A desastrosa PEC da Transição
É inquietante que Senado, mesmo contando com quadros excelentes, não tenha capacidade de evitar catástrofes fiscais tão evidentes como PEC da Transição, que tem impacto fiscal potencial até o fim de 2024 de R$ 398,6 bilhões.
No mês passado escrevi na minha coluna para o Broadcast sobre a preocupante primeira semana pós-eleição. A razão foi a péssima sinalização de descontrole fiscal que estava embutida na proposta de PEC que seria negociada pelo governo Lula. O que foi mencionado no artigo foi um furo de R$ 200 bilhões no teto, que aparentava ser por 1 ano. Inclusive eu mencionei que não havia uma regra fiscal no horizonte. No dia 7/12 o Senado aprovou em dois turnos uma proposta muito pior. Antes de explicar por que o texto aprovado foi desastrosamente ruim, é triste e ao mesmo tempo surpreendente que houve 64 votos favoráveis no Senado, nos dois turnos. Congressistas que têm posições fiscalistas reconhecidas, como José Serra, Tasso Jereissati e Simone Tebet, assim como algumas pessoas que são vistas como liberais, por exemplo, Alessandro Vieira, Soraya Thronicke e Mara Gabrili, todos estão na lista dos que votaram a favor da inacreditável proposta de PEC. Como podem integrantes experientes e bem informados(as) do Senado, que conhecem (ou pelo menos deveriam) as consequências do descontrole fiscal, aprovar uma hecatombe desta natureza? Parece que foi um voto de anti-bolsonaristas X bolsonaristas. Mas, o interesse da nação paira acima dessas divisões.
É bastante preocupante ainda que a primeira versão da PEC tivesse uma explícita menção à Teoria Monetária Moderna (sigla MMT em inglês), uma teoria que não explica os fatos ocorridos e dá argumentos para ampliação de despesas e de dívida basicamente de modo ilimitado. Na verdade, a MMT está provada errada pela evidência empírica pós-pandemia: ocorreu inflação pelo excesso de estímulo no mundo todo – fato que a MMT diz que não poderia acontecer – e, adicionalmente, os bancos centrais ao redor do globo estão subindo juros para combatê-la – fato que a MMT diz ser desnecessário (pois a inflação não poderia surgir para início de conversa). O relator que havia posto tal menção no texto não deve ter nenhuma experiência com o nosso país e nossa conhecida saga de descontrole fiscal que gera inflação, que tem que ser combatida através de aumento de juros, que gera a gangorra de crescimento e retração econômica que tristemente conhecemos.
Em suma, é muito inquietante saber que o Senado, mesmo contando com quadros excelentes, não tem capacidade de evitar catástrofes fiscais tão evidentes como esta PEC da Transição.
Para um cálculo preliminar e rápido dos efeitos fiscais da PEC, eu usarei como fonte matéria do Valor de 8/12/2022 (“Senado aprova PEC da Transição por 64 a 16”). E analisarei o texto da PEC. A PEC permite furar o teto pelo menos nos itens abaixo.
- Fundos de universidades federais e institutos de pesquisa custeados por receitas próprias, doações ou convênios e contratos: cerca de R$ 7,5 bi/ano (este aqui parece ser permanentemente excluído do teto).
- Despesas com investimentos em montante que corresponda ao excesso de arrecadação de receitas correntes sujeito ao teto de 6,5% das receitas correntes de 2021: cerca de R$ 23 bilhões por ano. Aqui tem uma possível interpretação que pode fazer com que o texto, se promulgado este ano, valha também para o ano de 2022.
- A exceção de R$ 145 bilhões/ano nos anos de 2023 e 2024.
- Contas inativas do PIS/PASEP: R$ 24,6 bilhões em 2023.
- Outras contas possíveis: doações a projetos socioambientais, possível expansão do vale-gás a ser aprovada em 2023 etc.
Segue-se que temos um impacto fiscal potencial até o fim de 2024 de R$ 398,6 bilhões. Para ver o que isso quer dizer se esse valor todo for usado (sem falar no impacto do item 5 acima), basta lembrar que a Reforma da Previdência deveria poupar cerca de R$ 800 bi em 10 anos. Em apenas dois anos a PEC da Transição propõe acabar com metade do ganho fiscal da Reforma da Previdência, tão difícil e demorada de ser aprovada. Isto em dois dias de discussão, por esmagadora maioria do Senado.
A PEC da Transição aprovada no Senado é extremamente nociva para a economia brasileira, caso seja aproveitada em seu limite. É urgente que haja um arcabouço fiscal que garanta a convergência da relação dívida/PIB. Isto para evitar o aumento da inflação e para fazer com que os juros de longo prazo, que determinam as oportunidades de investimento, caiam. Quando escrevi o artigo anterior sobre a primeira semana, a NTN-B de 2050 estava rendendo 6% ao ano acima da inflação. Nestes últimos dias já passou disso, chegando a atingir 6,23% na abertura de dia 12/12, segunda. Quando a taxa de juros dos títulos públicos fica elevada, as oportunidades de investimento que são atraentes ficam muito mais restritas. Um empreendedor/investidor se pergunta: para que correr riscos se posso garantir retorno real de mais de 6% ao ano? Precisamos devolver a tranquilidade ao país, restabelecendo uma regra fiscal crível. E fazendo as escolhas difíceis: não tem sentido haver orçamento secreto, nem financiamento público de campanha nos níveis que observamos este ano no Brasil. Afinal, o Congresso já conta com emendas parlamentares e de bancada que são impositivas. O governo Lula, com seu agora ministro da Fazenda anunciado, Fernando Haddad, tem que devolver a estabilidade que nos foi retirada pós-eleições. A primeira semana foi péssima como sinalização. No entanto, o mês de dezembro está sendo muito pior ainda. Desastroso. Somente o não aproveitamento integral da “licença para furar” dada pela PEC da Transição e a aprovação de um novo arcabouço fiscal sustentável farão com que as taxas de juros de longo prazo possam voltar a cair e o país voltar a ter investimentos de forma robusta, com inflação sob controle.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/12/2022, terça-feira.
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