Decisões tomadas em 2020 e 2021 geraram R$ 92 bilhões a mais de despesas em 2025

Decisões tomadas em 2020 e 2021, envolvendo a expansão do Fundeb, a ampliação das emendas parlamentares e a flexibilização das regras do BPC/LOAS, ampliaram os gastos primários federais em aproximadamente R$ 92 bilhões até 2025.
Uma reportagem publicada na Folha de São Paulo no começo de agosto tentou avaliar, junto a diversos analistas, qual seria a responsabilidade do atual governo federal na expansão das despesas primárias da União, que atingiram R$ 2,29 trilhões nos 12 meses encerrados em junho, comparativamente a um montante de R$ 2,08 trilhões em 2022 (já a preços de junho de 2025, pelo IPCA).
Por um lado, o governo argumenta que boa parte desse aumento decorreria de uma “herança maldita”. Por outro, os críticos apontam que praticamente todo o aumento decorreu da PEC da Transição aprovada no final de 2022 (expansão da ordem de R$ 170 bilhões) e de outras decisões tomadas pelo governo atual.
Como argumentei na reportagem supracitada, a realidade parece estar no meio do caminho. Nesse contexto, o objetivo deste post é o de jogar alguma luz nesse debate, avaliando a dinâmica de alguns gastos que vêm crescendo expressivamente nos últimos três anos por conta de decisões políticas tomadas pelo Congresso e pelo governo em 2020 e 2021.
A figura abaixo apresenta a evolução dos gastos federais com o complemento para o Fundeb – despesa que, na prática, é uma transferência da União para os governos regionais.
Em 2020, o Congresso decidiu não somente por prorrogar o Fundeb (que, na versão anterior, vigorou entre 2007 e 2020), mas, também, por praticamente triplicar o seu valor, gradativamente, entre 2021 e 2026. Comparativamente ao dispêndio anual da versão anterior do Fundeb, o acréscimo de gastos com o Fundeb renovado já beira os R$ 35 bilhões nos 12 meses encerrados em junho deste ano, como fica evidente na figura acima. Mas esse valor deverá aumentar até 2026, aproximando-se dos R$ 40 bilhões (já que o total do gasto da União da Fundeb deverá superar os R$ 60 bilhões no ano que vem, a preços de hoje).
Um outro caso está associado ao Benefício de Prestação Continua (BPC/LOAS). Após uma decisão em 2021 que flexibilizou as regras de concessão a partir de meados de 2022, houve uma explosão na concessão de novos benefícios, como revela a figura abaixo.
Já controlando pelo fato de que os reajustes reais do salário-mínimo retomados pelo atual governo pressionam as despesas com essa rubrica, a figura acima sugere um aumento de gastos da ordem de R$ 27 bilhões associado somente à mudança de tendência da expansão do número de beneficiários, comparativamente a um cenário contrafactual que extrapola a tendência anterior à alteração das regras de concessão.
Com efeito, somando esses dois aumentos de gastos destacados acima, temos um impacto da ordem de R$ 62 bilhões de elevação das despesas primárias da União nos 12 meses findos em junho de 2025, associados a decisões tomadas em 2020 e 2021 e não a decisões do atual governo.
Por fim, eu não poderia deixar de citar os gastos com emendas parlamentares, cuja evolução é apresentada na figura abaixo.
Embora o governo atual tenha promovido (ou foi obrigado a aceitar...) um novo aumento dessas despesas, o fato é que a “quebra estrutural” nesses gastos aconteceu sobretudo em 2020. Como explorei em detalhes na coluna “Ponto de Vista” da edição de julho deste ano da Revista Conjuntura Econômica, tomando por base o peso dos gastos com emendas no total do Orçamento federal e no PIB dos EUA nos últimos anos, o valor das emendas no Brasil deveria estar hoje em no máximo R$ 6 bilhões, próximo dos valores efetivamente observados em 2016 e 2017. Assim, temos hoje um “excesso” de gastos com as emendas de pelo mens uns R$ 30 bilhões (valor de 2024 menos a média observada em 2018/19).
Portanto, caso as regras dessas três grandes despesas tivessem se mantido as mesmas comparativamente àquelas que vigoraram até 2019/2020, o gasto da União, hoje, seria quase R$ 92 bilhões menor, ceteris paribus.
Para finalizar, vale lembrar que, em 2019, o gasto total da União foi de R$ 2,02 trilhões, cerca de R$ 270 bilhões a menos do que o valor observado nos 12 meses findos em junho de 2025. Ou seja: o incremento nas três despesas elencadas nos parágrafos anteriores correspondeu a cerca de 34% do aumento do gasto primário total nesse ínterim. Outros 46% advieram da expansão do Bolsa-Família (de R$ 46 bilhões para R$ 170 bilhões). Os 20% restantes (R$ 54 bilhões) estão espalhados em diversas rubricas.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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