Reformas

Brasil no longo prazo

12 mai 2022

De 1980 a 2021, o produto per capita brasileiro cresceu ao ritmo medíocre de 0,7% ao ano, ante 3,9% de 1918 a 1980. Quando resolvemos os problemas com nossas contas externas e estabilizamos a economia após o plano Real, não conseguimos encontrar um lugar na economia global.

A figura apresenta a evolução do produto per capita da economia brasileira desde 1900 em R$ de 2010. Os dados do produto e da população foram obtidos na base de dados do IpeaData. O gráfico foi construído em escala logarítmica na base 2. A escala logarítmica transforma séries que crescem a uma taxa constante em reta.

Rápida inspeção no gráfico mostra que há duas quebras estruturais. Uma logo após a 1º guerra mundial, em 1918, e outra em 1980. De fato, artigo de Thomas Kang no Blog do Ibre[1] documenta estatisticamente que houve quebra estrutural na série nessas duas datas. Entre 1918 e 1980 o produto per capita cresceu à taxa de 3,9% ao ano; entre 1980 e 2021 crescemos medíocre 0,7% ao ano.

O que gerou o bom desempenho de nossa economia nos 62 anos entre 1918 e 1980? Há claros determinantes domésticos: nesse período houve o processo de transição demográfica com urbanização e industrialização. Mas há um fato externo. A 1º guerra marca o fim da primeira grande globalização, período conhecido por pax britannica. Aquela que se iniciou com o fim das guerras napoleônicas, na década de 1820, adquiriu vigor com o fim das leis dos grãos, na Inglaterra da década de 1840, e muito mais vigor com a invenção do navio de casco de metal e a vapor e o telégrafo. Nesse período, houve grande expansão do comércio mundial com elevada mobilidade do capital. Capitais, principalmente ingleses, viajavam para inúmeras periferias para financiar investimento, em particular em ferrovias.

A primeira guerra mundial foi seguida por longo período de fechamento da economia global. Tivemos uma grande depressão, a segunda guerra, e, em seguida, lenta recuperação do comércio. Foi somente em 1972 que o comércio voltou aos níveis de 1913. Ou seja, “levou seis décadas para que a consequência da primeira guerra mundial fosse revertida”.[2]

Há, no entanto, algumas diferenças entre a atual globalização e a anterior. Krugman, escrevendo em 1995, apontava que quatro eram as diferenças entre a primeira globalização e a atual: “a ascensão do intracomércio, comércio de bens similares entre países similares; a capacidade de os produtores fatiarem a cadeia de valor, quebrando o processo produtivo em várias etapas geograficamente separadas; a resultante emergência dos supercomerciadores, países com razões entre comércio e PIB extremamente altas; e, a novidade que provoca mais ansiedade, a emergência de grandes exportações de bens manufaturados de países de baixo salário para os de alto salário”.[3]

Fica claro que a grande novidade foi a quebra da produção em diferentes pedaços ou etapas e a execução de cada etapa em um local distinto. Os outros três efeitos elencados por Paul Krugman são consequências desse fato.

O comércio de bens em processo produz redução da exportação de valor adicionado em relação ao faturamento das exportações. O valor adicionado da exportação desconta todos os insumos importados contidos no produto exportado.

A partir de análise cuidadosa da matriz de insumo e produto dos países, Robert Johnson e Guillermo Noguera produziram uma série do valor adicionado das exportações totais como proporção do valor bruto das exportações. Entre 1970 e 1995, a exportação de VA reduz-se de 87% das exportações totais para pouco menos de 85%. De 1995 até 2008 cai mais 8 pontos percentuais, atingindo pouco mais de 75%. Uma queda pouco acima de 10 pontos percentuais (pp). O processo ganhou velocidade desde meados dos anos 1990. Quando nos concentramos somente nas exportações de bens manufaturados, a queda da exportação de VA como proporção das exportações brutas foi de aproximadamente 20 pp.[4]

Voltando ao início da coluna, a quebra estrutural em 1980 deve estar associada a diversos fatores. Certamente o estopim foi a crise da dívida externa e as dificuldades externas que dela seguiram por mais de uma década.

Também é parte da explicação de nossa desaceleração a demanda, que surgiu com a redemocratização, de focar o gasto público nas políticas sociais, revertendo o grande atraso do período anterior. De fato, a partir de base de dados recente, o Observatório de Política Fiscal do Ibre acaba de divulgar uma série histórica do investimento público desde 1947 em que documenta a forte queda que houve desde 1980. Mas parte dos problemas devem ter origem na nossa dificuldade em nos integrar com o mundo no período mais recente.

Quando resolvemos os problemas com nossas contas externas e estabilizamos a economia após o plano Real, não conseguimos encontrar um lugar na economia global.

A retomada da globalização após a segunda guerra mundial ocorreu em um primeiro momento com um mundo ainda relativamente fechado. Em particular, as empresas multinacionais investiam em economias emergentes com o objetivo de produzir para o mercado interno. Nosso modelo de crescimento fechado funcionou relativamente bem. A partir de meados dos anos 1990, o processo de globalização se acelerou. Cada vez mais os diversos ramos da indústria optaram por se integrar a alguma cadeia global de valor. Não conseguimos fazer esse movimento. Nos entrincheiramos com altas barreiras tarifárias e não tarifárias na produção doméstica para o mercado doméstico. Não tem funcionado.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de maio de 2002.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[2] Ver de Ronald Findlay e Kevin H. O’Rourke Power and Plenty, Trade, War, and the World Economy in the Second Millennium, Princeton U.P., 2007, capítulo 9, página 506 (tradução minha).

[3] Paul Krugman, “Growing World Trade: Causes and Consequences”, The Brookings Papers on Economic Activity, 1, 1995, página 332.

[4] Ver de Robert Johnson e Guillermo Noguera “A Portrait fo Trade in Vallued-Added Over Four Decades”, Review of Economics and Statistics, dezembro de 2017 (896-911). Ver figura à página 899.

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