EUA: pouso suave enquanto o choque tarifário não chega

A economia americana continua em sua trajetória de pouso suave, que era o cenário mais provável antes das turbulências geradas pelas políticas anunciadas no Dia da Liberação (o dia de anúncio do tarifaço de Donald Trump)
O consenso é que o choque tarifário produzido por Trump será desinflacionário. Haverá, em função das incertezas, redução do investimento, que diminuirá a demanda agregada mundial e, com ela, o crescimento da economia em 2025. De fato, o FMI, em resposta ao choque tarifário, reduziu sua previsão de crescimento da economia mundial de 3,3% para 2,8%, uma queda de 0,5 ponto percentual (pp).
Para a economia americana, espera-se que haja redução do crescimento econômico e elevação da inflação, um cenário de estagflação.
No primeiro trimestre, a economia dos EUA recuou 0,2% essencialmente em função da forte antecipação de importações. As importações líquidas contribuíram com -4,9pp para aquele resultado, e a acumulação de estoques com 2,6pp. Já a demanda agregada interna, a soma do consumo e investimento, público e privado, contribuiu com 2pp percentuais para o crescimento. Todas as taxas consideradas na coluna são anualizadas.
Segundo o acompanhamento da atividade americana conduzido pela unidade do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) de Atlanta, o crescimento da economia no segundo trimestre tem sido forte, na casa de 3,8%. Esse
crescimento forte tem sido a reversão do que foi observado no primeiro trimestre. Se, no primeiro trimestre, houve forte antecipação das importações, agora ocorre forte queda das importações. De sorte que a demanda externa, que tirara 4,9pp, agora adiciona 2pp, e a acumulação de estoques, que adicionara 2,6pp, agora retira 0,7pp. A demanda doméstica está relativamente estável. Segundo o acompanhamento do Fed Atlanta, tem adicionado no segundo trimestre 2,5pp, ou seja, 0,5pp a mais do que os 2pp com que contribuíra no primeiro trimestre.
Se o acompanhamento do Fed de Atlanta estiver correto, a economia americana rodou no primeiro semestre ao ritmo de 1,8% ao ano, não muito distante do seu crescimento potencial. Por enquanto, não há sinais de que a desaceleração tenha chegado.
O mercado de trabalho também tem indicado que a economia americana continua forte. Em maio, foram criados 139 mil novos empregos, acima do consenso de 125 mil. A taxa de desemprego continua constante em 4,2%. Nos últimos 12 meses, a taxa de desemprego tem oscilado entre 4% e 4,2%. Do ponto de vista das quantidades, não há sinais claros de enfraquecimento do mercado de trabalho.
Para salários, o acompanhamento do Fed de Atlanta, a melhor estatística da temperatura do mercado de trabalho do ponto de vista dos preços, aponta um longo processo de desaceleração, após o pico em meados de 2022. Com a série terminada em abril, os salários por hora têm crescido a 4,3% ao ano, 1pp acima do que se considera o equilíbrio de longo prazo. O pico, em agosto de 2022, foi de 6,7%. A grande vantagem do acompanhamento dos salários do Fed Atlanta é que a composição da força de trabalho é mantida constante. Ou seja, mudança de remuneração fruto de alteração da composição da força de trabalho – por exemplo, em uma crise o salário médio pode crescer pois
os trabalhadores desqualificados perdem emprego com mais facilidade – não é considerada.
Para a inflação, ainda não há sinais do choque tarifário. No entanto, o acompanhamento de curto prazo feito pelo economista Alberto Cavallo e colaboradores sugere que já está ocorrendo algum repasse. Com o tempo esses repasses deverão aparecer nos indicadores regulares de preços.
O que temos visto, portanto, é que a economia americana continua em sua trajetória de pouso suave, que era o cenário mais provável antes das turbulências geradas pelas políticas anunciadas no Dia da Liberação (o dia de anúncio do tarifaço). A maior resiliência da atividade, com os sinais iniciais de que tem havido repasse tarifário, apesar de este ainda não deixar marcas muito visíveis nos índices oficiais de preços, indica que o Fed pode aguardar os fatos antes de retomar o ciclo de queda da taxa básica de juros. Novos cortes devem vir no final do ano.
Esta é a coluna Ponto de Vista, da Conjuntura Econômica de junho de 2025.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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