Desafios dos gastos tributários
Relatório Nacional sobre Gasto Tributário mostra que essa despesa era de 2,1% do PIB em 2002 e atingiu 6,9% do PIB na projeção para 2024, além de elencar uma série de desafios para aperfeiçoamento desse tipo de política.[1]
Gastos tributários são um tipo especial de renúncia tributária que envolve, além da perda de arrecadação, um caráter discriminatório em relação à norma tributária de referência, favorecendo um setor econômico específico ou determinados atores econômicos. É uma política pública realizada por meio do sistema tributário, em vez de passar pelo orçamento, registrando uma despesa como normalmente ocorre.
O Relatório Nacional sobre Gasto Tributário, publicação divulgada recentemente em parceria com os pesquisadores Paolo di Renzio, Natalia Rodrigues e Giosvaldo Teixeira Júnior e o Council on Economic Policies (CEP) de Zurique na Suíça, elencou uma série de desafios para o aperfeiçoamento desse tipo de política. O documento encontra-se disponível para consulta no sítio do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE. Neste artigo, apresentarei os três desafios principais.
Há grande confusão normativa e metodológica na mensuração do custo dessas políticas. Em nível federal, a metodologia de mensuração da Receita Federal é bastante estável e a classificação envolve a identificação de todos os três elementos discutidos: perda de receita, favorecimento em relação à norma de referência e a substituição de uma política pública por intermédio do sistema tributário.
A estabilidade conceitual confere consistência metodológica à mensuração, mas muitas renúncias fiscais não classificadas acabam ficando sem identificação de custo, tais como a isenção na distribuição de lucros e dividendos, JCP e o regime de lucro presumido, todos interpretados como parte do sistema tributário de referência. Seria importante que houvesse outro instrumento para divulgação do custo dessas isenções.
Recentemente, a Receita divulgou o “Tax Gap”, que trata de outros temas relacionados ao sistema tributário e que complementa o Demonstrativo de Gastos Tributários. Um aperfeiçoamento importante é a DIRBI, um sistema que recebe informações das empresas sobre a fruição de benefícios fiscais, o que irá aprimorar todos os cálculos de renúncia. Apesar de ainda existirem lacunas, há bastante avanço em nível federal acerca do tema.
A maior contribuição do Relatório foi investigar os dados em nível estadual. Os desafios foram inúmeros, dado a ausência de informações em vários Estados. A maior dificuldade foi de acesso aos dados, mas que foi contornada com a utilização da Lei de Acesso à Informação. O acesso às LDOs dos Estados mostrou que existem muitas diferenças metodológicas entre Estados, e nos próprios Estados ao longo do tempo.
É comum, por exemplo, verificar a utilização de alguns argumentos comuns para não divulgar os gastos tributários, tais como o fato de os gastos tributários já terem sido incorporados nas projeções de arrecadação, ou que os estímulos tributários não geram perda de arrecadação porque há compensação pelo crescimento econômico que geram. A hipótese de que o estímulo tributário se paga pode ser verdadeira em algumas situações em que um pequeno estímulo pode viabilizar uma atividade econômica, mas é inverossímil alegar que esse efeito se generaliza para o universo de todos os estímulos fornecidos.
Nos últimos anos, houve um esforço de padronização do entendimento conceitual dos gastos tributários, para uniformizar a metodologia de cálculo, e os dados também passaram a ficar mais acessíveis. Mas ainda assim, é possível melhorar. Uma sugestão é que haja maior coordenação entre os órgãos federais e estaduais e maior envolvimento dos respectivos Tribunais de Conta.
O Relatório mostrou que os gastos tributários eram de 2,1% do PIB em 2002 e atingiram 6,9% do PIB de acordo com os valores previstos para 2024. Apesar das fragilidades metodológicas, esse é o melhor retrato disponível.
Esse crescimento se deu em dois pontos específicos do tempo. A primeira rodada de aumento ocorreu entre 2005 e 2008, puxada pelos gastos tributários federais. Barbosa (2022) interpreta esse movimento como um período de compensação realizado para alguns setores como consequência do aumento de carga tributária ocorrido entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000.
A segunda rodada de aumento do GT ocorreu a partir de 2022. Interpreto esse aumento como uma melhora das metodologias de mensuração; e também do crescimento das renúncias em função da perda de receita que os Estados sofreram com a classificação de alguns serviços e combustíveis como serviços essenciais, o que gerou ampla perda de arrecadação para esses governos.
Há maior conscientização dos problemas relacionados ao crescimento dos gastos tributários, que incluem a precariedade na avaliação dessas políticas, a sua opacidade e a dificuldade de se mensurar seu impacto fiscal e de revertê-las uma vez que se identifique sua ineficiência.
As tentativas de contenção dessas políticas começaram a ganhar força, sem produzir, no entanto, maiores efeitos. A criação do CMAP (Conselho de Monitoramento a Avaliação de Políticas Públicas) fornece algum apoio na avaliação, mas há o desafio de se avaliar bem e influenciar a decisão política.
A Emenda Constitucional 109 estabeleceu um teto de gasto tributário federal em 2% do PIB, mas o plano de redução de tais benefícios que foi encaminhado para o Congresso Nacional, para dar cumprimento à norma, não se tornou público e tampouco se tornou uma proposta efetiva.
A reforma tributária do consumo, cuja regulamentação tramita no Congresso Nacional, é a bola da vez. Sua aprovação deve reduzir de maneira substancial as renúncias fiscais de ICMS e PIS/COFINS, apesar de a Zona Franca de Manaus e o Simples terem sido preservados.
A história dos GTs no Brasil mostra um copo cheio até a metade. Em perspectiva internacional, o esforço com a informação é maior do que em outros países, mas as tentativas de estabelecer uma governança melhor têm falhado. Essa opção deveria ser considerada em um momento em que as alternativas de ajuste fiscal estão em debate.
Referências Bibliográficas
Barbosa, N. (2022). Mito e realidade sobre desoneração tributária no Brasil. Em M. Pires (Org.), Progressividade tributária e crescimento econômico. Fundação Getúlio Vargas.
Esta é a seção Fiscal do Boletim Macro FGV IBRE de novembro de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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