Produtividade

Como interpretar a evolução da produtividade dos Estados Unidos durante a pandemia?

25 jul 2022

Estudo de Robert Gordon e Hassan Sayed busca explicar em que medida pandemia mudou padrão de baixo crescimento da produtividade nos EUA na última década e quais as perspectivas de crescimento da produtividade nos próximos anos. 

Como tenho discutido neste espaço, o comportamento da produtividade do trabalho tem sido bastante errático ao longo da pandemia de Covid-19, com forte elevação em 2020 e queda em 2021 na maioria dos países.

Os dados referentes ao primeiro trimestre de 2022 continuam a surpreender. Nos Estados Unidos, a produtividade por hora trabalhada teve queda anualizada de 7,3% em relação ao trimestre anterior, o que representou a maior redução desde 1947. Além da magnitude elevada, esta queda da produtividade chama atenção por ter sido resultado da combinação de uma redução de 2,3% do valor adicionado e uma elevação de 5,4% das horas trabalhadas.

Esses dados levantam importantes questões. Por exemplo, como explicar o fato de que o crescimento do emprego e das horas trabalhadas nos Estados Unidos tem sido forte mesmo com queda do PIB? Em que medida a pandemia alterou o padrão de baixo crescimento da produtividade na última década? Por que a produtividade vinha crescendo pouco antes da pandemia?

Um estudo de Robert Gordon e Hassan Sayed divulgado esta semana (“A New Interpretation of Productivity Growth Dynamics in the Pre-Pandemic and Pandemic Era U.S. Economy, 1950-2022”) procura responder algumas dessas perguntas.

Os autores mostram inicialmente que a década de 2010-2019 registrou o menor crescimento da produtividade por hora trabalhada nos Estados Unidos desde 1950, com aumento anual médio de somente 1,1% no setor empresarial (“business sector”). Durante os quatro trimestres de 2020, houve uma aceleração expressiva para 4,1%. No entanto, o crescimento da produtividade desacelerou para 0,6% na média do período entre o primeiro trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2022.

Em seguida, Gordon e Sayed procuram explicar o fraco desempenho da produtividade americana entre 2010 e 2019. Seus resultados sugerem que ele decorreu em boa medida da retomada do emprego após o grande número de demissões provocadas pela crise financeira internacional de 2008-2009.

Em um primeiro momento, a queda mais do que proporcional das horas trabalhadas em relação ao produto teria contribuído para o salto de 6,4% da produtividade em 2009. No entanto, na medida em que nos anos seguintes o emprego foi retornando ao patamar pré-crise, o crescimento da produtividade foi desacelerando. Segundo suas estimativas, sem esse efeito de recontratação pós-crise o crescimento médio anual da produtividade entre 2010 e 2016 teria sido de 1,7%, quase o dobro da taxa efetivamente observada de 0,9%.

Os autores mostram evidências de que algo semelhante ocorreu durante a pandemia, só que de maneira muito mais rápida e intensa, com uma queda sem precedentes do emprego e das horas trabalhadas em 2020 e uma forte recuperação em 2021 e 2022. Em consequência, o salto da produtividade em 2020 já foi em grande parte revertido em 2021 e no primeiro trimestre de 2022.

Isso ajuda a entender porque o emprego e as horas trabalhadas tiveram forte crescimento nos Estados Unidos no primeiro trimestre deste ano apesar da queda do PIB. Segundo esta interpretação, trata-se de uma recuperação cíclica associada aos efeitos da pandemia e não de um fenômeno estrutural.

Um fator relacionado que é documentado no artigo é o fato de que, especialmente no início da pandemia, os setores mais atingidos foram aqueles de menor produtividade, como hospedagem e alimentação, enquanto os mais produtivos, como serviços financeiros e de informação, se adaptaram melhor ao regime de trabalho remoto. Essa mudança temporária na estrutura setorial da economia contribuiu em um primeiro momento para um aumento da produtividade. No entanto, na medida em que os setores menos produtivos foram se recuperando, este impacto positivo foi sendo revertido.

Embora o efeito da pandemia sobre a produtividade dos Estados Unidos não pareça ter sido expressivo em termos agregados, os autores mostram que os setores mais intensivos em tecnologia e no uso de trabalho remoto tiveram ganhos significativos de produtividade. Por outro lado, atividades de serviços presenciais tornaram-se ainda menos produtivas.

Gordon e Sayed não são muito otimistas a respeito das perspectivas nos próximos anos. Segundo suas estimativas, uma vez corrigidos os efeitos cíclicos associados à crise financeira de 2008-2009 e da pandemia de 2020-2022, o crescimento médio anual da produtividade americana desde 2005 tem sido de cerca de 1,4% para o setor empresarial e em torno de 1% para a economia como um todo.

Como a pandemia não parece ter alterado esta trajetória, os autores consideram provável que esta seja a taxa aproximada de crescimento nos próximos anos, o que seria praticamente igual ao ritmo alcançado durante o período de desaceleração conhecido como “productivity slowdown” (1973-1995). Sua conclusão é de que a aceleração do crescimento decorrente da adoção da internet e tecnologias de informação entre 1996 e 2004 foi a exceção e não a regra.

Neste sentido, a conclusão do artigo é compatível com estudos anteriores de Gordon, particularmente seu livro de 2016 intitulado “The Rise and Fall of American Growth”, que também eram relativamente pessimistas em relação ao crescimento dos Estados Unidos nas próximas décadas. Certamente vai gerar um bom debate.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 22/07/2022.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.