Macroeconomia

Deve o BC reduzir a Selic? Tréplica a Ricardo Barboza

13 fev 2019

Responder aos comentários críticos de Ricardo Barboza ao meu post de 05 de fevereiro é ao mesmo tempo estimulante e prazeroso. Ricardo examinou com cuidado o texto original e fez considerações que de fato merecem um pouco mais de discussão.

De saída, Ricardo argumenta que defender reduções adicionais da Selic não significa necessariamente advogar contrariamente ao arcabouço teórico do regime de metas. É verdade. Ele está certo. No texto original, meu objetivo foi apenas o de ressaltar que sob inflation targeting faz-se preciso que as ações da autoridade monetária possam ser justificadas com base nas informações disponíveis sobre a atividade, nas expectativas e projeções de inflação, e no balanço de riscos, sendo que este último, em particular, envolve sempre certo julgamento da autoridade.

Na ocasião, destaquei também que “a atividade econômica e as projeções de inflação (números um pouco abaixo ou nas metas para 2019 e 2020) recomendam política acomodatícia”. A meu ver, não reside aqui qualquer base para optar por nova redução da taxa Selic. Mais importante ainda seria o julgamento do BC (reiterado na reunião do Copom concluída na última quarta-feira, 06 de fevereiro) no sentido de que o balanço de riscos ainda se mostra desfavorável para a inflação. No campo externo, reduziram-se os riscos associados à normalização da política de juros nos EUA, mas, por outro lado, aumentaram os riscos associados à desaceleração da economia global. No terreno interno, permanece a possibilidade de frustração com as reformas de que o país tanto precisa. Note-se que bancos centrais devem evitar fazer apostas e tomar como assegurados eventos que simplesmente apresentam boa perspectiva.    

A meu ver, o diagnóstico e as decisões recentes do BC têm sido corretos. E não há como combinar redução adicional da Selic com o cenário aqui resumido. Por essa razão argumentei que, no quadro atual, derrubar um pouco mais a Selic seria um movimento discricionário. Para que queda adicional da Selic se mostrasse perfeitamente compatível com os preceitos básicos do regime de IT, seria preciso que se tivesse outra visão sobre o balanço de riscos. No momento, porém, não consigo encontrar justificativa para uma visão de balanço de riscos favorável a uma inflação mais baixa.

Outro ponto de discordância entre Ricardo e eu diz respeito à crítica que ele faz às projeções de inflação do BC. Segundo o seu raciocínio, além de serem incompletas as informações acerca dos critérios com base nos quais o BC faz suas projeções, a autoridade monetária tem superestimado a inflação com elevada frequência.

A esse respeito, não há muito o que fazer. Como ressaltamos no post original, regime de metas de inflação é o mesmo que regime de metas de projeção da inflação. E as projeções não podem ser outras, a não ser as do BC, sendo fácil imaginar o que aconteceria no caso contrário. (Para uma discussão mais aprofundada desse assunto, ver o capítulo 12 de J. J. Senna, Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução, Editora FGV, 2010).

De qualquer modo, é relevante notar que, se é verdade que o Banco Central comete erros de projeção, o setor privado também o faz. Em seu post, e para ilustrar seu argumento, Ricardo mostra que, nas últimas 28 projeções mensais (de setembro de 2016 a dezembro de 2018) de IPCA, divulgadas pelo BC em seus relatórios de inflação, houve superestimação da inflação em 21 ocasiões.

Trabalhando com esse mesmo período, Marcel Balassiano, pesquisador do IBRE, concluiu que tanto os números do Focus quanto da Bloomberg revelam erros de estimativa (para cima) em 18 e 19 ocasiões, respectivamente, resultados esses que não parecem indiscutivelmente melhores que os do BC. Com a divulgação da inflação de janeiro, na última sexta-feira (08 de fevereiro), nota-se que tanto o BC quanto o setor privado superestimaram novamente a inflação, tendo incorrido em erros de mesma magnitude (estimativas de 0,37% contra 0,32% de inflação medida). Observe-se, adicionalmente, que as estimativas contidas nas pesquisas Focus e da Bloomberg têm sempre por base as últimas informações disponíveis, antes da divulgação final do IPCA, ficando claro, portanto, que, dados os critérios adotados, os integrantes do setor privado têm mais chance de acertar, uma vez que o BC trabalha com defasagem mais expressiva.

Tudo isso revela apenas como é difícil a vida de quem faz projeções, seja no governo, seja na iniciativa privada. No caso específico do período iniciado em setembro de 2016, é bem possível que as dificuldades ficaram especialmente mais expressivas não apenas pela ocorrência de alguns choques, de viés favorável, mas também em razão da grande virada das expectativas de inflação, que teria levado a inflação a adquirir uma dinâmica própria de difícil identificação.

Ricardo acha estranho a falta de resposta adequada do emprego e da atividade econômica diante da queda da Selic a que me referi, de quase 800 pontos. Ele dá a entender que isso por si só seria argumento para reduzir os juros básicos ainda mais. A meu ver, a constatação nada tem de estranho. Como tive o cuidado de ressaltar no post original, “atividade econômica não depende apenas dos juros de política monetária”. No caso brasileiro atual, nossa economia sofreu grandes estragos, de difícil recuperação. Além disso, até recentemente, tínhamos as incertezas associadas à disputa eleitoral, encontrando-se o governo atual ainda em seus primeiros estágios.

Ao concluir, Ricardo refere-se ao aforisma a que Milton Friedman frequentemente recorria, por mim citado no final do post. “É possível levar um cavalo até a fonte, mas não se consegue forçá-lo a beber”. Segundo Ricardo, “o manejo do juro serve exatamente para provocar a sede no cavalo e caso ele não queira beber, é preciso deixá-lo com ainda mais sede”. Em poucas palavras, Ricardo parece dizer: se a atividade não responde a determinado estímulo monetário, faz-se necessário reduzir os juros ainda mais.

É muito difícil concordar com essa prescrição. Tradicionalmente, alterações da taxa básica de juros produzem efeitos na economia por meio de correspondentes mudanças nos preços de ativos financeiros e nas condições de crédito. Em tempos recentes, tem sido comum reconhecer que, com frequência, as condições financeiras podem não responder de acordo com o previsto aos movimentos dos juros básicos. Dentre os fatores capazes de interferir no processo, é possível citar alterações no humor dos mercados financeiros, fatores políticos, incertezas importantes quanto ao comportamento de variáveis econômicas de relevo, etc. Mercados financeiros internacionalmente integrados facilitam a ocorrências dessas interferências. Os juros básicos caem, ou sobem, e as condições financeiras caminham em direção oposta.     

Caberia, então, indagar: que sentido faz insistir na aplicação de um instrumento que claramente revela ter perdido potência? Muito possivelmente, pelo menos parte da lentidão da resposta da economia à queda dos juros de política monetária tem explicação no raciocínio acima exposto. Afinal, as condições financeiras prevalecentes em nossa economia sofreram importante deterioração durante grande parte de 2018. Em 2019, o quadro poderá ser outro, dependendo, evidentemente, de fazermos ou as necessárias reformas e o devido dever de casa, e de como ficará o ambiente internacional. Como argumentei no post original, na hipótese de novo aperto das condições financeiras, o mais provável será um ajuste para cima da taxa de juros, e não para baixo. E na hipótese de, no terreno das reformas, tudo caminhar a contento, o melhor mesmo seria não haver precipitação, tornando-se conveniente aguardar não apenas os efeitos da correspondente melhora das condições financeiras, mas também a evolução do ambiente internacional.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

 

Comentários

Daniel
Lucio Espinoza
Anônimo

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