Cidade em ordem, economia em crescimento
As fortes relações entre planejamento urbano e desenvolvimento econômico, em especial em cidades, pode ser percebida na Prefeitura do Rio, com a criação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE).
O planejamento urbano é uma das principais ferramentas para garantir e incentivar o crescimento local ordenado e sustentável – tanto do ponto de vista econômico como social – de longo prazo de comunidades, bairros e municípios.
Enquanto um planejamento eficiente facilita o acesso do público a serviços básicos e a empregos mais produtivos, beneficiando também as firmas através de um mercado de trabalho mais dinâmico, a expansão rápida e desordenada das cidades traz consigo o risco de que o espaço urbano acabe sendo ocupado sem o suporte de uma infraestrutura adequada de serviços públicos e privados, o que leva a uma série de problemas, como congestionamento no trânsito, poluição, marginalização de comunidades, moradias informais e outros que acabam por agravar a pobreza e a desigualdade.
Sobre as boas práticas de um planejamento urbano adequado, Collier et al (2023)[1] destacam que um plano implementável deve:
- priorizar somente alguns pontos fundamentais, definindo objetivos claros e alcançáveis, de modo a permitir que a cidade se desenvolva gradualmente;
- levar em conta, ao tomar decisões de alocação de espaço e regulação, as dinâmicas do mercado de trabalho local, já que um mercado de trabalho bem conectado, ao unir pessoas com habilidades variadas e complementares, incentiva a inovação e a geração de empregos, novos negócios e amenidades culturais.
Para além disso, os autores destacam que os policymakers de cidades em países em desenvolvimento devem focar em três pilares principais ao elaborar um planejamento urbano para uma cidade:
- Melhorar a conectividade espacial, investindo em infraestrutura de transportes e diminuindo o tempo de deslocamento entre firmas e trabalhadores, o que reduz a emissão de gases estufa e gera ganhos de produtividade para as firmas e trabalhadores. Por exemplo, os investimentos de R$ 2,6 bilhões em mobilidade no Rio, anunciados em agosto de 2023 pelo Governo Federal em parceria com a prefeitura do Rio, são iniciativas nesse sentido;[2]
- Facilitar o agrupamento eficiente de firmas, tomando medidas que incentivem a formação de clusters e hubs especializados que ofereçam às firmas ganhos de rede e de produtividade, e proximidade com os consumidores, evitando com isso que as firmas permaneçam espalhadas pela cidade, o que incentiva a informalidade e reduz o potencial de crescimento. Nesse sentido, podemos destacar as diversas iniciativas municipais no sentido de especializar certas áreas da cidade – principalmente no Centro da cidade – em determinados setores, a exemplo dos projetos Reviver Cultural, Porto Maravalley, ISS Tech e a Rua da Cerveja;
- Garantir moradias acessíveis, evitando a marginalização de populações mais pobres que podem se ver obrigadas a se estabelecer em regiões com menor acesso à infraestrutura básica e menor conectividade espacial com a cidade, ou em moradias informais, sujeitas a riscos ambientais e sociais. Apesar de iniciativas de construção de moradias populares serem de cunho tipicamente federal, a exemplo do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), os autores destacam que os policymakers locais podem atuar indiretamente nessa questão através da redução de barreiras regulatórias ineficientes que obstruam a ampliação da oferta de habitações.
Sobre esse último ponto, em especial, é preciso reiterar que a otimização do uso do solo em uma cidade é crucial para a preservação do dinamismo e da acessibilidade econômica de seus habitantes no longo prazo – existindo, inclusive, uma correlação bem documentada (o que não implica, contudo, que haja causalidade) entre produtividade e densidade geográfica. Por exemplo, Edward Glaeser,[3] professor de Harvard, mostra, utilizando dados da pesquisa censitária dos EUA, que há uma clara relação entre as cidades mais densas e as mais produtivas do país.
Em uma revisão recente sobre a literatura especializada, Duranton e Puga (2020)[4] ressaltam que “quantificar os benefícios da densidade para a produtividade tem sido um dos temas centrais da área de economia urbana há décadas” e que hoje há amplo consenso sobre a existência desses efeitos, ainda que seja desafiador do ponto de vista econométrico inferir causalidade a partir dos dados e regressões. Ainda segundo os autores, de maneira geral uma maior densidade “aumenta a produtividade e a inovação, melhora o acesso a bens e serviços, reduz as necessidades de transporte, encoraja edifícios e formas de transporte mais eficientes em termos de energia, e permite um compartilhamento mais amplo de amenidades urbanas escassas”. De fato, Abel et al. (2012)[5] utilizam dados de áreas metropolitanas norte-americanas para estimar o impacto que a interação das pessoas e os “derramamentos” (efeitos spillover) de conhecimento resultantes exercem sobre a produtividade. Os autores estimam que ao dobrar a densidade de uma região, a produtividade de seus habitantes aumenta, em média, na faixa dos 2% a 4%.
Naturalmente, existe um ponto ótimo de densidade a partir do qual ela pode passar a exercer efeitos deletérios sobre a qualidade de vida dos habitantes, não mais compensando eventuais ganhos de produtividade. Exatamente por isso, o planejamento urbano faz-se necessário, para que se possa extrair de maneira ótima todos os ganhos de produtividade disponíveis a partir de um ordenamento adequado da habitação e da atividade econômica em uma cidade, gerando, com isso, externalidades positivas, renda, empregos e reduzindo a informalidade e a marginalização social de seus habitantes.[6]
Nesse sentido, as fortes relações entre planejamento urbano e desenvolvimento econômico, em especial em cidades, pode ser percebida na Prefeitura do Rio, com a criação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), que liderou as discussões sobre o Plano Diretor – conjunto de leis que regem o ordenamento e uso do solo da cidade – e o programa de incentivo à moradia na região central Reviver Centro I e II, para citar duas das mais importantes atuações do Planejamento Urbano.
Desenvolvida pela atual administração, a Nova Política Urbana tem por objetivo estimular o desenvolvimento da Cidade, a partir de premissas como sustentabilidade, inclusão social e inovação. Ela se baseia em três grandes instrumentos: Lei de Reconversão (Lei Complementar 232 de 7 de outubro de 2021); Programa Reviver Centro (Lei Complementar 229 de 14 de julho de 2021); e Plano Diretor (Lei Complementar 270 de 14 de julho de 2021).
A Lei de Reconversão (Lei Complementar 232 de 7 de outubro de 2021) destina-se a incentivar o aproveitamento de imóveis protegidos, transformando o que outrora seria considerado um passivo em um ativo. Foi responsável pela aprovação de empreendimentos icônicos, como residencial que está sendo implementado no antigo Hotel Glória. Os principais benefícios são:
- Possibilidade de flexibilização de parâmetros urbanísticos, incluindo o uso;
- Aumento de potencial construtivo (readequação);
- Desdobramento do imóvel em unidades independentes.
O Reviver Centro é um plano de recuperação urbanística, cultural, social e econômica da região central do Rio. O maior objetivo do plano é atrair novos moradores, aproveitando as construções existentes e terrenos que estão vazios há décadas em uma região da cidade com infraestrutura e patrimônios culturais de sobra. A criação de novas áreas verdes, estímulo à mobilidade urbana limpa e ativação do espaço público através da arte também fazem parte do projeto. Principal iniciativa para o desenvolvimento da Região Central da Cidade, adotado em 2021 (Lei Complementar 229 de 14 de julho de 2021), o Programa Reviver Centro já resultou na aprovação de mais de 3 mil unidades residenciais, vinculadas a 36 empreendimentos, sendo os principais benefícios o ganho de potencial construtivo em áreas mais valorizadas da cidade; a redução e isenção de impostos (ITBI e IPTU) sobre aquisição de imóveis e terrenos; e parâmetros urbanísticos mais vantajosos.[7]
O Plano Diretor 2024 (Lei Complementar 270 de 14 de julho de 2021) é a maior iniciativa de atualização da legislação urbanística das últimas décadas. O Plano Diretor revisou toda a normativa de uso e ocupação do solo, dentre elas regulamentos datados da década de 1970. Um de seus objetivos principais é a mudança do vetor de crescimento da Cidade para as zonas centrais. As principais evoluções são:
- Isenção da Outorga Onerosa do Direito de Construir para a Zona Norte e Centro;
- Consolidação da proteção ambiental e da paisagem nas regiões com grandes ativos ambientais;
- Revoga integralmente 62 leis esparsas e parcialmente outras 6.
A mesma secretaria é responsável por estudos que embasaram as decisões favoráveis à coordenação dos aeroportos Santos Dumont e Galeão; bem como está à frente de projetos de inovação como Porto Maravalley e Centro de Empreendedorismo e Finanças do Amanhã (CEFA) – esses últimos visando facilitar o agrupamento eficiente de firmas e consolidar mercados como o de crédito de carbono, criptomoeda e inteligência artificial.
Essas ações se somam a programas de crédito tributário como ISS Tech, que reduz o imposto para empresas de tecnologia instaladas no Porto Maravilha, e ISS Neutro – o maior programa de incentivo fiscal concedido por um Município no mundo, com a reserva de até R$ 60 milhões por ano de isenção de ISS para empresas de quaisquer setores que forem ao mercado de crédito de carbono neutralizar suas emissões.
Já a realização do Web Summit Rio, versão carioca do maior evento de tecnologia do mundo, com seis edições até pelo menos 2028, também teve como objetivo ajudar na consolidação do mercado de inovação e tecnologia, ao atrair empresas e profissionais do setor. Segundo cálculos da SMDUE, o evento deve atrair um público de mais de um milhão pessoas e tem um potencial impacto econômico de R$ 1,5 bilhão nas seis edições. Uma dessas ações é o Sandbox.Rio – projeto de regulação experimental idealizado para facilitar a entrada de inovação na cidade, que pode ser testada de forma segura por tempo e local acordado com a Prefeitura. O programa gera dados para a Prefeitura, que pode usar como base na elaboração de leis para aplicação dessas inovações no Município.
Para preparar a população para essas novas oportunidades, a Prefeitura do Rio, também por meio da SMDUE, criou o Programadores Cariocas – um projeto de qualificação de cariocas para o mercado de trabalho no setor de tecnologia, que é outra iniciativa de destaque. A Prefeitura paga o curso, além de fornecer um auxílio financeiro de R$ 500 por mês durante o período de aulas (seis meses) e um notebook ao final do programa, para os que concluírem. No primeiro ciclo, foram formados 750 jovens, sendo 70% negros, 40% mulheres e metade morador de comunidades.
Já o IMPA Tech, a Faculdade da Matemática, foi outro projeto ousado. Ao criar, em parceria com o governo federal e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), a Prefeitura do Rio oferece oportunidade para jovens de todo o país, que se destacam em ciências matemáticas, de estudar em uma faculdade de ponta com tudo pago: moradia, por conta da Prefeitura, além do curso, alimentação e ajuda de custo mensal, por parte do governo federal. O IMPA Tech funciona no Porto Maravalley, construído pelo município, e compartilha espaço com diversas startups e empresas de tecnologia.
Cabe também à SMDUE a concessão de licenças urbanísticas e ambientais para obras pelo município, assim como tem em seu guarda-chuva de atuação o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) – que tem como atribuição proteger, conservar e valorizar o patrimônio cultural da cidade. Além disso, conta com a Invest.Rio, empresa de promoção e atração de investimentos da cidade.
O Rio de Janeiro é um exemplo de como o desenvolvimento econômico de cidades passa muito pelo planejamento urbano. Por isso a união, na mesma secretaria, desses dois macrotemas, incluindo os licenciamentos urbanístico e ambiental, dão dinâmica à economia e otimizam os processos no Município, permitindo acelerar o processo de desenvolvimento econômico. Os desafios ainda são grandes, mas os resultados são cada vez mais visíveis para a população: com a recuperação de espaços urbanos antes abandonados, a geração de emprego, o aumento da movimentação econômica, a reorganização da cidade e o renascimento do Centro do Rio.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Collier, P. et al. (2023). “Economics meets urban planning: Developing effective land use plans in fast-growing cities”. International Growth Centre. Policy Brief.
[3] Edward Glaeser: The Urban Century – An Urban World (Part 1, lecture). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kV6XE1j30sk&t=182s
[4] Duranton, G. & Puga, D. (2020). “The Economics of Urban Density”. Journal of Economic Perspectives. Volume 34, Number 3. Pages 3-26.
[5] Abel, J., Dey, I. & Gabe, T. (2012). “Productivity and the Density of Human Capital”. Journal of Regional Science. Volume 52, Issue 4. Pages 562-586.
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