Macroeconomia

Como combater os efeitos do aumento do preço dos combustíveis?

13 jun 2022

Transferências temporárias e focadas nos mais pobres deveriam ser forma de combater efeitos da alta dos combustíveis. Mas governo e Congresso insistem em tentar inteferir nos preços de mercado por meio de redução de impostos. 

Desde meados de 2020 e de forma particularmente acentuada após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o preço das commodities aumentou muito. A explosão dos preços dos combustíveis e principalmente dos alimentos tem consequências muito negativas para a população de baixa renda, que já enfrentava os efeitos adversos da pandemia de Covid-19.

Diante desse quadro, um grande número de países tem adotado medidas para reduzir o impacto do aumento dos preços e proteger os mais pobres. Uma nota do FMI divulgada esta semana (“Fiscal Policy for Mitigating the Social Impact of High Energy and Food Prices”) analisa essas políticas e faz diversas recomendações.

As políticas de combate ao aumento dos preços dos combustíveis e alimentos podem ser classificadas em dois grandes grupos. O primeiro consiste em limitar o repasse do aumento de preços para o consumidor. Isso pode ser feito de várias formas, como reduzir impostos, subsidiar os produtores ou suavizar a frequência dos reajustes. O segundo grupo consiste em transferências temporárias de renda para os consumidores, com foco nos mais pobres.

Transferências focalizadas de renda são mais desejáveis por vários motivos. Em primeiro lugar, interferências no mecanismo de preços causam inúmeras distorções alocativas. Ao invés de sinalizar aos consumidores que deveriam reduzir a demanda e incentivar os produtores a aumentarem a oferta, reduções artificiais de preços causam o efeito contrário. As notícias recentes sobre desabastecimento de diesel na Argentina e os alertas da Petrobras de que o mesmo pode vir a ocorrer no Brasil ilustram bem os efeitos dessa distorção.

No caso específico dos combustíveis, outra distorção significativa causada por subsídios ou reduções de impostos é que desestimulam a redução do consumo de combustíveis fósseis, indo na direção contrária do compromisso mundial de diminuição das emissões de carbono.

Outro problema decorrente de interferências nos preços de mercado é de natureza distributiva. Reduções de preço (ou aumentos menores) beneficiam não somente os mais pobres, mas também pessoas de renda mais elevada. Além disso, dependendo do grau de concentração do mercado, as reduções de impostos podem não resultar em queda dos preços, sendo apropriadas pelos produtores ou distribuidores.

Uma terceira consequência negativa de tentativas de estabilização dos preços de commodities é seu elevado custo fiscal, especialmente no atual contexto de elevação significativa e persistente dos preços internacionais.

Transferências de renda, por sua vez, não distorcem o sistema de preços e estimulam os consumidores a reduzir a demanda para que esta caiba no valor transferido. As transferências também permitem uma melhor focalização nos mais vulneráveis. Outra vantagem é que elas protegem os mais pobres não somente em relação ao aumento dos preços de combustíveis, mas também dos alimentos e da inflação de modo geral. Finalmente, na medida em que sejam temporárias e restritas a um grupo específico, as transferências têm menor impacto fiscal.

Por todas essas razões, transferências temporárias e focalizadas nos mais pobres deveriam ser a forma escolhida de combater os efeitos da alta dos preços dos combustíveis.

No entanto, é preciso levar em consideração as circunstâncias de cada país, como a existência de uma rede de proteção robusta que possa ser usada para transferir os recursos para os mais pobres. Caso esta rede de proteção seja deficiente, uma possibilidade intermediária seria a concessão de descontos ou vouchers (vale gás ou vale alimentação) para o pagamento das contas.

Trazendo essa discussão para o caso do Brasil, o país tem uma boa rede de proteção social, que pode ser rapidamente utilizada para transferir renda para os mais vulneráveis. Portanto, a resposta mais adequada ao aumento dos preços dos combustíveis seria um aumento temporário do benefício do novo programa social, o Auxílio Brasil.

No entanto, temos caminhado na direção contrária. Ao invés de aumentar temporariamente os benefícios do Auxílio Brasil, o Congresso aprovou a elevação permanente do benefício extraordinário de R$ 400. O resultado é uma combinação de maior despesa permanente e menor proteção diante dos choques atuais.

Ao mesmo tempo, tanto o Executivo quanto o Congresso têm insistido em tentativas de interferência nos preços de mercado, seja por meio de mudanças nas regras de precificação da Petrobras seja através de redução de impostos federais e estaduais.

Esta semana o risco fiscal voltou com força após o anúncio do governo de que pretende enviar ao Congresso uma PEC para viabilizar a compensação fora do teto da perda de receitas dos estados caso estes aceitem zerar as alíquotas de ICMS do diesel e gás de cozinha.

Como vimos ano passado com a mudança do teto de gastos para financiar o Auxílio Brasil (e outras despesas, como emendas parlamentares), o enfraquecimento do equilíbrio fiscal vai resultar em desvalorização do câmbio e maior inflação, prejudicando os mais pobres.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 10/06/2022.

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