em comparação com outras economias emergentes, como México e Chile.

Embora as pesquisas mostrem que várias reformas implementadas desde a década de 1990 tiveram efeitos positivos sobre a produtividade e outras medidas de desempenho econômico, esses ganhos foram diminuídos pelo impacto negativo de várias distorções que permaneceram ou foram criadas, como subsídios creditícios, isenções tributárias para setores específicos e políticas de conteúdo local.

À luz dessas evidências, ocorreram avanços importantes na melhoria do ambiente de negócios nas áreas de crédito e tributação em 2023. Começando pelo crédito, os estudos mostram que a falta de garantias adequadas é um dos principais fatores que explicam nosso elevado spread bancário. Várias reformas do mercado de crédito nos anos 2000, como alienação fiduciária, crédito consignado e Lei de Falências, aprimoraram o uso de colateral, o que reduziu as taxas de juros para indivíduos e empresas.

A aprovação do novo marco de garantias no ano passado representou um passo positivo nessa direção, ao elevar a segurança jurídica das garantias e facilitar uma retomada mais célere do colateral em caso de inadimplência.

O sistema tributário atual é outra grande fonte de distorções alocativas, na medida em que várias decisões empresariais são motivadas pelo objetivo de pagar menos impostos em vez de obter ganhos de produtividade. Em particular, o modelo atual de tributação na origem contribui para uma má alocação geográfica dos recursos através da chamada guerra fiscal. Além disso, a cumulatividade dos impostos induz empresas a produzirem bens ou serviços que poderiam ser produzidos de forma mais eficiente por outras empresas e adquiridos como insumos intermediários no mercado.

Nesse sentido, a criação de um IVA dual com tributação no destino efetivada pela reforma tributária aprovada no final do ano passado foi um grande avanço. Além disso, a desoneração dos investimentos e exportações deve contribuir para o aumento da produtividade e maior inserção internacional das empresas.

No entanto, a nova política industrial (Nova Indústria Brasil, NIB) anunciada semana passada representa um retrocesso em várias dimensões. Em primeiro lugar, o foco na indústria é equivocado. Em comparação com países desenvolvidos, nossa produtividade é baixa na grande maioria dos setores, o que faz como que seja necessário aumentar a produtividade de forma generalizada, e especialmente no setor de serviços, que concentra cerca de 70% da mão de obra.

Segundo, vários estudos mostram que a abertura comercial da década de 1990 elevou de forma significativa a produtividade da indústria de transformação. Além disso, existem evidências de que a importação de máquinas e equipamentos foi um mecanismo importante de absorção de tecnologia. A NIB, por sua vez, vai na direção contrária, ao enfatizar o conteúdo local e a inovação nacional em detrimento da absorção de inovações da fronteira tecnológica.

Programas semelhantes não tiveram bons resultados no passado. Por exemplo, avaliações mostram que a Lei de Informática não foi efetiva no sentido de estimular a inovação e ganhos de produtividade. Por essa razão, as empresas beneficiárias não tem sido capazes de produzir bens e serviços de tecnologia da informação competitivos internacionalmente.

Embora alguns estudos encontrem evidências de um impacto positivo da Lei do Bem sobre a inovação, este foi significativamente inferior ao que seria de se esperar com base nos incentivos concedidos. Além disso, parte dos recursos públicos substituiu despesas privadas, reduzindo seu efeito sobre os investimentos agregados em inovação.

Um terceiro aspecto negativo da NIB é que seus incentivos creditícios, tributários e requisitos de conteúdo local tendem a reforçar a má alocação de recursos que são uma causa fundamental de nossa baixa produtividade, ao permitir que empresas ineficientes permaneçam no mercado.

Além desses problemas, chama atenção a ausência de um arcabouço baseado em metas claras, monitoramento e avaliação de impacto. Também não existe uma governança que impeça a captura por grupos de interesse. Isso tende a fazer com que políticas ineficazes continuem a ser adotadas indefinidamente, com implicações negativas sobre a produtividade.

Como tem sido o padrão nas últimas décadas, os avanços na direção de uma melhoria do ambiente de negócios tendem a acontecer em meio a retrocessos. Não surpreende, portanto, que o efeito final sobre a produtividade seja modesto.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 02/02/2024.

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