Macroeconomia

Em termos ideológicos, de quantos partidos o Brasil precisa?

30 jul 2018

Desde pelo menos os anos 90, o Brasil tem sido a democracia com o maior número de partidos parlamentares já registrado na história das democracias modernas. De forma ainda mais impressionante, o número efetivo de partidos tem crescido de forma mais ou menos constante desde então.  Numa analogia não muito técnica, poderíamos dizer que o Brasil apresenta uma hiperinflação de partidos. 

Um elevado número de partidos não é, por si só, um problema. A existência de múltiplos partidos pode ser justificada de diversas formas. O multipartidarismo poderia facilitar a composição de forças, um tema bastante discutido nos debates sobre o presidencialismo de coalizão (e sobre o qual há posições conflitantes). Neste texto, analiso outra possibilidade, a de que múltiplos partidos permitam a representação de interesses de grupos particulares.  

Imagine que existam grupos sociais que detêm uma combinação de preferências muito particulares em temas políticos relevantes, de modo que nenhum partido existente os represente. Ou então, que existam segmentos sociais que consideram relevantes temas que os demais ignoram. Nestes casos, um novo partido poderia representar grupos antes marginalizados.

Para examinar se este pode ser o caso no Brasil, tomamos dados da Pesquisa Legislativa Brasileira. A pesquisa, coordenada atualmente por mim e por Timothy Power, é realizada com congressistas brasileiros desde 1990, e se encontra atualmente na sua oitava rodada. Em particular, analisamos respostas dadas nas duas últimas rodadas – realizadas em 2013 e 2017 – a uma bateria de 19 perguntas, agrupadas de forma um tanto arbitrária (mas com algum suporte empírico) sobre quatro grandes temas. Por falta de nomes melhores, nos referimos aos grandes temas como  “tradicionais” (incluindo a questão sobre a intervenção do Estado na economia, que tradicionalmente define o que se entende como esquerda-direta), “liberalismo clássico” (incluindo questões que retratam individualismo vs. estatismo), “novos temas” (essencialmente costumes e valores) e “temas fiscais” (medindo trade-offs entre impostos e gastos em algumas áreas). Respostas às perguntas em cada tema foram combinadas utilizando-se análise de componentes principais, uma técnica que permite reduzir a dimensionalidade dos dados de forma a gerar um escore padrão para cada respondente em cada tema. Escores mais altos foram convencionados como representando posições mais “conservadoras”, enquanto escores mais baixo representam posições mais “progressistas”.

Análises preliminares indicam que a convergência nas opiniões dos congressistas que observamos entre 1990 e 2013 foi interrompida, e que houve entre 2013 e 2017 um aumento da polarização política. O mais intrigante, no entanto, é que, se olharmos para os quase 300 respondentes das duas últimas rodadas da pesquisa, percebemos uma alta correlação entre as posições dos Congressistas em cada tema. Essa correlação é alta o suficiente para sugerir que há apenas uma única dimensão no espaço político brasileiro. Não temos, ao menos na nossa amostra, um número significativo de congressistas com posições conservadoras na economia, mas progressistas em relação a costumes – os chamados libertários –, e tampouco temos progressistas econômicos e conservadores em costumes, que caracterizam posições democrata-cristãs em alguns países. 

Perguntamos, então, quantos partidos seriam necessários apenas para garantir a representação de todas as combinações relevantes de preferências nestes quatro temas. Para isso, implementamos um procedimento de agrupamento (clustering), cuja lógica consiste em minimizar as distâncias de escores dentro dos grupos e maximizar a distância entre os grupos. Existem algoritmos diferentes para definir o número ótimo de grupos, mas todos os que exploramos sugerem que o número ótimo de partidos no Congresso brasileiro é dois.

A tabela abaixo mostra como os integrantes da nossa amostra se dividiriam nesses dois partidos. O partido de centro-esquerda teria cerca de 41% do Congresso, e seria composto pela totalidade do PT e do PC do B, partidos bastante uniformes em relação às preferências, e facções minoritárias dos demais partidos. O partido de centro-direita, majoritário, inclui todo o PSC – único partido de porte uniformemente neste campo – e a maior parte dos principais outros partidos. Alguns partidos, como o PSB e o até o próprio PSDB estariam surpreendentemente divididos. 

 

 

Centro-Esquerda

Centro-Direita

PRB

3

3

PPB

5

12

PDT

5

12

PT

35

0

PTB

1

8

PMDB

9

33

REDE

2

0

PODEMOS

1

1

PSC

0

8

PR

3

11

PPS

7

2

DEM

3

15

PHS

0

2

PMN

0

2

PSB

10

10

PV

0

2

PRP

0

1

PSDB

11

26

PSOL

5

0

PSD

3

18

PC do B

11

0

PSL

1

0

SD

2

1

PROS

1

0

Total

118

167

Caso estes dois partidos existissem, o de centro-direita seria mais conservador em todos os quatro temas, como a figura abaixo mostra. Um ponto interessante é que a menor diferença entre os dois partidos seria em questões fiscais. 

É possível que a dimensionalidade do espaço político definido por respostas da população às mesmas perguntas apresentadas ao Congressistas fosse multidimensional. No entanto, as perguntas temáticas são um tanto quanto complexas para um estudo da população em geral, então o exercício pode não ser válido. Independentemente disso, se o espaço definido pelas preferências dos congressistas é realmente unidimensional, fica bastante difícil justificar a existência de tantos partidos com base na representação de interesses. 

É evidente que a realidade política brasileira, com seus subsistemas políticos estaduais, não pode ser reduzida a 19 perguntas feitas para cerca de 25% dos parlamentares. Representar preferências políticas não é a única função de partidos, que são também veículos para carreiras e ambições políticas, e para oferecer ao eleitor diferentes equipes para governar. Não sugiro que deveríamos ter apenas dois partidos. No entanto, a evidência sugere que não precisamos de tantos partidos quanto existem hoje.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Cristina

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