Desemprego alto é desafio para governo em 2022, e pode persistir até 2026
Pandemia atingiu no Brasil mercado de trabalho já combalido após recessão de 2014-16 e lenta recuperação que se seguiu. Com a Covid-19, informais e menos educados foram particularmente atingidos. E volta da taxa de desemprego para padrão pré-2015 deve tomar vários anos.
Os poderosos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro ocorreram depois que este já havia sido abalado pela intensa recessão de 2014-2016 e pela lenta recuperação até 2019. Há indicações de que a volta da taxa de desemprego para o padrão anterior ao difícil período iniciado em 2015 pode levar alguns anos, mesmo em cenários de crescimento econômico bastante otimistas. Essa constatação, a que chegaram pesquisadores do FGV-IBRE[1], tem implicações importantes para as eleições de 2022 e para a política econômica a ser conduzida até lá, assim como para o próximo governo a partir de 2023.
A taxa de desemprego do Brasil era bastante baixa na década de 80 e início dos anos 90, com uma média de 5% entre 1981 e 1994. O indicador subiu para uma média de 9,3% entre 1995 e 2014. Com a crise econômica que se seguiu, a taxa de desemprego média entre 2014 e 2019 atingiu 11,4%. Tomando-se o período de 1995 a 2019, a taxa média foi de 9,7%.
Foi nesse contexto que irrompeu a pandemia da Covid-19, que afetou principalmente os trabalhadores informais e de baixa escolaridade, com destaque para o setor de serviços. A população ocupada (PO) caiu quase 15% entre fevereiro e julho de 2020, com recuperação bastante gradual em seguida. Na última leitura, relativa a julho de 2021, a PO ainda se encontrava 4,4% abaixo do nível pré-pandemia.
Outra consequência da pandemia foi a queda sem precedentes da população economicamente ativa (PEA), pelos efeitos do isolamento social e das políticas de manutenção de renda. Entre fevereiro e julho de 2020, ocorreu um recuo de quase 12% da força de trabalho. De lá para cá, houve gradual recuperação, mas a PEA ainda se encontra 2,8% abaixo do nível pré-pandemia. De forma congruente, a taxa de participação caiu de 62% em fevereiro de 2020 para um mínimo de 54% em junho do ano passado, recuperando-se apenas parcialmente, para próximo de 58%, em julho de 2021.
A queda do emprego em 2020 foi bem mais intensa entre os trabalhadores informais, atingindo 12,6%, do que entre os formais, com recuo de 4,2%. A pandemia puniu de forma mais dura os trabalhadores com pouca instrução, com redução de postos de trabalho, em 2020, de 17,1% para pessoas sem instrução e com o ensino fundamental incompleto, e de 14,8% para o grupo com fundamental completo e ensino médio incompleto. A queda foi menor, de 6,4%, entre aqueles com médio completo e superior incompleto. Entre os brasileiros com superior completo, por outro lado, houve avanço de 5,5% nos empregos em 2020.
Setorialmente, os destaques em termos de queda do emprego em 2020 foram os serviços industriais de utilidade pública, SUIP (-14,1%), a construção civil (-12,5%) e os chamados “outros serviços” (-12,1%).
A recuperação do mercado de trabalho no período pós-pandemia, de forma simétrica à piora, tem sido liderada pelo setor informal e pelos empregos de pior qualidade. Em julho de 2021, o emprego formal encontrava-se 4,8% abaixo do período pré-pandemia, e o informal, 5,4% abaixo. É interessante notar que a volta do mercado de trabalho está sendo mais rápida entre os trabalhadores por conta própria – cujo retorno à PO é mais dependente de uma decisão individual – do que no grupo dos empregados, que dependem de uma decisão empresarial, alheia a si, de voltar a contratar. Essa constatação é válida tanto no setor formal quanto no informal.
Os fortes recuos da PEA e da taxa de participação na pandemia, mencionados acima, amenizaram a alta da taxa de desemprego. Caso a força de trabalho tivesse se mantido constante em 2020, a taxa de desemprego média do ano passado teria sido de 18,8%, em vez do nível de 13,5% oficialmente divulgado. A pandemia levou a forte aumento da subutilização da mão de obra, que passou de 27,6 milhões em 2019 para 31,2 milhões em 2020. Os subutilizados incluem os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, os desocupados e a chamada força de trabalho potencial, isto é, desalentados e indisponíveis.
Outra consequência particularmente preocupante da pandemia é o aumento dos desempregados de longa duração, isto é, que procuram emprego por dois ou mais anos. Esse contingente já havia dado um grande salto de tamanho em função da recessão de 2014-16 e da lenta retomada que se seguiu, saindo de pouco mais de 1 milhão no último trimestre de 2014 para um nível de 3,3 milhões no primeiro semestre de 2019. O desemprego de longo prazo atingia na última leitura, no segundo trimestre deste ano, 3,8 milhões dos 14,4 milhões de desempregados.
A projeção da equipe do Boletim Macro do FGV IBRE é de lenta queda da taxa de desemprego em 2022, devido à desaceleração da retomada econômica de 4,9% este ano para 1,5% no próximo. Assim, a taxa de desocupação fecharia 2021 em 14,1%, e 2022 em 13%. Uma das razões para a baixa velocidade da queda da taxa de desemprego é que a recuperação da PO será acompanhada pela retomada em paralelo da PEA.
De qualquer forma, a queda da taxa de desemprego para níveis próximos da média entre 1995 e 2019, de 9,7%, depende de uma aceleração muito forte da economia brasileira em relação ao padrão de crescimento recente. Segundo as estimativas da turma do Boletim Macro do FGV IBRE, para que a taxa de desemprego caia para 9,8% seria necessário um crescimento anual de 3,5% entre 2023 e 2026, ritmo difícil de imaginar dado o pobre desempenho recente. De forma mais precisa, um ritmo de crescimento de 1,5% ao ano reduziria a taxa de desemprego (com ajuste sazonal) para 11,6% em 2026; de 2,5%, para 10,8%; e de 3,5%, para 9,8%.
Se estiver em linhas gerais correto, as implicações desse exercício são bastante relevantes. Em relação a 2022, um crescimento improvável de 3,5% reduziria o desemprego minimamente, para 12,6%, em relação aos 13% previstos levando em conta a projeção de alta do PIB de 1,5% no ano que vem. Em outras palavras, quaisquer medidas que o atual governo tome para acelerar a economia no ano eleitoral terão efeito muito pequeno no desemprego. Um eventual aumento de popularidade presidencial pelo front da economia, portanto, dependeria de duvidosos efeitos do aumento de transferências sociais ou da ampliação da PO, ainda que sem impacto sensível sobre a quantidade de desocupados.
As projeções do Boletim Macro do FGV IBRE também mostram claros limites sobre o que o próximo ou a próxima presidente poderá fazer em relação a aliviar o mal-estar econômico da população até o final do seu mandato em 2026. A não ser que, de forma muito imprevista, o crescimento suba para nível bem acima do que hoje se julga possível e sustentável, o desemprego permanecerá elevado pela maior parte do próximo mandato.
Isso não quer dizer, porém, que os atuais problemas brasileiros em termos de crescimento econômico e mercado de trabalho devam ser encarados como fatalidade e que o país deva se conformar com esse destino pouco glorioso.
Uma sugestão/reflexão de agenda para enfrentar esses desafios é apresentada em post publicado recentemente no Blog do Ibre por Bráulio Borges, pesquisador associado do FGV IBRE. No artigo, Borges analisa em profundidade a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, utilizando a “Lei de Okun”, que relaciona PIB e taxa de desemprego (ou ocupação). O economista fez exercícios em que também inclui a oferta de mão de obra, considerando a variação do PIB ajustada pela variação da população em idade ativa (PIA); ou em que recalcula o PIB pela ótica do emprego. No caso deste segundo passo, para dar conta do fato de que a queda da economia com a pandemia afetou em particular setores como “outros serviços”, cuja participação no emprego total é bem maior do que a fatia no valor adicionado total.
De toda essa detalhada análise, Borges encontra evidências de que o Brasil passa por uma “jobless recovery” (recuperação com pouca criação de emprego). O pesquisador cita ainda que as atuais projeções de consenso indicam uma perda de produto pós-pandemia de quase 5% no médio prazo no caso brasileiro, comparado com algo próximo de zero para China e Estados Unidos. Ele ressalta as circunstâncias muito especiais nas quais o Brasil foi atingido pela pandemia: “(...) ainda estávamos com excesso de ociosidade expressivo em nossa economia no final de 2019 (...), com um PIB que ainda estava 3% abaixo do nível observado antes da recessão de 2014-2016”.
Borges vê no Brasil os efeitos danosos da histerese econômica, pela qual “oscilações cíclicas da atividade acabam afetando o desempenho de médio e longo prazo da economia”. A histerese se dá de forma particularmente relevante pelo canal do mercado de trabalho, com a obsolescência do capital humano dos desempregados de longo prazo sendo um dos exemplos mais emblemáticos.
Diante desse quadro, o pesquisador do FGV IBRE defende a ideia de que a política econômica não pode se acomodar em relação ao baixo ritmo de crescimento econômico e à longa permanência de alto nível de desemprego, que hoje são projetados pelo consenso para o Brasil. No post no Blog do Ibre, Borges recomenda, de forma sintética, uma reação de política econômica, que envolve agendas macro e micro, além do aproveitamento da necessária transição no Brasil para uma economia mais verde e, na área energética, menos dependente da hidroeletricidade.
O texto é resultado de reflexões apresentadas em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a pluralidade de visões expostas, o documento traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa forma, pode não representar a opinião de parte, ou da maioria, dos que contribuíram para a confecção deste artigo.
Esta é a Carta do Ibre de outubro de 2021, publicada na revista Conjuntura Econômica do mesmo mês.
[1] Fernando Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti.
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