Macroeconomia

Custos e benefícios da quarentena e das políticas sanitárias alternativas

11 mai 2020

Quarentenas compulsórias e fechamento dos negócios para conter o coronavírus são medidas absolutamente necessárias, mas ao mesmo tempo estão causando sérios problemas sociais e arruinando a economia. Não há dúvida sobre a necessidade de medidas sanitárias drásticas, mas também é apropriado reconhecer o custo causado por essas mesmas medidas em termos de vidas e deslocamento econômico se as medidas forem indevidamente prolongadas. Quarentenas contínuas ou sem prazo definido são inadequadas para combater fatores subjacentes importantes para determinar a letalidade de uma epidemia viral como pobreza e sistema de saúde pública ineficiente.

Medidas sanitárias drásticas são essenciais no curto prazo para diminuir a propagação do vírus e permitir que as autoridades de saúde, hospitais e médicos se preparem melhor para servir a população, como corretamente apontaram Ailton Braga e Sebastião Moreira Jr. [1] Existe um consenso geral entre autoridades de saúde de que o relaxamento dessas medidas deve ser gradual e seguir pré-condições, tais como a implementação de medidas apropriadas para reduzir a velocidade de propagação do vírus, aumentar a capacidade da rede de saúde e monitorar a evolução do contágio do vírus, por meio de um planejamento cuidadoso e gerenciamento eficiente. Entretanto, essas condições são quase impossíveis de serem atendidas no curto prazo, dada a limitada capacidade de gerenciamento dos governos federal e estaduais.

A capacidade gerencial dos governos e a eficiência dos sistemas de saúde parecem ser o fator determinante para combater com sucesso a disseminação do vírus, conforme sugerido pelo desempenho comparativamente melhor dos países do norte da Europa (Suécia e Alemanha) em comparação com os países do sul (Espanha e Itália) no combate ao coronavírus. No caso da Alemanha, a quarentena diminuiu o ritmo da propagação de doenças, permitindo que o sistema de saúde mais eficiente tivesse capacidade de cuidar dos doentes, permitindo após um mês a gradual reabertura da economia, enquanto na Itália a capacidade de gestão limitada do governo e o sistema de saúde sistema subfinanciado causaram uma resultado pior. Além disso, existem evidências de que as quarentenas para serem efetivas devem ser implementadas no início do surto de vírus, como sugere o caso da Nova Zelândia que impôs uma política agressiva de confinamento. No Brasil, adiar o Carnaval e fechar voos internacionais em fevereiro foi possivelmente uma oportunidade perdida.

Outro fator que contribui para disseminação e mortalidade do vírus é a pobreza — 17% dos brasileiros vivem em favelas expostos a maior risco de infecção viral devido a alta densidade de habitantes, que torna mais difícil o distanciamento social, com condições sanitárias precárias, menor cobertura de serviços públicos e baixa-renda.

Em termos de custos econômicos, a quarentena e fechamento de empresas por longos períodos resultarão em um grande número de falências, um aumento dramático no desemprego e na perda de vidas. A equipe do IBRE projeta um aumento no desemprego de 6 pontos percentuais e uma perda de PIB de US$45 bilhões.[2] A recessão poderá prolongar-se: com o bloqueio da atividade econômica, políticas monetárias e fiscais expansionistas possivelmente terão um efeito atenuado e incerto sobre a atividade econômica.

Em termos de custos sociais, quanto mais a quarentena durar, a perda de vidas devido ao desemprego reduzirá parte dos benefícios decorrentes da quarentena e aumentará ainda mais a pressão sobre o Sistema Único de Saúde. Para o Brasil, estimativas indicam que, para um aumento de 1 ponto percentual no desemprego, em média, a taxa de mortalidade aumenta e 20 pessoas por 1.000.000 habitantes por ano. Um aumento no desemprego de 10 pontos percentuais pode causar uma perda de vidas entre 42.000 a 85.000 por um período de 1 a 2 anos, que é substancial quando comparado ao total de mortes relacionadas ao coronavírus até o momento.

 

Devemos aprender as lições do coronavírus para preparar-nos para futuras epidemias virais e permitir que economia possa operar de maneira mais normal possível. A ideia original de quarentena não foi suficiente para conter o vírus no Brasil até o momento, principalmente por causa da capacidade limitada dos governos e do sistema de saúde. Estas são questões de longo prazo que não serão resolvidas da noite para o dia. Otaviano Canuto e Pedro Henrique de Cristo  argumentam corretamente por mais investimentos no Sistema de Saúde Unificado, reforço do sistema de proteção social, e urbanização das favelas.[3] No momento, prolongar a quarentena provavelmente causará mais danos à economia, custará vidas, e não nos protegerá contra o retorno do coronavírus no outono ou de alguma outra epidemia viral no próximo ano.

Dada a capacidade limitada dos governos federal e estadual e aprofundamento da recessão, é provável que o relaxamento das medidas sanitárias e a reabertura da economia sejam de forma confusa sob condições imperfeitas e venham mais cedo do que esperado, motivados por deslocamentos sociais causados pelo atual bloqueio da economia.

É absolutamente necessário retornar o país às condições normais de negócios o mais rápido possível para reduzir incertezas, minimizar falências e desemprego. Ao mesmo tempo, a disseminação do coronavírus deve ser contida na medida do possível. É necessário um diálogo entre o setor privado, governos e autoridades de saúde para introduzir maneiras inovadoras de produzir e fornecer serviços aos clientes e proteger seus funcionários. As diretrizes devem ser de caráter educativo e unificadas para todos os estados. Após o término da quarentena, medidas sanitárias não devem ser compulsórias e arbitrárias, mas sim educativas e de acordo com os valores democráticos de uma sociedade aberta que contam com o bom senso de seus cidadãos.


[1] Ailton Braga e Sebastião Moreira Jr. Sobre o planejamento de estratégias de saída segura da quarentena https://blogdoibre.fgv.br/posts/sobre-o-planejamento-de-estrategias-de-saida-segura-da-quarentena

[2] Novos cenários para a evolução da atividade econômica brasileira em 2020. https://blogdoibre.fgv.br/posts/novos-cenarios-para-evolucao-da-atividade-economica-brasileira-em-2020

[3] Otaviano Canuto e Pedro Henrique de Cristo, “Renda básica e integração das favelas deveriam ser legados da covid-19.” https://www.cmacrodev.com/renda-basica-e-integracao-das-favelas-deveriam-ser-legados-da-covid-19/

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.