Macroeconomia

Imerso em crise institucional e fiscal, país está à deriva

28 set 2021

Mesmo com incontestáveis avanços a partir da LRF, fragilidade do arcabouço fiscal é acentuada por inúmeras tentativas de mudá-lo. Criamos (e alteramos) regras ao sabor do vento, para contratar (ou manter) compromisso que só visão de Estado de longo prazo poderia sustentar.

Um navegante à deriva atraca em território brasileiro e, curioso sobre o ano em que se encontra, trata logo de conseguir um jornal após longo tempo em alto mar. O navegante é um cidadão brasileiro que partira no início dos anos 2000 e cuja memória perfeita o faz lembrar da então recente aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre as manchetes do jornal, seus olhos rapidamente identificam inúmeras menções às diferentes crises que nos acometem e ele se surpreende que a fiscal seja uma delas. Sua lembrança fresca do novo código de conduta que a LRF implementara não lhe deixa entender o complexo contexto de descontrole que – pasmem – ainda acomete as finanças públicas desse país. Conversando com o jornaleiro, ele descobre que a irresponsabilidade fiscal nunca nos abandonou. Pelo contrário. Apesar dos incontestáveis avanços em matéria de administração pública e, inclusive, de novas regras fiscais no arcabouço legal, ele descobre que a falta de compliance com as mesmas é cada vez mais a norma nas três esferas de governo. Ele reconhece que o desequilíbrio fiscal não poderia ter chegado a tal ponto sem uma profunda crise nas instituições desse país e lamenta o custo dessa situação para o desemprego, a inflação e o crescimento econômico.   

Ainda que não faltem regras fiscais visando coibir práticas imprudentes e promover a sustentabilidade financeira governamental, pecamos em não promover o seu necessário enforcement. Em que pese a validade técnica de cada uma dessas normas, há de se concordar que todas carregam um componente em comum – raramente são cumpridas à risca. Criamos (e alteramos) regras ao sabor do vento, a fim de contratar (ou manter) um compromisso que apenas uma visão de Estado de longo prazo seria capaz de sustentar.  De pouco adianta que regras – a priori, estruturais – fiquem sujeitas à adaptações conjunturais, como no caso no teto de gastos. Muito menos ajuda que as instituições responsáveis pelo orçamento não priorizem a sociedade em vez de interesses próprios, fazendo uso de manipulações contábeis para artificialmente cumprir metas e respeitar limites constitucionais.

Isso sem considerar que alguns desses limites nem sequer saíram do papel. A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 52, atribui ao Senado Federal competências privativas, dentre elas, no inciso V, o poder para fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada de cada nível de governo. O comando constitucional foi reiterado pelo Art. 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer um prazo de noventa dias após a publicação da Lei para a submissão de proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios. Definido em duas vezes a Receita Corrente Líquida (RCL) para os Estados, o limite ainda carece de regulamentação no caso da União.

O cenário não é muito mais animador no caso das regras que efetivamente foram implantadas. O Art. 19 da LRF estabelece que a despesa com pessoal dos Estados e do Distrito Federal não deve ultrapassar 60% da RCL. Ocorre que, na ausência de uma padronização para a apuração desse limite, a metodologia de cálculo da despesa de pessoal varia entre os entes. Assim, o limite de gastos com pessoal, por diversas vezes, é desrespeitado ao desconsiderar do cômputo total importantes rubricas como gastos com aposentados e pensionistas, o IRPF dos servidores e outras obrigações patronais, manobra que conta inclusive com o aval dos tribunais de contas estaduais.[1]

Leia aqui o artigo completo na versão digital do Boletim Macro.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Em uma recente simulação, a STN verifica que, caso todos os Estados utilizassem a metodologia do Tesouro Nacional, somente Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Piauí e Rondônia conseguiriam respeitar o “limite de alerta” (90% do limite definido na lei, ou seja, 54% da receita corrente líquida) - https://bit.ly/3nxjnmx

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