Política Monetária

Incertezas fiscais e projeções de inflação podem inviabilizar Selic abaixo de 10%

27 set 2023

Pré-anúncio de quedas de 50 pontos da Selic foi decisão conservadora. Mais relevante que discutir eventual aceleração é buscar saber até onde BC levará ciclo de baixa. Parece alta a chance de parar antes de  Selic chegar a 10%.

A decisão do Copom de dar início ao ciclo de baixa da taxa Selic gerou significativo grau de controvérsia. De um lado, há os que entenderam que o Banco Central afrouxou a política monetária em grau superior ao previamente sinalizado. Em lugar dos 25 pontos de queda largamente previstos, e compatíveis com as referências oficiais à cautela, parcimônia e outras expressões de cunho semelhante, o primeiro movimento do novo ciclo foi de 50 pontos. De outro lado, há os que prestaram mais atenção à trajetória da taxa Selic traçada para “as próximas reuniões”, envolvendo 50 pontos de queda, a cada reunião do Copom. Sob esse ângulo, pode-se dizer que a decisão nada teve de “dovish”, como sugerido pelo movimento inicial de redução da Selic.

Estamos alinhados com a segunda interpretação. A nosso ver, vista em seu conjunto, a decisão do Copom foi conservadora. E a essência da opção escolhida pelo BC reside na definição da trajetória de juros para as próximas reuniões, e não no ritmo do ajuste inicial da taxa Selic. É preciso notar que, ao definir 50 pontos de redução dos juros em cada um dos encontros seguintes, o BC abandonou um princípio bastante caro aos banqueiros centrais da atualidade. Diante do elevado grau de incerteza hoje predominante mundo afora, não é recomendável recorrer a forward guidances para períodos relativamente longos. No máximo, cabem sinalizações a respeito das ações de política monetária esperadas para o encontro seguinte.

Até a última reunião do Copom, o Banco Central parecia estar de acordo com tal recomendação. Ao definir 50 pontos de queda para “as próximas reuniões”, porém, o BC se afastou desse princípio. Deixar de lado princípios caros, a quem quer que seja, não costuma ser uma boa prática. Quando isso ocorre, porém, há que ser por uma razão nobre. E, dessa vez, o motivo nobre estava presente. Era preciso dar um mínimo de disciplina ao ciclo de baixa dos juros.

Queda de juros é algo largamente desejável. Em toda parte. Somente os que vivem do resultado de aplicações financeiras, os chamados rentistas, têm apreço especial por juros altos. E, sendo assim, quanto mais cedo os juros caiam, melhor. Em outras palavras, sinais de início de ciclos de baixa de juros costumam gerar euforia. Em pouco tempo, os participantes de mercado formam expectativas de ritmo de queda mais acentuada dos juros. Na situação atual, logo se pensa em quedas de 75, ou 100 pontos, mais adiante.  

E por que motivo isso não seria do agrado do BC? Pelo simples fato de que expectativas no sentido mencionado prejudicariam, talvez até inviabilizariam, a condução da política monetária. Como a luta contra a inflação está longe de ter sido vencida, o BC não pode perder o controle sobre a sua política de juros.

Foi para manter um mínimo de controle sobre a trajetória futura dos juros que o BC definiu 50 pontos de queda daqui por diante. Foi uma decisão conservadora. E, mesmo assim, não falta quem especule sobre eventual aceleração desse ritmo de queda. Imagine-se como seria na ausência da sinalização dada pelo BC.

Do último Copom para cá, não foram poucas as manifestações públicas dos dirigentes do BC sobre o futuro da política monetária. Invariavelmente, eles enfatizam que a “barra está alta” para que seja viável acelerar o passo da queda.

A barra está alta não apenas pelas razões que têm sido destacadas pelos dirigentes do BC, mas também por outro motivo, sobre o qual pouco se tem falado. De acordo com as estimativas oficiais, as projeções de inflação encontram-se acima da meta de 3,0%. É bem possível que, no cenário básico do BC, a inflação projetada para 2024, por exemplo, esteja em 3,6%. A questão relevante, então, passa a ser: o que é possível esperar daqui para a frente.

Parece haver razoável grau de consenso de que o principal problema macroeconômico do Brasil de hoje reside na questão fiscal. Ao mesmo tempo, é notório que preocupações com o equilíbrio das contas públicas no Brasil costumam afetar tanto as expectativas de inflação, quanto a percepção de risco país, variável chave na determinação da trajetória do câmbio.

A propensão gastadora do governo atual é amplamente reconhecida. Ao mesmo tempo, o Legislativo não tem mostrado especial firmeza na contenção desse ímpeto gastador. De modo geral, para se ter uma ideia acerca do grau de preocupação com a questão fiscal, analistas e participantes de mercado costumam olhar para o comportamento do CDS.

Em meses recentes, o CDS de 5 anos, por exemplo, tem oscilado em patamar relativamente baixo, para padrões históricos. Em larga medida, isso tem acontecido em razão de um comportamento favorável dessa mesma variável para outros países emergentes. O problema com esse indicador é que ele parece particularmente útil como indicador de risco de default da dívida externa, negociada em dólar, mas possivelmente não tão relevante como indicador de preocupações com o equilíbrio das contas públicas domésticas. No caso brasileiro, o enorme volume de reservas internacionais de que dispomos seguramente dá um bom grau de conforto sobre nossa solvência externa.

Sendo assim, talvez seja o caso de buscarmos em outro lugar um indicador mais representativo das preocupações de mercado com o equilíbrio das contas públicas domésticas. Os juros reais das NTN-Bs, papéis emitidos do Tesouro, negociados em reais, no mercado doméstico, talvez reflitam melhor a percepção de risco fiscal dos agentes econômicos. Como é sempre difícil emitir juízo de valor com base nos níveis absolutos das taxas das NTN-Bs, bem como nos próprios níveis do CDS, reproduzimos no gráfico abaixo a evolução recente dessas duas variáveis, trabalhando com os desvios de cada observação com relação às suas respectivas médias.


Esta é a seção de Política Monetária do Boletim Macro Ibre de Setembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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