Empreender para sobreviver: quem são os trabalhadores por conta própria?
Trabalhadores por Conta Própria crescem pela 5ª vez consecutiva, totalizando 25,5 milhões e 27% da população ocupada no 3º tri de 2021. A quantidade de trabalhadores nessa categoria já ultrapassa o valor registrado no 3º tri de 2019 em mais de 1,3 milhão.
A retomada do emprego no Brasil tem ocorrido principalmente pelo crescimento do trabalho por Conta Própria, muitas vezes denominado como autônomo. No terceiro trimestre de 2021, cerca de 25,5 milhões de pessoas estavam nessa posição, atingindo o maior nível desde 2015 e representando um aumento de 18,4% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Além disso, foi responsável por 43% do incremento da população ocupada no último ano. A participação dos Conta Própria na população ocupada passou de 25,5% para 27,4% entre o terceiro trimestre de 2019 e 2021. Ou seja, de cada 10 pessoas ocupadas atualmente no Brasil, quase 3 trabalham por Conta Própria.
Com as medidas restritivas durante a pandemia, fechamento de empresas, elevação do desemprego e incertezas socioeconômicas, muitos brasileiros passaram a buscar alternativas para continuarem no mercado de trabalho. Enquanto uma parte destes conseguiram identificar oportunidades para empreender, criando negócios a partir do surgimento de novas demandas da sociedade, outros acabaram se tornando autônomos como uma estratégia de sobrevivência, realizando bicos e trabalhos temporários. Os Conta Própria com CNPJ, que englobam também os microempreendedores individuais (MEI), tendem a estar mais enquadrados na primeira situação e os sem CNPJ na segunda. É importante, portanto, analisar a trajetória desses dois grupos[1] separadamente, pois possuem perfis distintos.
Mais de 1,3 milhão de pessoas passaram a compor o grupo dos Conta Própria com CNPJ nos últimos dois anos, aumentando de 4,9 milhões para 6,2 milhões, o que corresponde a um crescimento de 26,7% (Figura 1). Mesmo após o início da pandemia, o contingente de pessoas nessa condição continuou aumentando, atingindo seu maior nível histórico no 3º trimestre de 2021. A expansão dos microempreendedores tem sido vista como algo bom, pois contribui para o dinamismo da economia e tem efeitos positivos sobre o crescimento econômico do país. As ações governamentais para melhorar o ambiente de negócios e desburocratizar o processo de abertura das empresas assim como a mudança de cultura da sociedade sobre empreendedorismo têm gerado condições mais propícias para empreender. Contudo os dados não nos permitem dimensionar com exatidão se a expansão dos Conta Própria com CNPJ está relacionada ao aumento somente de empreendedores ou da pejotização.
Por outro lado, os Conta Própria sem CNPJ, que tinham sido impactados fortemente no segundo e terceiro trimestres de 2020, voltaram a crescer desde então e hoje totalizam 19,2 milhões de pessoas, praticamente o mesmo nível registrado no segundo trimestre de 2019 (19,3 milhões). Esse grande volume dos sem CNPJ reascende a discussão sobre a situação de vulnerabilidade dos postos de trabalho no Brasil, pois esses trabalhadores não possuem proteção social, muitas vezes estão em contextos socioeconômicos desfavoráveis e são mais suscetíveis às oscilações da economia. Portanto, o mercado de trabalho está se recuperando, mas a qualidade dos postos de trabalho ainda se revela um grande desafio que precisa ser enfrentado.
Analisando como os Conta Própria estão distribuídos geograficamente (Figura 2.A), nota-se que as regiões Sudeste e Nordeste têm a maior quantidade de trabalhadores nessa categoria, com 10,5 milhões e 6,5 milhões, respectivamente. O Sul e o Sudeste são as regiões com as maiores parcelas de Conta Própria com CNPJ. Contudo, é mais apropriado analisar a relevância desse grupo em relação a população ocupada. Sob essa perspectiva, o Norte e Nordeste têm mais de 30% da população ocupada trabalhando por Conta Própria (Figura 2.B). Além disso, a maior parte desses trabalhadores não tem CNPJ, no Norte, por exemplo, 90,8% dos conta-própria não têm CNPJ.
Outra importante característica diz respeito a composição gênero-racial. Observa-se que os autônomos sem CNPJ são compostos majoritariamente por homens pretos/pardos enquanto os com CNPJ são predominantemente homens brancos/amarelos. No terceiro trimestre de 2021, as participações desses grupos chegaram a 40,6% e 36,7%, respectivamente (Figura 3). A quantidade de trabalhadores Conta Própria sem CNPJ reduziu consideravelmente na pandemia, com destaques para mulheres negras, que tiveram uma redução de 21%. Contudo, no último ano o nível tem voltado a se aproximar do verificado no 3º trimestre de 2019.
Também se observa que entre o terceiro trimestre de 2020 e 2021 houve aumento de mulheres negras trabalhando por Conta Própria com CNPJ, apresentando um crescimento de 42% e atingindo o maior nível da série histórica, com 920 mil pessoas. Contudo, as mulheres negras atualmente representam apenas 14,8% de todos os Conta Própria com CNPJ, enquanto entre os sem CNPJ, esse percentual é 18,3%.
Os sem CNPJ são, em média, menos escolarizados do que os com CNPJ. Como a pandemia impactou mais intensamente os menos escolarizados, a participação dos sem CNPJ com menos que ensino médio completo caiu 4,3 p.p. no período 2019.T3-2020.T3, reduzindo sua participação de 58% para 53,7%. Ainda assim, mais da metade dos sem CNPJ permanecem não tendo ensino médio completo. Atualmente, a participação desse grupo não voltou ao patamar pré-pandemia pois tem ocorrido o aumento do número de pessoas com ensino médio e superior completo trabalhando por Conta Própria sem CNPJ. Já entre os com CNPJ, ocorreu aumento de trabalhadores tanto com ensino médio completo quanto superior completo. Nesse grupo, apenas 26,7% dos trabalhadores não têm ensino médio completo.
A escolaridade tende a estar associada com o tipo de trabalho que os indivíduos realizam e seus salários. Atualmente, 10,3 milhões dos Conta Própria sem CNPJ (53,7%) possuem menos do que ensino médio completo e quase a totalidade desses trabalhadores estão em posições de baixo valor agregado. Por exemplo, 23,3% deles são agricultores e trabalhadores qualificados da agropecuária, 17,9% são trabalhadores e operários da construção civil e 14,2% são vendedores. Entre os Conta Própria com CNPJ há predominância de pessoas com ensino médio completo (42,3%), concentradas nas ocupações de vendedores, serviços pessoais e de cuidados pessoais, e com ensino superior (30,9%), que são em sua maioria profissionais das ciências intelectuais.
Como pode ser visto na Figura 5, desde o início da série os sem CNPJ têm ganhado menos da metade do que os com CNPJ. No 3º Trimestre de 2021 essa diferença foi de R$ 1.897.
Por fim, os dados da PNAD mostram um crescimento expressivo de trabalhadores por Conta Própria com CNPJ, sinalizando que mais pessoas no país estão buscando empreender. Contudo o aumento dos sem CNPJ merece atenção, uma vez que representam 76% de todos os Conta Própria e 48% de todos os informais. Esse grupo é composto principalmente por homens pretos/pardos e é caracterizado por trabalhadores com nível educacional baixo, que atuam em atividades de baixa produtividade e apresentam remunerações abaixo da média.
[1] Desde 2015 a PNADC/IBGE passou a distinguir os trabalhadores conta própria com e sem CNPJ.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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