Igualdade de gênero traz benefícios também para a economia
O aumento da participação das mulheres na força de trabalho foi uma das maiores revoluções ocorridas na economia de inúmeros países nos últimos 50 anos. No Brasil, por exemplo, a proporção de mulheres no total de pessoas ocupadas cresceu de 19,8% para 41,7% entre 1970 e 2020. O crescimento da participação das mulheres na força de trabalho foi ainda maior em ocupações de alta qualificação, passando de 8,3% para 53,6% nas últimas cinco décadas quando consideramos as cinco ocupações com maiores salários na economia. Para se ter uma ideia, em 1970, apenas 18% dos médicos e dentistas e 9% dos advogados eram mulheres. Em 2020, a fração de médicas e dentistas subiu para 72% e a de advogadas para 46%. Padrão semelhante também é observado em outras ocupações de alta qualificação nas últimas décadas, como engenharia e ciências em geral.
Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1970-2010 e PNADC de 2020 (primeiro trimestre). A amostra é restrita para mulheres entre 25 e 55 anos vivendo em áreas urbanas e trabalhando em tempo integral. A linha azul indica a participação das mulheres em todas as ocupações da economia, a laranja a participação nas cinco ocupações com os maiores salários e a linha cinza a participação das mulheres nas 10 ocupações com maiores salários.
A maior presença das mulheres, especialmente em cargos de maior qualificação, é geralmente associada às lutas pela igualdade de direitos e é comumente vista como uma questão de justiça. Mas esse grande passo dado pelas mulheres também pode gerar ganhos importantes para o crescimento da economia. Isso ocorre por uma razão muito simples: se acreditamos que os talentos e habilidades das pessoas não são determinados pelo gênero, o eficiente é escolher a melhor pessoa para cada trabalho e não o melhor homem. Dito de outra forma, a existência de barreiras à entrada de mulheres no mercado de trabalho acaba por gerar desperdício de mulheres talentosas na economia. Em 1970, era improvável que uma mulher com aptidão para medicina conseguisse se formar médica e, mesmo que ela se formasse, dificilmente se tornaria uma profissional reconhecida, por mais talentosa que fosse.
Diversas barreiras na nossa sociedade impedem as pessoas de escolherem exatamente aquilo no que elas são boas. As barreiras de entrada podem ser do próprio mercado de trabalho, como a discriminação na contratação de uma mulher, por exemplo, ou barreiras prévias, como a falta de acesso a uma educação de qualidade e as normas sociais que dificultam que as mulheres escolham determinadas profissões.
Ainda hoje, poucas mulheres descreveriam o mercado de trabalho brasileiro como um ambiente particularmente igualitário. De toda forma, essa grande mudança nos últimos 50 anos evidencia uma redução de barreiras às mulheres, algo que os economistas chamam de redução nas distorções. E, de forma geral, ela pode trazer muitos benefícios para a economia. Pesquisa publicada em um importante periódico americano (aqui) estima que pelo menos 20% do crescimento do produto por trabalhador nos EUA, entre 1970 e 2010, pode ser atribuído à entrada de mulheres brancas, mulheres pretas e homens pretos em profissões mais qualificadas.
O aumento significativo da participação das mulheres no mercado de trabalho foi acompanhado por diminuição da diferença de salários relativos. Contudo, a diferença continua substantiva, especialmente em ocupações que pagam os maiores salários. Considerando todas as ocupações da economia, os salários relativos das mulheres passaram de 50% para 81% em todas as ocupações da economia. Isso significa que para cada 1 real recebido por um homem, as mulheres recebiam apenas metade em 1970 e passaram a receber 80 centavos em 2020. Já em ocupações de maior qualificação, as mulheres mais qualificadas passaram de 56% do salário dos homens em 1970 para apenas 67% em 2020. Ou seja, em média, para cada 1 real pago aos homens, uma mulher em ocupações similares recebia apenas 67 centavos em 2020.
Elaboração própria a partir dos dados dos Censos Demográficos de 1970-2010 e PNADC de 2020 (primeiro trimestre). A amostra é restrita para mulheres entre 25 e 55 anos vivendo em áreas urbanas e trabalhando em tempo integral. A linha azul indica a participação das mulheres em todas as ocupações da economia, a laranja a participação nas 5 ocupações com os maiores salários e a linha cinza a participação das mulheres nas 10 ocupações com maiores salários.
Apesar dos avanços, ainda existem questões importantes sobre a inserção das mulheres no mercado de trabalho. De um lado, as diferenças salariais sugerem que, apesar de todo o progresso, uma vez no mercado de trabalho, mulheres ainda enfrentam barreiras para conseguir salários parecidos com os dos homens. Por exemplo, mulheres enfrentam barreiras ao desenvolvimento de suas carreiras e liderança associadas a fatores como a dupla jornada com as tarefas domésticas e cuidados com a família, culturas organizacionais de promoção baseadas em normas e critérios de avaliação masculinos e vieses inconscientes e estereótipos de gênero que dificultam a progressão na carreira.
De outro lado, a recessão decorrente da COVID-19, diferente de recessões comuns, pode ter afetado desproporcionalmente as mulheres, particularmente as mães. Tanto pelo lado de fatores associados à demanda – como a representação desproporcional das mulheres no setor de serviços mais vulneráveis à pandemia – quanto fatores de oferta, como, por exemplo, o fechamento das escolas. Mesmo quando a pandemia recuar com o avanço da vacinação, alguns dos seus impactos sobre o mercado de trabalho podem ser persistentes, e políticas públicas serão necessárias para impedir que a pandemia gere retrocesso nos ganhos das mulheres no mercado de trabalho.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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