Cadê a demanda?
Banco Mundial indica que Brasil tem condição de trilhar crescimento de baixo carbono. Mas Plano Decenal de Energia não prevê expandir eletricidade (de fontes predominantemente renováveis) para usos em transporte e indústrias.
Semana passada, o Banco Mundial lançou em evento em Brasília o Country Climate and Development Report (CCDR) relativo ao Brasil. O relatório busca explorar políticas e opções que permitam conciliar o atendimento aos objetivos climáticos pactuados pelo Estado brasileiro com o desenvolvimento econômico. A mensagem final é clara: o País tem plenas condições de trilhar o caminho da prosperidade ao adotar uma estratégia de crescimento de baixo carbono e resiliente ao clima. Vale entender se estamos nessa trajetória.
O Brasil tem uma participação no volume global de gases de efeito estufa (GHG, da sigla em inglês) muito próxima a seu tamanho. Estamos entre as dez maiores economias do mundo e entre os dez maiores emissores de GHG (dados de 2021 nos colocam na quinta posição mundial). Mas o perfil das emissões é diferente: eletricidade e calor respondem por 12,9% das emissões de GHG, comparado a uma média mundial de cerca de 40%. Em transportes, por outro lado, estamos mais alinhados à média mundial.
O setor de energia tem menor responsabilidade relativa nas emissões de GHG, mas isso não o isenta de responsabilidade. O país precisa avançar em sua trajetória de descarbonização – o que não é tranquilo, considerando a pressão do compromisso de implantar 8 GW de usinas termoelétricas a gás (UTEs) a gás. Precisa também ajudar outros setores a evoluírem nesse processo. Se a produção de eletricidade é predominantemente renovável, e o potencial dessas fontes ainda excede em muito a evolução esperada da demanda, eletrificar outros usos ajuda na descarbonização. Transporte e indústrias hard-to-abate (nas quais é difícil reduzir as emissões) – como aço, cimento e petroquímica – são candidatos naturais.
No caso dos transportes, o relatório WB/CCDR argumenta que seria possível aumentar resiliência e impulsionar produtividade perseguindo medidas como: mudança de modal (hoje muito concentrado em rodoviário), incentivo ao transporte de massa e à eletromobilidade. Mas o que se vê no Plano Decenal de Energia (PDE) da Empresa de Pesquisa Energética horizonte 2032 é diferente, ou melhor, igual ao que temos hoje. De acordo com os estudos do Plano, o modal rodoviário continua predominando; apesar de um aumento da participação do transporte coletivo no incremento da demanda no período de 10 anos, é grande a expansão do deslocamento rodoviário individual; e o óleo diesel permanece como combustível mais importante, diante de uma eletrificação dos transportes muito limitada.
É até louvável que o PDE reflita esse quadro com honestidade. Porém esses resultados evidenciam que a mudança que queremos não está lá. E os sinais de curto prazo reforçam esse descompasso, com o anúncio de medidas de incentivo ao carro popular e mudanças na política de preços da Petrobras.
A exemplo do caso dos transportes, a eletrificação de outros usos não está prevista no PDE 2032 — o aumento da capacidade instalada de geração de eletricidade é modesto comparado ao que seriam cenários de descarbonização profunda do CCDR. As trajetórias da EPE traçadas no PNE 2050 e no PDE 2032 mesmo no cenário agressivo (ou superior) não apontam aumento expressivo da demanda por eletricidade.
Mais ainda: os altos preços de energia no Brasil são um entrave à descarbonização. A tarifa de eletricidade é cara: encargos e outros desejos de política pendurados na conta fazem com que consumidores paguem preços maiores do que custa produzir, transportar e distribuir energia elétrica. Esse resultado vale mesmo quando se consideram os custos ambientais ou das externalidades – que aqui são baixos em consequência da elevada participação de renováveis. Preços muito altos desincentivam consumo de modo ineficiente – deixamos de consumir parte da produção quando seria eficiente fazê-lo, mesmo considerando custos sociais.
Apesar dessas distorções e dos sinais desalinhados, há muita disposição para investimentos, especialmente em novas tecnologias de energia limpa. O BloombergNEF Summit, realizado em Nova Iorque no final de abril, voltou a apontar que o Brasil teria capacidade de produzir H2V ao menor custo dentre o conjunto de 28 países que lideram essa corrida. E o apetite para investir em eólicas offshore também é elevado, com players manifestando grande expectativa na realização de leilão para contratação dessa fonte já em 2024. Mas, de outro lado, aparecem declarações de que seria relativamente cedo para essas tecnologias se isso for onerar o consumidor, pois teríamos ainda muito espaço para eólica onshore e solar. Aí vem a pergunta que não quer calar: cadê a demanda para o avanço dessas tecnologias no Brasil? Esses projetos, se implementados, virão atender a uma demanda externa – as plantas eólicas offshore não estão centradas na descarbonização no Brasil.
Conciliar desenvolvimento e clima é possível. Requer, no entanto políticas transversais e ações integradas, de modo a assegurar a demanda para as novas tecnologias nas quais o país tem boas perspectivas com o avanço da eletrificação em setores com desafios de descarbonização. Hora de ser “bold” (ousado) para não chegar atrasado.
Esta coluna foi publicada originalmente em 16/05/2023, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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