Macroeconomia

A dicotomia entre o mercado de trabalho e a atividade econômica

21 fev 2020

Os dados recentes da atividade econômica não têm sido animadores. Depois de uma sequência de números piores que os projetados pelo mercado para a indústria, varejo e serviços, referentes ao mês de dezembro, os resultados do IBC-BR e do Monitor do PIB do IBRE/FGV confirmaram o baixo dinamismo da economia brasileira no ano passado. Diante desses indicadores e dos efeitos negativos do coronavírus, as estimativas de crescimento do PIB para 2020 têm sido sistematicamente revisadas para baixo, e já se encontram mais próximas de 2% do que de 3%.

Por outro lado, os indicadores do mercado de trabalho referentes ao quarto trimestre do ano passado continuaram a registrar uma recuperação gradual, não somente em termos de redução da taxa de desemprego, mas também de um aumento mais forte da geração de vagas formais, tanto no CAGED como na PNAD Contínua.

Na Ata do Copom recentemente divulgada, o Banco Central fez menção a esse fato, ao afirmar que “os dados divulgados desde sua reunião anterior indicam que há uma dicotomia entre a evolução do mercado de trabalho e o crescimento da produção de bens e serviços”.

O parágrafo seguinte menciona que esse contexto motivou um debate entre os membros do Copom sobre o nível de ociosidade da economia. Alguns membros do Copom avaliaram que “a dicotomia dos últimos dados sugere que pode haver menos espaço de ociosidade do que o mensurado por métodos tradicionais”. Mas outros membros do Copom “ressaltaram que a dinâmica dos núcleos de inflação, não obstante os recentes efeitos do choque de preços de proteína, sinaliza que a ociosidade dos fatores de produção ainda é elevada.”

Portanto, está claro que a dicotomia entre o comportamento do mercado de trabalho e os indicadores de atividade econômica pode ter implicações importantes para as próximas decisões de política monetária. É importante, então, entender melhor o que ela pode estar sinalizando.

Em primeiro lugar, essa dicotomia também tem sido observada em outros países, em particular no Reino Unido, que na última década experimentou uma combinação de forte geração de emprego com baixo crescimento do PIB. Depois de uma queda acentuada durante a crise internacional de 2008, o emprego cresceu 12% entre 2009 e 2018, enquanto a população aumentou somente 7%. No entanto, o crescimento do PIB nos últimos anos não somente tem sido baixo, mas as previsões de sua evolução futura têm sido sistematicamente rebaixadas. A estimativa mais recente do Banco da Inglaterra é de uma taxa de crescimento do PIB potencial de apenas 1,1%, o que corresponde à metade do crescimento potencial estimado dez anos atrás.

A razão pela qual o mercado de trabalho pujante do Reino Unido não se reflete em taxas de crescimento do PIB mais elevadas é que a produtividade do trabalho encontra-se praticamente estagnada desde o final dos anos 2000, algo que se tornou conhecido como “UK productivity puzzle”. Ou seja, o expressivo aumento do número de ocupados não se traduziu em grande expansão do PIB porque esses trabalhadores são pouco produtivos.

Existe um debate ainda inconclusivo sobre o “UK productivity puzzle”. Uma possível explicação é o baixo nível de investimento. Entre 2010 e 2019, a taxa de investimento do Reino Unido como proporção do PIB foi a segunda mais baixa da União Europeia, à frente apenas da Grécia. Outra possível razão foi o significativo aumento de trabalhadores por conta própria de produtividade mais baixa, no contexto da chamada “gig economy”.

Embora menos intenso, fenômeno parecido ocorre nos Estados Unidos, onde uma taxa de desemprego muito baixa não se traduz em crescimento elevado do PIB. Mais uma vez, a dicotomia está associada a um baixo crescimento da produtividade.

No caso do Brasil, a produtividade encontra-se em queda desde o primeiro trimestre de 2019, o que agrava ainda mais o descompasso entre mercado de trabalho e atividade econômica.

Isso significa que tentar projetar o crescimento do PIB a partir de dados do mercado de trabalho, sem considerar a queda de produtividade, pode dar margem a projeções superestimadas. Isso vale mesmo quando se utiliza os dados de emprego formal do CAGED, já que os baixos salários das novas contratações formais indicam que esses trabalhadores provavelmente são menos produtivos que os que foram demitidos durante a recessão.

Outro ponto importante é que a dicotomia entre mercado de trabalho e atividade econômica não necessariamente sinaliza uma baixa ociosidade dos fatores de produção, em particular do trabalho.

De um lado, uma situação de baixa ociosidade pode gerar uma escassez relativa de trabalhadores qualificados e uma contratação de trabalhadores menos produtivos na margem, resultando em aumento do emprego sem elevação proporcional do PIB. Mas, seja devido a uma recessão lenta e profunda, seja devido a fatores estruturais como a expansão da “economia dos aplicativos”, é possível que a queda da produtividade no Brasil esteja ocorrendo em um contexto de ociosidade ainda elevada.

A evolução da produtividade nos próximos trimestres será um indicador chave para compreendermos melhor a dinâmica atual da economia brasileira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 21/02/2020.

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