A defesa da democracia e as relações Brasil-EUA
Se Bolsonaro for reeleito e o Partido Republicano passar a ter maioria no Congresso dos EUA, a partir das eleições legislativas de novembro de 2022, será difícil evitar o aumento das tensões entre Biden o presidente do Brasil.
A política doméstica do Brasil e a dos Estados Unidos mudaram muito na última década. As relações diplomáticas entre os dois países não passaram incólumes às mudanças.
Os dois gigantes das Américas são, hoje em dia, duas democracias degradadas. No Brasil, vive-se, há quase quatro anos, sob um presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, empenhado em solapar as bases do Estado de Direito, submeter o Poder Judiciário e as autoridades eleitorais, enfraquecer a Federação, dividir a sociedade, armar cidadãos e reduzir as Forças Armadas a braço político do Executivo Federal, usando-as como instrumento de ameaça a todos que se lhe oponham.
Nos EUA, o governo de Donald Trump (2017-2021) contribuiu para reduzir a terra de George Washington, Abraham Lincoln e Franklin Roosevelt à condição de, por assim dizer, país “latino-americano”, conquanto rico e poderoso. Afinal, trata-se de uma sociedade desigual e violenta, com uma vida política radicalizada, disfuncional, e desestabilizada por um grande partido autoritário e de extrema direita, o Partido Republicano. Este partido é liderado por um autocrata populista, Trump, o qual, no dia 6 de janeiro de 2021, tentou um golpe de Estado, ao estimular seus seguidores a impedirem, com o uso da violência, a confirmação, pelo Congresso, da vitória do candidato do Partido Democrata, Joe Biden, no pleito presidencial de novembro de 2020. Difícil encontrar atributos políticos mais latino-americanos do que esses.
Enquanto Bolsonaro e Trump foram chefes de Estado ao mesmo tempo, isto é, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, houve excelentes relações entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca. Em visita aos EUA em 2019, Bolsonaro disse a Trump: “I love you”.[1]
Os problemas começaram com a posse de Joe Biden na presidência, em 20 de janeiro de 2021. Bolsonaro já não o havia cumprimentado pela vitória, sinalizando concordar com a tese falsa de Trump segundo a qual a eleição de 2020 fora fraudada. Os presidentes dos dois maiores países do Hemisfério Ocidental ficaram quase 18 meses sem se falar, evidência de grande esfriamento entre Brasília e Washington. Não à toa, desde junho de 2021, não há um embaixador americano no Brasil, apenas um encarregado de negócios.
Escaldada pela decadência da democracia dentro de casa, sob Biden a diplomacia estadunidense passou a enfatizar a defesa da democracia no continente americano. Desde agosto do ano passado, o alto escalão de segurança nacional de Washington tem emitido vários recados ao Brasil. O mais contundente foi dado no dia 26 de julho do corrente ano, quando o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, afirmou, em Brasília, “[...] que as Forças Armadas dos países da América devem estar sob ‘firme controle civil’”. Austin também “fez um discurso em defesa da democracia e do Estado democrático de Direito”.[2] Ironia das ironias, Austin é um general (da reserva).
Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro de agosto/2022.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver “Bolsonaro diz ‘I love you’ para Trump, que desdenha: ‘Bom te ver de novo’”, Istoé, 25/09/2019, disponível em https://istoe.com.br/bolsonaro-diz-i-love-you-para-trump-que-desdenha-bom-te-ver-de-novo/.
[2] Ver César Feitoza, “No Brasil, secretário de Biden defende democracia e controle civil sobre militares”, Folha de São Paulo, 26/07/2022, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/07/secretario-de-defesa-dos-eua-vira-ao-brasil-e-pedira-a-militares-respeito-a-democracia.shtml.
Comentários
Deixar Comentário