Macroeconomia

Governo deve interpretar a segunda onda no exterior

12 nov 2020

Ao longo das últimas semanas vários países europeus adotaram medidas restritivas em função da segunda onda de coronavírus. O número de novos casos é muito superior ao que observamos na primeira onda, mas o número de internações hospitalares e mortes, por sua vez, crescem mais lentamente. As medidas restritivas adotadas até o momento são menos agressivas caracterizando, por enquanto, maior preocupação com suas repercussões econômicas. Isso também reflete as características estatísticas da segunda onda e o aprendizado dos últimos meses.



Fonte aqui.

O primeiro aprendizado é político. Líderes políticos que trataram a crise de forma objetiva e com comunicação clara foram mais bem-sucedidos. No Brasil, algumas pesquisas mostram que o distanciamento social foi menos efetivo nas regiões com maior apoio ao Presidente da República[1]. Nos EUA, o número de internações por ingestão de produtos de limpeza aumentou quando o Presidente Trump recomendou esse tipo de tratamento. A Suécia adotou a política de imunização de rebanho e o governo admitiu que a estratégia foi equivocada.

A eleição norte-americana foi bastante influenciada por esse tema e a vitória de Joe Biden deve mudar a abordagem dos EUA em favor de um tratamento mais direto do tema com apoio a medidas mais restritivas. Essa ação isolará politicamente os países com abordagem negacionista da pandemia. Os países que adotam novas medidas restritivas, por sua vez, agem de forma precavida ao invés de reagir apenas com a perspectiva de sobrecarga do sistema hospitalar.

O segundo aprendizado é médico e epidemiológico. A segunda onda possui maior taxa de incidência sobre os mais jovens que possuem menor taxa de mortalidade. Os protocolos médicos, por sua vez, são mais eficientes e os procedimentos estão melhor estabelecidos. A testagem é mais disseminada e os casos são identificados mais rapidamente e encaminhados para tratamento. Ainda não se sabe muito sobre o funcionamento do sistema imunológico uma vez que as pesquisas apontam dúvidas a respeito da capacidade de produção de anticorpos em indivíduos que já foram infectados, o que indica que a situação só será normalizada com vacina. Ainda existe muita dúvida sobre o papel do clima nas contaminações. Se ele for preponderante, a segunda onda pode demorar um pouco para chegar no Brasil.

O terceiro aprendizado é de natureza social e econômica, pois estão sendo utilizadas evidências que permitem a adoção de políticas mais eficientes para a travessia da crise e que fundamentam o uso de medidas menos restritivas. Nesse caso, é importante separar as medidas de gestão do distanciamento social e as medidas de apoio à economia.

As novas restrições não atingiram as escolas porque não há indícios de aumento da contaminação com a reabertura. Uma equipe multidisciplinar tem acompanhado milhares de escolas nos EUA e as indicações são de que a adoção de alguns protocolos tem sido suficiente para conter as contaminações. As medidas mais utilizadas são: uso de máscaras, revezamento entre aulas presenciais e à distância, aumento da ventilação nas salas, maior espaçamento entre alunos e redução do tamanho das turmas[2].

Principais estratégias de mitigação nas escolas norte americanas

Fonte: School COVID-19 Response, dashboard.

 

O monitoramento completo da evolução de casos nas escolas norte americanas pode ser feito aqui.

O Brasil deveria produzir acompanhamento análogo com maior cooperação entre os entes governamentais. A produção e a disseminação de conhecimento são práticas importantes para a célere adoção de medidas eficientes. É importante passar segurança para os profissionais de educação que têm judicializado o retorno às aulas e pais receosos de colocar seus filhos em risco. Nas Universidades o número de casos aumentou consideravelmente com o retorno das aulas. Nesse caso, as aulas foram interrompidas e o ensino remoto voltou a ser utilizado em grande escala.

As medidas de suporte econômico também têm sido revistas. Na Inglaterra, o governo subsidiou o consumo de refeições em restaurantes nos dias de menor movimento para estimular o setor[3]. No Japão, o governo financia descontos em hotéis para estimular o turismo[4]. As evidências apontam que as medidas de estímulo a consumo dos setores mais afetados pode ter elevado as contaminações e contribuído com a segunda onda.

As medidas de estímulo ao consumo não são eficientes se elas forem responsáveis por adiar uma reestruturação econômica em função de mudanças comportamentais da sociedade. A melhor alternativa parecer ser o apoio creditício para que as empresas possam se reestruturar, se adaptar diferenciando seus produtos e criando serviços mais adequados às novas circunstâncias. As evidências existentes indicam que os programas de crédito têm sido importantes para estimular o emprego e manter a saúde financeira principalmente das pequenas empresas[5].

O aspecto mais problemático, por enquanto, é a menor aceitação de determinados grupos populacionais que tem se manifestado contra a nova onda de restrições. O papel da liderança política, portanto, será ainda mais importante enquanto a vacina não chega. Por aqui, a gestão governamental não deve esperar por uma 2ª onda porque ainda estamos controlando a primeira, mas deve interpretar o que está ocorrendo para oferecer uma resposta mais adequada. O desafio é grande e existe muito aprendizado que deve ser aplicado, mas que antes precisa ser conhecido.

Versão ampliada do original publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 11/11/2020, quarta-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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