Macroeconomia

Como deve ser distribuído o ônus da reforma da Previdência?

12 abr 2017

Este é o terceiro post e último post de uma série sobre a reforma da Previdência. Neste último texto pretendo discutir sobre como deve ser distribuído o ônus da reforma. Ou seja, pretendo responder aqui à seguinte pergunta: quais são os grupos que devem pagar a maior parte da conta para que o governo consiga restaurar o equilíbrio fiscal?

Pesquisadores sugerem que a reforma da previdência, proposta pelo governo, tende a ser progressiva. É verdade que o texto original enviado ao Congresso exige sacrifícios de todas as classes sociais (ricos e pobres), principalmente em virtude das projeções extremamente pessimistas para a evolução da situação fiscal do país nas próximas décadas, se as regras da Previdência não forem alteradas. Porém, os referidos especialistas argumentam que a reforma exige sacrifícios maiores dos ricos e menores dos pobres. Vejo esta dimensão da proposta elaborada pelo atual governo como bastante positiva, dado que o Brasil já é um país extremamente desigual. Neste contexto, considero bastante bem-vindas eventuais mudanças institucionais que sejam capazes de melhorar a distribuição de renda.

No entanto, existem dois pontos da reforma enviada ao Congresso que tendem a penalizar os mais pobres, que são: (i) aumento da idade mínima para obtenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), saindo de 65 anos e indo para 70 e (ii) alteração do tempo mínimo de contribuição para obtenção da aposentadoria, que deve passar dos 15 anos atuais para 25. Na prática, este arranjo “joga” a grande maioria dos pobres para uma aposentadoria aos 70 anos, via BPC. Isto ocorre porque indivíduos pobres apresentam um grau elevadíssimo de informalidade e, portanto, praticamente não conseguem atingir 25 anos de contribuição.

Proponho algumas alterações no texto original produzido pelo governo que, a meu ver, conseguem reduzir o fardo desta população mais pobre e que ao mesmo tempo mantêm a magnitude da reforma, em termos do seu impacto sobre a sustentabilidade fiscal de longo prazo das contas públicas. Mais precisamente proponho a criação de um novo benefício assistencial, em substituição ao BPC, com as seguintes características: (i) concedido para pessoas com 65 anos ou mais, (ii) aplicado apenas a indivíduos que comprovem entre 0 e 24 anos de contribuição, (iii) calculado como 51% mais 1 ponto percentual por ano de contribuição e (iv) desvinculado do salário mínimo, podendo inclusive ser inferior a este. Os pontos (i) e (ii) tornam a reforma mais branda, dado que facilitam o acesso da população mais pobre à Previdência. Porém este efeito é compensado com os pontos (iii) e (iv) que resultam em um endurecimento da proposta, via redução no valor do benefício.

Vale discutir um exemplo a título de ilustração. A regra proposta implica que um indivíduo que consiga contribuir por cinco anos para a Previdência em cima de um salário mínimo teria direito a um benefício assistencial, ao atingir 65 anos de idade, que seria idêntico a exatamente 56% (51+5x1=56) de um salário mínimo.

Acredito que existem pelo menos três vantagens do novo benefício assistencial que estou propondo aqui. Primeiro este benefício assistencial modificado mantem a idade de acesso em 65 anos. Lembrando que indivíduos pobres começam a trabalhar mais cedo e são geralmente expostos a uma vida laboral fisicamente demandante. Portanto, me parece pouco razoável alterar a idade de recebimento do benefício assistencial para 70 anos, expondo assim uma população pobre, e já idosa (com mais de 65 anos), aos riscos normalmente já elevados do trabalho braçal. Segundo, a nova regra de cálculo garante uma renda, no mínimo, equivalente a 51% (51+0=51) de um salário mínimo para os beneficiários, valor bastante expressivo para esta população que é composta por pobres.

Terceiro, a nova fórmula de determinação do benefício gera um incentivo forte à contribuição para a Previdência, visto que cada ano a mais de trabalho resulta em um aumento de 1 ponto percentual no valor a ser recebido. Note que a regra sugerida aqui acaba por produzir um contínuo de beneficiários, cujas aposentadorias crescem em função do tempo de contribuição. Alternativamente, a proposta do governo cria uma divisão dicotômica entre aqueles indivíduos que têm direito a aposentadoria, por terem contribuído ao longo de 25 anos ou mais, e os que não conseguem garantir seu benefício previdenciário, visto que só comprovam trabalho com carteira assinada por 24 anos ou menos. Na prática, todos os indivíduos pertencentes a este último grupo, composto por pessoas que só conseguem contribuir por 24 anos ou menos para a Previdência, são tratados de maneira idêntica na atual proposta do governo, sendo obrigados a obter sua aposentadoria apenas aos 70 anos de idade e através do BPC. Ou seja, a regra elaborada pelo governo tem a característica pouco desejável de obrigar um indivíduo que chegue a contribuir por até 24 anos para a Previdência a se aposentar nas mesmas condições de outra pessoa que nunca tenha conseguido comprovar nenhum ano de contribuição.

O texto sobre a reforma da Previdência ainda está em debate no Congresso. A meu ver, a proposta do governo distribui corretamente o ônus da reforma, dado que exige mais dos ricos e menos dos pobres. Mas é natural que haja discordâncias. Neste sentido, é extremamente importante que a sociedade participe ativamente da discussão. Porém, deve-se ter sempre em mente que eventuais sugestões para a realização de alterações no texto original têm que estar ancoradas na necessidade de que a reforma tenha a magnitude contida na proposta inicial do governo. Obedecendo estes preceitos, procurei contribuir com o debate oferecendo, neste texto, a minha visão sobre a forma correta de distribuição do ônus da reforma da previdência.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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