Cenários

Capital estrangeiro causa uma ilusão de normalidade – até quando?

15 out 2025

Ritmo alucinante de propostas populistas e insustentáveis acabou sendo percebido. Relação Dívida Bruta do Governo Geral/PIB já começou novamente a subir, e deverá bater quase 80% em dezembro, de acordo com a IFI - RAF abril 2025.

No último trimestre do ano passado ficou evidente que a trajetória dos gastos públicos estava incontrolável e que a dívida pública crescia muito e descontroladamente. O resultado foi o que observamos: um escalada dos juros reais. Em outubro de 2024 a taxa das NTN-B’s de 2050 estava por volta de 6,5% ao ano. Já em janeiro deste ano atingiu níveis acima de 7,5%. Desde então, tem-se mantido em patamares elevados, oscilando entre 7% e 7,5%. Na segunda-feira a cotação estava 7,37% durante a manhã. Por outro lado, o dólar ultrapassou R$6,30 em dezembro de 2024 e veio flutuando para baixo, chegando a ficar próximo de R$5,30 por algum tempo. Houve três razões para este comportamento benigno da taxa de câmbio após aquele fim de ano tão estressado. Primeiro, uma enorme intervenção no mercado cambial à vista pelo Bacen, que vendeu US$33 bilhões em dezembro. Segundo, a selic foi elevada até 15% ao ano, a partir de Copom de dezembro. E terceiro, por conta do diferencial de juros entre o exterior e o Brasil, houve entrada de recursos externos para aplicar em renda fixa local. Por outro lado, a relação dívida/pib manteve-se relativamente bem comportada. Por duas razões. Primeiro, pela venda de reservas de dezembro, que diminuiu a dívida bruta. Segundo, pelo atraso na execução orçamentária, por conta da demora para aprovação do orçamento deste ano. Some-se a isto, o Brasil passou um tempo sendo “o queridinho” dos mercados internacionais. Isto porque tinha sido poupado por Trump no início do anúncio do tarifaço de abril (ficou nos níveis de 10%, os mais baixos). Esta situação de relativa tranquilidade fez com que houvesse muita entrada de estrangeiros na bolsa. Em julho deste ano, tivemos o anúncio das tarifas de 50% para cerca de metade dos produtos da pauta brasileira, e aplicação da lei Magnitsky e outras restrições para autoridades nacionais. Isto abalou um pouco a noção de que o Brasil estava imune aos problemas internacionais. As medidas que atenuaram o comportamento da relação dívida/pib por natureza são temporárias. Como era inevitável, este efeito está-se esgotando, e voltamos a ver o crescimento da DBGG/PIB (DGBB - dívida bruta do governo geral).  

Momentaneamente, no mês de setembro, vimos uma volta de recursos estrangeiros para a bolsa. Porém, nas semanas recentes o governo Lula intensificou a aplicação de políticas públicas expansionistas a um nível que beira a irresponsabilidade. Está bastante claro para todos a sequência interminável de anúncios de políticas gastadoras para atingir o eleitorado. Dentre as mais recentes destacam-se o Gás do Povo, o Luz para Todos e a ampliação do financiamento imobiliário para níveis de renda alta. O jornal Estado de São Paulo estima que o pacote de bondades será de R$126 bilhões de acordo com o orçamento do ano que vem (duas matérias em 12/10). Além destes números estapafúrdios, a cereja do bolo foi Fernando Haddad anunciar a possibilidade de ser implantado no Brasil o transporte gratuito nas cidades. Uma medida que é muito cara (estimativa de 90 bilhões de reais por ano, como informado pelo presidente da Confederação Nacional do Transporte, Vander Costa, à CNN) e ignora que já há muitas gratuidades, meias-passagens e que as empresas já pagam o vale-transporte. Ou seja, certamente uma política populista e que é desperdício de recursos públicos. Este ritmo alucinante de propostas populistas e insustentáveis acabou sendo percebido. Observe que a relação DBGG/PIB já começou novamente a subir (e deverá bater quase 80% em dezembro, de acordo com a IFI – RAF abril 2025). A taxa de juros de longo prazo não mostrou nenhuma acomodação para patamares medianamente razoáveis. Por exemplo, durante o governo Bolsonaro, que não foi exatamente austero, tivemos uma média de cerca de 5% ano para esta taxa, até a eleição de Lula. O bom desempenho do real frente ao dólar está fortemente ancorado no comportamento dos estrangeiros que estão investindo em Brasil, principalmente para aproveitarem-se do diferencial de juros interno e externo. Na bolsa, desde o fim de setembro temos visto saída de recursos. Neste mês de outubro houve saída líquida de 930 milhões de dólares da bolsa, até dia 9. O real voltou a desvalorizar-se – o dólar atingiu R$5,50 na sexta-feira passada, dia 10/10. Historicamente, o período de fim de ano é de pressão na taxa de câmbio principalmente pelo efeito de balanços contábeis. 

Em suma, há vários sinais que a calmaria artificial pela qual nosso país passou este ano, evidenciada sobretudo pelo dólar bem comportado, possa estar perto do fim. O que o governo poderia fazer? O mais óbvio é estancar as políticas gastadoras (incluindo o aumento do salário mínimo acima da inflação) e cortar despesas. As ações do Banco Central estão muito limitadas. Será que o Bacen venderia mais reservas? Seria arriscado, já que a venda de dezembro já levou a muitos questionamentos sobre o nível ótimo de reservas. Será que voltaria a aumentar os juros para 16 ou 17%? É pouco provável, dado o nível elevado em que já estamos da DGBB/PIB, e a proximidade da dominância fiscal. Desta forma, seria mais prudente o governo estancar esta espiral crescente de gastos eleitorais, para evitar a repetição do ocorrido no último trimestre de 2024.

Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 14/10/2025, terça-feira. As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 
 

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