Construção: expectativas arrefecem, mas atividade segue forte
Otimismo arrefece nos últimos meses. Especialmente empresas de Edificações Residenciais estão mais pessimistas, em relação à mão de obra, custos e crédito. Mas atividade segue crescendo, superando as projeções do início do ano.
No segundo trimestre de 2024, o PIB da construção voltou a registrar crescimento expressivo: a alta de 3,5% na comparação com o trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, superou a taxa do PIB nacional, deixando um carregamento estatístico para o restante do ano bastante elevado (4,2%).
O desempenho do PIB confirmou outros indicadores que apontavam a expansão das atividades setoriais no semestre. Olhando os indicadores que já avançam até agosto, o crescimento se mantém forte: o Monitor do PIB registra expansão setorial no ano até agosto de 4,6%.
Um diferencial importante em relação aos primeiros meses do ano é a recuperação da demanda direta das famílias. Depois de dois anos de retração – 2022 e 2023 –, finalmente o varejo de materiais de construção volta a crescer de forma consistente e já acumula no ano alta de 3,5%, uma retomada com impactos na indústria de materiais. [1]
De fato, a indústria de insumos da construção tem registrado os efeitos da alta da demanda das famílias e das construtoras: a produção acumula variação de 4,5% no mesmo período.
No que diz respeito a atividade das empresas da construção, não há surpresa. O mercado de trabalho mantém-se pressionado ante a demanda aquecida das construtoras e incorporadoras. Entre janeiro e agosto, o saldo líquido (CAGED) do setor alcançou 213,4 mil empregos.
A composição do saldo mostra a força do mercado imobiliário. É possível notar que houve queda no saldo na comparação com o mesmo período de 2023, uma redução que reflete a desaceleração dos investimentos na área de infraestrutura.
Emprego na construção, saldo líquido (admissões – demissões)
Janeiro-agosto
Fonte: Caged
Vale destacar que, desde o ano passado, a Sondagem da Construção vem mostrando o aquecimento e seus efeitos sobre o mercado. Em 2024, o Indicador de Evolução Recente da Atividade vai se sustentado acima dos 100 pontos nos três últimos meses, mantendo a escassez de mão de obra qualificada como a principal dificuldade das empresas. Os empresários também indicam que vão continuar contratando, o que significa que a falta de mão de obra continuará como uma limitação.
No entanto, a mudança na política monetária, com a alta da Selic, suscita alguns questionamentos. Por quanto tempo esse ciclo consegue se sustentar?
Os efeitos da alta dos juros sobre a atividade em geral não são imediatos. Na construção, que tem ciclos produtivos longos, os efeitos podem demorar ainda mais, pois o que está sendo produzido agora é resultado de decisões anteriores em um contexto de juros menores. E o impacto vai depender do quanto as taxas vão subir e por quanto tempo se manterão elevadas. No entanto, o reflexo sobre as expectativas setoriais parece ter sido rápido.
Na verdade, houve piora nas expectativas dos empresários nos dois últimos meses. O IE, que ficou próximo do nível de neutralidade (100 pontos) em julho, caiu nos meses seguintes para um patamar de pessimismo moderado. Em setembro, o IE ficou abaixo do índice de 2023 pela primeira vez no ano. E, na comparação com dezembro, teve queda de 1,1 ponto.
Esse pessimismo alcançou boa parte dos segmentos setoriais, e mostrou-se mais forte entre as empresas de Edificações Residenciais – o IE teve queda de 4,2 pontos em relação a setembro de 2023 e de 4,4 pontos na comparação com dezembro, chegando ao nível mais baixo desde dezembro de 2021.
Índice de Expectativas, indicador padronizado com ajuste sazonal, em pontos
Fonte: FGV IBRE
O pessimismo das empresas de Edificações Residenciais contrasta com os recordes seguidos de lançamentos e vendas reportados pelas pesquisas de mercado. A pesquisa da CBIC/BRAIN para o primeiro semestre apontou que as vendas se mantiveram em patamar elevado, sustentadas especialmente pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). A pesquisa da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), que acompanha o mercado imobiliário desde 2015 a partir de suas associadas, registra que os lançamentos cresceram 36,5% e as vendas, 26,2% no ano até julho, em relação a igual período do ano passado. Dessa forma, o mercado alcança novo recorde, sendo que o MCMV lidera as vendas e os lançamentos. Ou seja, o programa habitacional é o principal alavancador do desempenho no período.
O mercado de médio e alto padrão (MAP) também tem crescido, mas em ritmo menor e com maiores desafios, uma vez que depende do crédito, que tem taxas suscetíveis às oscilações da política monetária. Dessa forma, esses desafios vão ficar maiores, o que pode estar por trás do pessimismo recente. Afinal, para as empresas desse mercado, a alta da taxa Selic pode ter impactos negativos, atingindo o custo do crédito e a renda dos compradores.
É um cenário que pode interromper uma sequência de bons anos para o mercado como um todo. Para o MCMV, as dificuldades são menores, pois o custo do crédito não deve mudar. Mas se houver uma desaceleração mais forte da atividade, o comprador com o perfil do programa também pode ser atingido.
O pessimismo empresarial também está relacionado às dores do crescimento, ou seja, dificuldades com os negócios em um quadro de escassez de trabalhadores e custos em alta, que não serão aliviados a curto prazo.
No que diz respeito à infraestrutura, o fim do ciclo eleitoral pode ter sido um fator para a desaceleração da atividade e piora das expectativas. Esse movimento, por sua vez, aliviou um pouco a demanda por trabalhadores.
De todo modo, como assinalado pelas empresas, o cenário corrente é de crescimento. Nesse sentido, um destaque importante é o aumento das expectativas do segmento de obras de acabamento, que opera na fase final do ciclo produtivo. Essas empresas estão muito otimistas em relação à demanda e à tendência dos negócios nos próximos meses. É um segmento bastante intensivo em mão de obra, o que significa que o mercado de trabalho seguirá pressionado.
Esta é a seção Em Foco do Boletim Macro FGV IBRE de outubro de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] 35% das vendas da indústria destinam-se ao comércio, de acordo com estudo elaborado pela FGV. Disponível in Apresentação do PowerPoint (abramat.org.br)
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