Macroeconomia

A estratégia do Fed: Powell em Jackson Hole

11 set 2018

Todos aqueles que se interessam pelo futuro da inflação e dos juros de política monetária nos Estados Unidos tendem a se beneficiar de esclarecimentos sobre a estratégia de política posta em prática pelo banco central daquele país. Na abertura do simpósio de Jackson Hole deste ano, ocorrido no final de agosto, Jerome Powell, chairman do Fed, não poderia ter sido mais explícito acerca das linhas gerais que aparentemente norteiam as ações da organização que dirige.  

Como o próprio Powell assinala, quem primeiro procurou organizar uma linha de pensamento definidora dessa estratégia foi Alan Greenspan, em seu discurso de abertura do encontro de Jackson Hoje do ano de 2003, cujo tema central era “política monetária sob incerteza”. Antes de examinarmos a situação norte-americana atual talvez possamos recuar um pouco no tempo, de maneira a facilitar o entendimento da linha de raciocínio originariamente exposta por Greenspan, quinze anos atrás, aparentemente encampada pelos atuais dirigentes do Fed.

A ideia central resume-se em reconhecer que a condução da política monetária envolve “elementos cruciais de administração de risco”, processo que exige o entendimento das muitas fontes de risco e incerteza enfrentadas pelos formuladores de política e, sempre que possível, a quantificação de tais riscos. E envolve ainda, dados esses riscos, a definição de uma estratégia de política voltada para a maximização da probabilidade de se conseguir a estabilidade de preços e o mais rápido ritmo de crescimento econômico sustentável, ao longo do tempo.

O enfoque parece particularmente útil diante de situações relacionadas com eventos de baixa probabilidade, mas com poder de produzir grandes estragos. A ilustração oferecida por Greenspan diz respeito ao default da Rússia em 1998. Embora na época a economia americana apresentasse bom desempenho, sem qualquer necessidade de receber estímulo extra, o Fed optou por reduzir a taxa básica de juros, temendo efeitos adversos, mas pouco prováveis, que poderiam advir do referido episódio. Greenspan menciona também as baixas taxas de juros do início dos anos 2000, opção que pareceu adequada diante da ameaça de deflação. A probabilidade desse evento era baixa, mas o potencial de estrago (caso se materializasse) era enorme. Melhor fazer uma espécie de seguro.

Observe-se também, como assinalado pelo próprio Greenspan, que, de modo geral, são poucos os fatores de risco passíveis de serem quantificados com algum grau de confiança. Mesmo nesses casos, o passado é sempre a referência, expediente que não parece plenamente satisfatório. Muitas vezes, o formulador de política defronta-se com incerteza do tipo Knightiana, ou seja, aquela com relação à qual sequer conhecemos o conjunto completo de possibilidades, para não falar das probabilidades de cada uma. Nesses casos, inexiste alternativa à atribuição de probabilidades com base no julgamento das pessoas envolvidas no processo decisório. (Para uma análise mais extensa sobre a era Greenspan e seu original approach, ver livro de nossa autoria, Política Monetária: Ideias, Experiência e Evolução, Editora FGV, 2010, pp.  362-381).

De volta ao recente discurso de Powell, o atual chairman do Fed assinala que a necessidade de recorrer ao enfoque que ficou conhecido por “administração de risco” nunca se mostrou tão nítida. E a razão principal tem a ver com o fato de que os níveis de variáveis-chave para os condutores da política monetária, como a taxa natural de desemprego (u*) e a taxa real neutra de juros (r*), não são observáveis, sendo apenas calculados, com boa dose de imprecisão. Na verdade, a evidência empírica mostra que estimativas de u* em tempo real estão longe de constituir bons guias de política. Além disso, é notório que, nos últimos anos, as economias dos Estados Unidos e de outros países avançados têm experimentado expressivas mudanças estruturais, tornando ainda mais difíceis as estimativas das referidas variáveis-chave.

“Os riscos de perceber incorretamente os [‘verdadeiros’] níveis dessas variáveis desempenham [atualmente] papel proeminente nas deliberações do FOMC”, assegura Powell. O chairman do Fed ressalta então a conveniência de se respeitar o conhecido princípio de Brainard, segundo o qual quando não sabemos direito o que estamos fazendo, o correto é proceder com cautela redobrada.

Mais especificamente, diante da situação atual, os ajustes na política monetária precisam ser conduzidos de maneira a evitar dois tipos de erro: agir rápido demais e com isso provocar um desnecessário encurtamento da fase de expansão econômica, de um lado, e mover-se de maneira excessivamente lenta, capaz de produzir um desestabilizador aquecimento da economia, de outro.   

Por certo, dentre essas duas possibilidades, o primeiro tipo de erro parece bem mais preocupante, no sentido de que eventual interrupção do atual ciclo de expansão econômica pode ser visto como representativo de um grande estrago. E a razão para isso tem a ver com as enormes dificuldades que o Fed teria para acionar instrumentos capazes de combater eficazmente um novo quadro recessivo. Tais dificuldades dizem respeito, primeiramente, às controvérsias geradas pelo recurso, no passado recente, a um programa de compra de ativos financeiros, conhecido por QE. Recorrer novamente a esse mecanismo provavelmente provocaria reações políticas contrárias, para não falar de acirradas discussões acerca da eficácia do instrumento. Mais importante, porém, talvez seja o fato de que, no combate às últimas recessões enfrentadas pela economia americana, foi preciso reduzir a taxa básica de juros em cerca de 500 pontos, na média. No momento, o Fed não dispõe nem de metade dessa munição.

Diante de tudo isso, e dada a inexistência de sinais concretos de que a inflação vai de fato subir, é possível concluir que o FOMC continuará agindo não apenas de maneira cautelosa, mas, principalmente, tomando o máximo de cuidado para não errar a mão no sentido de provocar recessão. Em poucas palavras, parece fazer mais sentido imaginarmos uma política branda de ajuste de taxa de juros do que uma política mais agressiva.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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José Alfredo Lamy
IBRE

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