Cenários

Como aumentar o impacto da inteligência artificial na produtividade agregada?

13 mai 2024

Um relatório da OCDE mostra que, embora as evidências preliminares dos efeitos da IA generativa sobre a produtividade sejam promissoras, existe um longo caminho para que o impacto na produtividade agregada seja significativo.

Como tenho discutido neste espaço, a inteligência artificial (IA) pode ter impactos profundos sobre a produtividade e o crescimento econômico nos próximos anos, em especial em sua modalidade que gera conteúdo (IA generativa). Embora ainda exista muita incerteza, estudos recentes têm tornado mais claros os mecanismos que podem fazer com que os impactos da IA sejam mais favoráveis.

Em particular, um relatório divulgado pela OCDE no mês passado (“The Impact of Artificial Intelligence on Productivity, Distribution and Growth: Key Mechanisms, Initial Evidence and Policy Challenges”) analisa os efeitos da IA sobre a produtividade dos trabalhadores tanto no nível microeconômico como na economia como um todo.

Começando pelas evidências microeconômicas, o estudo mostra que, enquanto o efeito da IA não-generativa sobre a produtividade varia entre 0% e 10%, os ganhos encontrados no caso da IA generativa são bem superiores, variando entre 10% e 56%.

Embora promissoras, essas estimativas do impacto da IA generativa são baseadas em estudos experimentais com foco na produtividade individual. O ponto central do trabalho da OCDE consiste em examinar os mecanismos através dos quais os ganhos de eficiência no nível microeconômico podem se traduzir em crescimento sustentado da produtividade agregada.

Em primeiro lugar, para que o efeito agregado da IA seja significativo, será necessário que uma proporção expressiva das empresas utilize a tecnologia. Segundo a OCDE, no entanto, menos de 5% das empresas nos Estados Unidos adotam a IA no processo produtivo.

Tecnologias que afetam a economia de forma profunda e disseminada (general purpose technologies), como a IA atualmente e computadores e eletricidade no passado, levam em geral pelo menos duas décadas para serem adotadas por mais de 50% das empresas. A partir desse ponto, seus efeitos sobre a produtividade agregada tornam-se mais relevantes.

É possível que o processo de difusão da IA generativa leve menos tempo graças ao uso de ferramentas digitais, especialmente a internet. Isso é ilustrado pelo lançamento do ChatGPT, que conquistou 100 milhões de usuários em apenas dois meses.

Por outro lado, a IA generativa é muito intensiva no uso de bases de dados de grande porte e elevada capacidade de processamento computacional, o que tem contribuído para concentrar seu desenvolvimento e utilização em grandes empresas. Além disso, o relatório da OCDE apresenta evidências de que algumas dessas empresas têm se valido de seu poder de mercado para restringir a competição, o que pode reduzir a disseminação da IA na economia.

O impacto da IA na produtividade agregada também vai depender da forma como será usada pelas empresas. Caso a IA seja usada para automatizar tarefas já existentes e, desta forma, substituir em vez de complementar o trabalho, seu efeito sobre a produtividade agregada tende a ser menor. A razão é que os trabalhadores que forem substituídos possivelmente serão absorvidos em setores de produtividade mais baixa, como serviços presenciais, anulando parte dos ganhos de eficiência gerados pela IA.

Por outro lado, caso as novas tecnologias sejam usadas para complementar as qualificações dos trabalhadores ou criar novos produtos, seu impacto agregado tende a ser maior.

O estudo mostra que existe uma probabilidade elevada de automação de tarefas em diversos setores, incluindo atividades intensivas em conhecimento, como serviços financeiros, tecnologia da informação e pesquisa e desenvolvimento. Também existem possibilidades de complementar o trabalho, que deveriam ser aproveitadas para maximizar o impacto agregado da IA.

A conclusão do relatório da OCDE é que, embora as evidências dos efeitos da IA generativa sobre a produtividade de grupos específicos de trabalhadores sejam promissoras, ainda existe um longo caminho a percorrer para que o impacto da IA na produtividade agregada seja significativo.

Para que esse objetivo seja alcançado, será necessário implementar um conjunto de políticas que aumentem a competição de mercado e facilitem a disseminação das novas tecnologias, abrangendo medidas antitruste e facilitação do acesso a softwares de IA generativa de código aberto (open source).

Também será importante atuar no sentido de estimular o uso da IA generativa de forma complementar e não substituta do trabalho. Uma possibilidade mencionada é reduzir a elevada tributação do trabalho, que incentiva a automação por razões desconectadas de possíveis ganhos de produtividade. Outra política fundamental é capacitar os trabalhadores de forma alinhada com as qualificações demandadas pela IA.

Embora o relatório da OCDE tenha como foco as economias avançadas, suas lições também são válidas para economias emergentes. Dada a falta de competição do ambiente de negócios e a baixa qualidade do sistema educacional e dos programas de formação de trabalhadores, o desafio do Brasil será ainda maior.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 10/05/2024.

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