Bem-vindos ao IVAR, novo índice de preços de aluguel do FGV IBRE
Novo índice leva em conta valores contratuais de aluguel residencial, superando grande dificuldade de mensurar inflação desse segmento. IVAR pode ser importante não só para mercado de aluguel residencial, mas para aprimorar a mensuração de variáveis macroeconômicas e fiscais.
O FGV IBRE está lançando o IVAR, índice de variação de aluguéis residenciais, que se espera seja uma importante adição ao conjunto de índice de preços produzidos por nossa instituição. A evolução dos preços de aluguéis é uma variável econômica de enorme relevância, e cuja aferição não é nada trivial. A dificuldade em estimar adequadamente a inflação dos aluguéis é um tradicional problema que afeta as negociações de milhões de contratos e também a análise macroeconômica em diversos aspectos, incluindo até o fiscal, como se verá adiante nesta Carta. Dessa forma, o FGV IBRE espera que o IVAR possa também ser útil para os policymakers brasileiros.
A coleção de índices de preço do FGV IBRE, à qual se soma agora o IVAR, tem como objetivo atender às demandas da sociedade brasileira em termos da correta e detalhada mensuração e compreensão da inflação e da variação de preços em geral, em inúmeros setores e aspectos. São indicadores com metodologias tecnicamente bem fundamentadas, abertas e transparentes, para que os usuários conheçam não apenas os resultados, mas também os processos e as dinâmicas nas quais os preços se movimentam.
O FGV IBRE entende e saúda o fato de que não detém a exclusividade desse importante trabalho, sendo parte de um grupo de respeitadas instituições, como o IBGE, o organismo oficial de estatísticas públicas do governo federal, e a Fipe, que se dedicam ao cálculo da evolução dos preços na economia brasileira. O ambiente de colaboração e saudável competição entre essas instituições explica por que o Brasil é um país emergente que se destaca pela abrangência e qualidade dos seus índices de inflação.
Da mesma forma, ao lançar um produto como o IVAR, a intenção do FGV IBRE não é a de torná-lo necessariamente o indexador dos contratos de aluguéis residenciais no Brasil, mas sim a de colaborar com a sociedade brasileira ao disponibilizá-lo para que seja utilizado quando e nas circunstâncias que os agentes econômicos julgarem apropriadas. Acreditamos que o IVAR tem potencial de se tornar um importante índice para os contratos de aluguel, mas é a própria sociedade que deve decidir se isso ocorrerá, e sob que condições. Nosso compromisso, como de hábito, é com a excelência técnica e a total transparência da metodologia do novo indicador, dos seus componentes e dos respectivos pesos.
Como se sabe, a grande dificuldade em se mensurar a inflação dos aluguéis é que os valores anunciados nas ofertas de imóveis para locação usualmente não retratam os preços efetivamente praticados. No caso do IVAR, porém, os preços são captados diretamente de contratos de aluguel. Como explica o pesquisador do FGV IBRE Paulo Pichetti, que liderou os esforços para a criação do IVAR: “não se trata de mais um índice baseado na oferta de preços de aluguel, mas sim efetivamente de um índice dos preços praticados no mercado em contratos de aluguel”.
Como usuária dos índices de preço do FGV IBRE, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, chama a atenção para o fato de que a correta medição da evolução dos preços dos aluguéis, quando o IVAR calculado retroativamente é inserido nos índices de preços ao consumidor, indica que a inflação total efetiva nos últimos anos não foi exatamente a registrada nos índices oficiais – e as diferenças são significativas em alguns casos, como indicam os cálculos do pesquisador André Braz, do FGV IBRE, especialista em inflação.
Em 2019, indica Braz, o IPCA, caso computasse o IVAR como a inflação dos aluguéis, teria fechado o ano em 3,9%. No caso, 0,4 ponto percentual (pp) abaixo do resultado oficial de 4,3%. Já o INPC teria ficado em 4%, 0,5pp abaixo do resultado oficial de 4,5%. Em 2020, o IVAR praticamente não alteraria o resultado, e tanto o IPCA quanto o INPC repetiriam o resultado oficial de, respectivamente, 4,5% e 5,5%. Já em 2021, Braz estima que o IPCA e o INPC, com a inclusão do IVAR, ficarão ambos 0,2pp abaixo do resultado oficial, que ainda não havia sido divulgado quando esta Carta foi redigida.
Picchetti frisa que o fato de que a inclusão do IVAR no cálculo do IPCA tenha de forma geral mostrado que o índice oficial de inflação superestimou a alta de preços de 2019 a 2021 não significa que uma aferição mais correta da inflação dos aluguéis sempre provocará efeitos nessa mesma direção. É perfeitamente possível que em outras conjunturas o IPCA, ao ser comparado como sua versão em que o IVAR é incluído, subestime a inflação. Não há nada no cálculo do IVAR e na metodologia atual de se computar os aluguéis no IPCA que determine que um resultado será sempre superior ou inferior ao outro.
De qualquer forma, essas diferenças entre a inflação oficial e aquela calculada com a inclusão do IVAR, mais próxima da realidade por computar de forma mais veraz a variação do preço dos aluguéis, são obviamente relevantes para a política monetária e para as transações do mercado financeiro, pois impactam os juros e outras variáveis em termos reais. Outro aspecto macroeconômico relevante, contudo, que será destacado nesta Carta, é a política fiscal. A razão é que o IPCA corrige o teto constitucional dos gastos públicos e o INPC, via reajuste do salário mínimo, indexa ou é parâmetro para diversos benefícios sociais e previdenciários.
Bernardo Motta e Juliana Damasceno, pesquisadores da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE, revisaram indicadores fiscais a partir da correção mencionada dos índices de inflação pela inclusão do IVAR.[1] Eles explicam que, a partir da aprovação do teto de gastos em 2016, a execução orçamentária passou a ter sua dinâmica majoritariamente ditada pela inflação. De acordo com o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior, a correção do teto fixou apenas uma correção monetária ao conjunto de despesas primárias, com poucas exceções. Entre elas, estão as transferências constitucionais e do Fundeb, além dos créditos extraordinários abertos em virtude de despesas imprevisíveis e urgentes.
Assim, com a introdução do IVAR e as mudanças que o novo índice teria causado nos índices de preços, cabe reconsiderar o quanto teria sido o teto de gastos e as respectivas despesas primárias. A diferença entre o teto e os gastos primários como um todo, é bom lembrar, reside justamente nas despesas excetuadas do teto, principalmente em anos de uso expressivo dos créditos extraordinários, como em 2020, diante do enfrentamento aos efeitos da pandemia do Covid-19.
Para o recálculo das despesas, a partir do IVAR, a metodologia requer que o ponto de partida seja o limite estabelecido pelo teto. Após aplicar o IPCA considerando os números apurados no IVAR acumulado até junho para o teto de 2020 (cuja base é 2019) e 2021 (cuja base é 2020), é preciso ainda considerar a proporção dessas despesas em relação ao histórico de gastos com pagamento efetivo. A razão para isso é lidar com a diferença causada pelas exceções ao teto, como mencionado anteriormente. Cabe esclarecer que pagamento efetivo é o critério adotado pelo Tesouro Nacional para computar o resultado primário do Governo Central, considerando os valores com saque efetuado na Conta Única. A partir dessa correção, é possível obter, então, o novo volume de despesas primárias para 2020 e 2021, respeitando os demais parâmetros de execução do orçamento.
A fim de se chegar ao impacto primário líquido, é preciso recalcular também a receita líquida do governo, já que mudanças nos índices de inflação acabam por impactar preços de bens e serviços, salários, faturamento das empresas e demais itens que compõem a base de arrecadação federal. Nesse sentido, para incoporar o impacto do IVAR, a metodologia parte do cálculo da variação real e nominal da receita líquida de 2019 a 2021, a partir dos valores correntes e constantes (calculados considerando o IPCA oficial) disponibilizados no Boletim do Resultado do Tesouro Nacional.[2]
Essa decomposição, por sua vez, permite obter o componente inflacionário implícito do crescimento nominal da receita líquida naqueles anos. O exercício seguinte consiste em reajustar a parcela inflacionária com o IPCA corrigido pelo IVAR, acumulando-a com a variação real obtida ateriormente. Dessa composição resulta a nova variação nominal da receita. Por fim, obtém-se a receita líquida corrigida de 2019 a 2021 pelo encadeamento das novas taxas de variação nominal da receita líquida, a partir da receita líquida efetiva de 2018.
Com esses procedimentos, a receita líquida de 2019, 2020 e 2021 cai, respectivamente, R$ 5,187 bilhões (-0,39%), R$ 4,637 bilhões (-0,39%) e R$ 8,813 bilhões (-0,57%). Todos os números referentes a 2021 já mencionados são projeções, pois os dados do ano fechado de 2021 ainda não haviam sido disponibilizados quando esta Carta foi produzida.
Em relação à despesa, é relevante notar que o teto era reajustado, até 2021, pelo IPCA acumulado entre julho de dois anos antes e junho do ano anterior à sua validade (do teto reajustado). Como o recálculo do IPCA levando em consideração o IVAR recuou até 2018, só foi possível reestimar o teto de 2020 (corrigido pelo IPCA de julho/2018 a junho/2019) e o de 2021, corrigido pelo IPCA de julho/2019 a junho/2020. No caso da correção do teto de 2020, a inclusão do IVAR fez com que a inflação de julho/18-junho/19 caísse em 0,1pp, para 3,3%. Já no teto de 2021, o IPCA de julho/19-junho/20, com a inclusão do IVAR, recua 0,35pp, para 1,75%.
Assim, a despesa total cai R$ 1,884 bilhão (-0,1%) e R$ 5,691 bilhões (-0,34%) em 2020 e 2021, respectivamente.
Em valores, tem-se uma receita líquida ajustada pelo IVAR de R$ 1,342 trilhão, R$ 1,199 trilhão e R$ 1,536 trilhão em, respectivamente, 2019, 2020 e 2021. Já a despesa total ajustada é de R$ 1,945 trilhão e R$ 1,655 trilhão em 2020 e 2021, respectivamente.
Os impactos no resultado primário são – em 2019, só pelo lado da receita, pelas razões explicadas acima – de quedas de R$ 5,2 bilhões (-0,07pp de PIB), R$ 2,8 bilhões (-0,04pp) e R$ 3,1 bilhões (-0,04pp) em 2019, 2020 e 2021, respectivamente.
Como se vê, o IVAR, além do seu potencial de aprimorar o mercado de aluguéis no Brasil, tem impacto relevante em diversas dimensões da política econômica e do funcionamento dos mercados. É com grande satisfação, portanto, que o FGV IBRE coloca à disposição da sociedade brasileira o seu novo índice de variação dos preços do aluguel.
Esta é a Carta do Ibre de janeiro/2022, publicada pela Conjuntura Econômica.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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