Macroeconomia

Economia informal: setor informal, emprego informal, afinal do que estamos verdadeiramente falando - Parte I

3 mar 2020

Durante o período em que coordenei as Contas Nacionais do Brasil, a equipe da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE teve diversas conversas com jornalistas tentando mudar as definições que se publicavam do Produto Interno Bruto (PIB) – total de bens e serviços produzidos ou total da riqueza produzida no ano. Ao final, entendemos que existem diferentes formalismos. Ou seja, para o leitor de uma mídia diária, o conceito adotado pela imprensa, apesar de incompleto, é suficiente. No entanto, olhando pelo usuário dos dados ou do produtor de estatísticas, não é suficiente adotar definições incompletas. A narrativa deve ser completa, as categorias adotadas e seu poder explicativo devem ser claros e acessíveis. O National Bureau of Economic Research (NBER, instituição dos Estados Unidos), de maneira condescendente, se refere ao uso de recessão técnica em determinadas análises intra-anuais como um “press concept”. Que eu entendo como: se querem usar usem, mas nós não o usaremos.

Informalidade

Atualmente, cada vez mais se utilizam expressões genéricas e fluidas para se referir a determinado fenômeno: é a revolução do “big data” na análise de dados que tudo solucionará, é o “algoritmo” que tudo explica; etc. Entre essas generalidades, muito da análise econômica se refere à “informalidade”. O objetivo desta nota é procurar olhar, nas recomendações internacionais, o que em uma análise econômica poderia ser classificado como informal e o que esta categoria  ou categorias  auxilia na compreensão da dinâmica econômica.

Um dos temas mais debatidos atualmente é a importância da chamada “informalidade” dentro de uma economia, ou seja, qual parcela da Produção, do Valor Adicionado, do Produto Interno Bruto, entre outros agregados econômicos, é devida à chamada “informalidade” ou ao “trabalho informal” ou ao “setor informal” ou a outros nomes associados.

No entanto, a escolha de que categorias econômicas poderiam ser classificadas como formais ou informais é, em vários trabalhos que tratam do tema, pouco detalhada e as recomendações internacionais bastante flexíveis. A chamada informalidade pode ser observada sob o ponto de vista da proteção social, do tamanho dos estabelecimentos produtivos (menos de 5 pessoas ocupadas), da cobertura das pesquisas estatísticas (a economia não observada) ou da organização da produção.

O conceito de trabalho informal foi definido na 15ª Reunião dos Estatísticos do Trabalho (RET)[1] da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1993 e incorporado às recomendações do manual de contas nacionais de 1993 (SNA 1993) sem maior evidência. Apenas, durante o processo de revisão deste manual, aceitou-se introduzir um capítulo específico sobre o tema. No manual de 2008 (SNA 2008), a chamada economia informal, não apenas o emprego informal, passa ter recomendações específicas (SNA 2008, Capítulo 25: Aspectos da Economia Informal).

Por sua vez, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ampliou a discussão para o que seria a Economia Não Observada (ENO). A preocupação dos organismos internacionais era apresentar um conjunto de conceitos e classificações que permitissem uma melhor compreensão e captação de informações que não seriam cobertas por ferramentas estatísticas tradicionais.

Esta nota apresenta, simplificadamente, as recomendações apresentadas nos manuais da OCDE sobre economia não-observada (OECD 2002), da OIT sobre a mensuração da informalidade (ILO 2013)  e da Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais sobre a compilação de um Sistema de Contas Nacionais – SNA 2008.

Um exercício exploratório, utilizando categorias de setor informal e emprego informal, com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), será publicado posteriormente.

Economia Não Observada

Um dos marcos conceituais sobre como se deve medir a economia pelo lado da produção, renda e demanda são os manuais da ONU sobre a compilação de um sistema de contas nacionais. Um dos requisitos claramente explicitados sobre a compilação das contas nacionais é a exigência de que a sua cobertura da economia seja o mais exaustiva possível, um dos determinantes da qualidade de seus resultados. No entanto, as fontes de dados básicas disponíveis não têm cobertura completa das atividades econômicas por diversas razões. Para entender essas lacunas foi desenvolvido, entre organizações internacionais e diversos países, um esforço de caracterizar o que estaria fora dos instrumentos clássicos de levantamento de dados, definindo uma taxonomia que permitisse a compreensão destas lacunas e orientasse os esforços para obter e definir uma estratégia de medida das informações não cobertas.

A ENO é composta de um conjunto de atividades que, normalmente, não são captadas pelos levantamentos estatísticos ou por registros administrativos, mas que devem ser consideradas na estimação do produto. Esse espaço, desconhecido a priori, são as economias: ilegal, subterrânea, informal e a produção das famílias para consumo próprio. Além dessas categorias, deve ser incluído na ENO a não medição por deficiências nos instrumentos adotados (cadastros, censos, pesquisas amostrais, registros administrativos etc.).

As atividades ilegais são aquelas que claramente contrariam as definições do código penal de cada país, mas que têm produção para o mercado, gerando emprego e renda.

A economia subterrânea é composta por atividades que, apesar de legais[2] , optam por não declarar seus dados, como faturamento total ou pessoal empregado, para evitar o pagamento de exigências trabalhistas, pagamento de impostos, taxas, contribuições sociais etc.

Economia Informal

A falta de uma conceituação precisa faz com que o termo informalidade seja usado de diferentes maneiras e amplitudes e muitas vezes associado à ENO. Diversas tentativas vêm procurando formalizar uma estrutura conceitual sobre informalidade, porém enfrentam dificuldades para definir uma estrutura conceitual exaustiva e comum, tais como legislações diferentes entre países ou qual o objetivo da análise ou política a ser realizada.

O fenômeno pode ser observado, por exemplo, pelo lado social ou pelo lado da produção, o que determina universos diferentes. Não existe, portanto, apenas um único conjunto possível de atividades econômicas, ou categorias de ocupação, a ser classificado sob o termo “informalidade”.

A OIT, a partir da 15ª RET, vem procurando definir e publicar recomendações para que se possam ter algumas orientações conceituais. Essas recomendações foram publicadas em (OIT 2013) e incorporadas na revisão de 2008 do SNA.

Na ótica da OIT, prioriza-se  a produção e o emprego, já nas contas nacionais se procura um enfoque mais amplo, considerando consumo e acumulação.

De forma geral, podemos definir dentro de uma economia o que seria a economia informal, composta do setor[3] informal e do emprego informal.

Setor Informal

As atividades econômicas consideradas informais, como definidas na 15ª RET, são aquelas que produzem bens e serviços com o objetivo primário de gerar emprego e renda. São atividades com baixo nível de organização, pouca ou nenhuma divisão de capital e trabalho e baixa escala de produção. As atividades informais são geralmente exercidas por famílias organizadas em empresas não registradas (unincorporated enterprise)[4]

Foi reconhecido, pela RET, que uma atividade econômica não classificada como informal não é necessariamente formal. Como a produção das famílias para autoconsumo, o trabalho doméstico ou a agricultura de pequena escala. A recomendação é que esse tipo de atividade seja classificado como outra categoria de organização[5]. No caso da produção para autoconsumo, as contas nacionais consideram apenas a produção de bens, estando os serviços fora da fronteira de produção dos sistemas de contas nacionais[6].

Emprego Informal

De acordo com OIT 2013:

“2.62. 'Emprego no setor informal' e 'emprego informal' são conceitos que se referem a diferentes aspectos da "informalização" do emprego e a metas diferentes para a formulação de políticas. Os dois conceitos não são intercambiáveis, mas ambos são úteis para fins descritivos e analíticos e, portanto, complementam-se entre si. Eles precisam ser definidos e medidos de forma coerente e consistente, de modo que cada um se distinga claramente do outro. Usuários de estatísticas tendem a confundir os dois, porque eles desconhecem as diferentes unidades de observação envolvidas: empresas, por um lado, e empregos, por outro.”

A 17ª RET apresentou uma estrutura conceitual (Quadro 1), procurando cruzar a visão da ocupação baseada na organização como uma “empresa” do setor informal com uma visão mais ampla, baseada no emprego informal.

O quadro proposto cruza o tipo de unidade produtiva com o tipo de ocupação. A linhas da tabela apresentam o tipo de unidade produtiva e as colunas a condição na ocupação.

Essa proposta apresenta a economia com três setores básicos e as pessoas ocupadas[7] em cinco categorias: conta-própria, empregadores, trabalhadores contribuintes, empregados e membros de cooperativas. Cada uma dessas categorias com possibilidade de ter uma relação de trabalho formal ou informal.

Apesar dessa tentativa de estrutura, permanecem questões de definição, tanto da partição formal x informal quanto das fronteiras entra as condições de ocupação.

As recomendações deixam em aberto aos países a definição das categorias e seus limites.

A OIT define “formal wage employment” como ocupação sob os termos de que haja benefícios associados, como licenças pagas e direito a pensão. E todas as demais categorias como informais.

Quadro1: Estrutura conceitual para o emprego informal (17ª RET)

Por fim, a análise da informalidade deve explicitar claramente qual o seu objetivo. Queremos olhar a organização dos setores produtivos, na qual as categorias adequadas são a divisão entre setores formais e informais? Ou queremos olhar o emprego e sua qualidade, em que as categorias mais adequadas seriam pelo tipo de vínculo?

Por exemplo, olhando os dados da PNADC, os ocupados no setor privado com ou sem carteira seriam classificados no setor formal por trabalharem em atividades mais organizadas. Já, pela ótica do emprego, aqueles com carteira seriam classificados como emprego formal e aqueles sem carteira como emprego informal (não recebem benefícios do empregador).

 

Referências

OECD 2002, Measuring the Non-Observed Economy – A Handbook, Organization for Economic Co-0peration and Development, International Labour Organization, International Monetary Fund. Statistical Committee of Commonwealth of Independ States, Paris 2002.

Hussmanns, Ralf (2004), Statistical Definitionof Informal employment

OIT 2013, Measuring informality: A statistical manual on the informal sector and informal employment, International Labour Organization, Geneve 2013.

SNA 2008, System of National Accounts 2008, European Commission, International Monetary Fund. Organization for Economic Co-0peration and Development, United Nations and World Bank, New York 2009.

IBGE 2019, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Notas técnicas, Versão 1.6, Rio de Janeiro.


[1] International Conference of Labour Statisticians, International Labour Organization

[2] A atividade é legal o ato é que é contra a lei.

[3] Adota aqui a palavra setor, seguindo a literatura sobre informalidade, no sentido de atividade econômica e não como nas contas nacionais onde setor é adotado para determinar um setor institucional

[4] Uma unincorporate enterprise/empresa não registrada é uma unidade de produtores que não é constituída como uma entidade legal separada do proprietário (família, governo ou residente estrangeiro); os ativos fixos e outros utilizados em empresas não incorporadas não pertencem às empresas, mas a seus proprietários; as empresas, como tais, não podem se envolver em transações com outras unidades econômicas, nem podem estabelecer relações contratuais com outras unidades, nem incorrer em passivos por conta própria; além disso, seus proprietários são pessoalmente responsáveis, sem limite, por quaisquer dívidas ou obrigações incorridas no decorrer da produção. (Cap. 04, SNA 2008)

[5] Parágrafo 2.15, OIT 2013.

[6] Essa definição é baseada em duas questões práticas: a dificuldade em determinar um preço para os serviços e o fato que todas as pessoas estariam ocupadas pois se considera que todos realizam serviços para seu próprio consumo como cozinhar, educar etc.

[7] Adotando aqui a terminologia da PNADC.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Nicolas Pazos
Olinto
Sorte Cuango
Luiz Gonzaga de...
Interessante, vou lê-lo para tecer comentário.

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