Macroeconomia

A grande e persistente discriminação de gênero no mercado de trabalho brasileiro

8 mar 2019

Hoje, dia 08/03/2019, é celebrado o trigésimo quarto Dia Internacional da Mulher, a partir de uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa data tem como objetivo demarcar as conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, tanto como lembrança como quanto metas para o futuro, como, por exemplo, o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definido pela igualdade de gênero e empoderamento de todas as mulheres e meninas.

A igualdade de gênero não é apenas uma meta de justiça de social: ela também promove o crescimento econômico, na medida em que incorpora mulheres no mundo produtivo e criativo, gerando mais renda e riqueza para toda população. Os países desenvolvidos são também os de menores desigualdades e discriminação de gênero – e a causalidade vai pelos dois lados.

O Brasil, no entanto, ainda tem muito a fazer para cumprir as metas da ODS 5, cujo prazo é o ano de 2030. Como se vê pelo Mapa abaixo, ainda que as mulheres sejam hoje em média mais escolarizadas do que os homens (nos colocando em melhor posição do que muitos países da Ásia e África neste quesito), nossa desigualdade de renda e desemprego entre homens e mulheres –, com vantagem para os primeiros, ainda é impressionantemente expressiva na maioria dos Estados.

Desigualdades de Gênero no Brasil por Unidade da Federação (4Tri/2018)

Fonte: PNADC

Se a fotografia assusta, o filme também não é muito animador. Ainda que com avanços na desigualdade de desemprego e renda nos anos de 2012 a 2015, em seguida não há grande melhora até o último dado da série, no último trimestre de 2018. De fato, não há aparente grande tendência de convergência dos indicadores de mercado de trabalho entre homens e mulheres.

Fonte: PNADC

Sobre o gap salarial e ocupacional de gênero, é claro que a renda do trabalho e a probabilidade de estar desempregado dependem de diversos fatores que podem se distinguir entre homens e mulheres, como educação, experiência, região etc... A própria oferta de trabalho das mulheres é extremamente influenciada pela presença de filhos ou não, além de outros fatores como idade. Portanto, pode-se dizer que há um componente “explicado” e um componente “não explicado” da desigualdade de gênero, sendo este último atribuído a alguma forma de discriminação no mercado de trabalho.

Estimar quanto se discrimina o trabalho de mulheres é sempre uma tarefa muito complexa. Uma das formas mais tradicionais é o uso da decomposição de Oaxaca-Blinder, na qual, a partir de um grupo de variáveis explicativas da renda, estima-se quanto do diferencial entre dois grupos é devido à diferença entre estas variáveis e quanto “sobra” deste diferencial, sendo esta a parte não explicada, atribuída à discriminação.

Com a PNAD Contínua é possível realizar essa decomposição de Oaxaca-Blinder para o último trimestre de cada ano desde 2012 até 2018, de modo a estimar a evolução do componente não explicado da desigualdade de renda. Como variáveis explicativas, são utilizados os anos de estudo, a experiência, a região, a cor/raça, o tipo de cidade (se capital ou região metropolitana e rural ou urbano) e as horas trabalhadas. Com o chamado ajuste de Heckman, também são levados em consideração os fatores que levam as mulheres a participar ou não do mercado de trabalho, como filhos, condição de responsabilidade pelo domicílio, idade e tipo de cidade.

Mais alguns cuidados podem ser tomados. Para incluir as desigualdades de probabilidade de estar ocupado, são incluídos os desempregados, para os quais é imputado um rendimento do trabalho de valor zero. Além disso, para estimar os coeficientes em termos de percentual, a renda do trabalho é convertida para o logaritmo natural, antes adicionando o valor de 1 para todos os rendimentos, de modo a incluir aqueles que eram zerados.

O Gráfico abaixo sumariza os resultados dessa decomposição. Como se vê, o componente explicado da desigualdade de gênero na verdade atua em direção favorável às mulheres em 10%. Esse resultado indica que estas possuem em média maior capacidade produtiva dos que os homens (como visto anteriormente, elas são mais escolarizadas, por exemplo). O componente não explicado, no entanto, compensa desproporcionalmente essa diferença em favor dos homens, chegando a 40% entre 2012 a 2014, e cerca de 35% entre 2016 e 2018.

Fonte: PNADC

Além disso, o Gráfico mostra que o componente não explicado é relativamente constante ao longo do tempo, em torno de -10% (aumenta um pouco em termos absolutos apenas entre 2015 e 2016, quando muitas mulheres entraram no mercado de trabalho para aumentar a renda das famílias diante da crise). Já o componente não explicado cai entre 2012 e 2016, mas se mantém constante nos dois anos seguintes. Como visto anteriormente, o período recente, portanto, não parece ser muito favorável à equidade de gênero, principalmente por um componente não explicado pelas características produtivas, que pode ser atribuído à discriminação no mercado de trabalho.

Há algumas hipóteses pelas quais não estaríamos mais em uma tendência de queda desse componente não explicado da diferença de renda do trabalho entre homens e mulheres. A teoria relativa ao assunto prevê que, em períodos de mercado de trabalho mais fraco, há um aumento da discriminação entre grupos, uma vez que o custo de discriminar dos empregadores se reduz.  Com uma taxa de desemprego superior a 12% a partir de 2016 e renda média praticamente estagnada em relação a 2014, essa hipótese parece fazer sentido para explicar esse movimento.

São grandes os desafios do Brasil, portanto, para o cumprimento do quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Se, por um lado, já damos às mulheres as condições para que elas sejam tão ou mais produtivas que os homens, por outro ainda há fatores no mercado do trabalho que as fazem ter maior desemprego e menor renda, mesmo com características semelhantes ou até melhores com relação aos seus pares do sexo masculino. Voltar a crescer e reduzir o gap de gênero na economia, como visto, são objetivos conjuntos e devem ser buscados por toda sociedade. Feliz Dia Internacional da Mulher!


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

André Victor

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.