Revista Conjuntura Econômica
Construção

Inflação alta e desequilibrada reforça importância de fórmulas paramétricas nos contratos

12 jul 2022

As fórmulas paramétricas oferecem maior precisão na hora de corrigir os preços de contratos, com destaque para o setor de infraestrutura, diante da inflação elevada e assimétrica causada pelos diversos choques recentes.

Os principais índices de preços do país apontam não só o forte avanço da inflação, mas também seu espalhamento e persistência. Uma característica marcante da atual crise inflacionária são os grandes aumentos de preços de inúmeros insumos das mais diversas cadeias produtivas, que sobem acima da inflação média e em intensidades extremamente variadas. Além dos casos mais evidentes da energia elétrica e dos combustíveis fósseis, há componentes da construção, peças para veículos, grãos, outros suprimentos agropecuários etc.

Diversos fatores e choques recentes confluíram para esse fenômeno de inflação muito elevada e bastante assimétrica entre seus diversos componentes, como aponta André Braz, economista do FGV IBRE especializado em preços. Dentre essas causas, podem ser destacadas a pandemia (com desvio do consumo de serviços para bens e gargalos de oferta e logísticos espalhados pelo mundo), a crise hídrica no Brasil, a guerra entre Rússia e Ucrânia, as tensões eleitorais e as preocupações renovadas com as contas públicas.

A elevação recente muito intensa dos gêneros alimentícios e dos preços monitorados, como combustíveis fósseis e eletricidade, naturalmente tem grande impacto nos orçamentos domésticos, com destaque para as famílias mais pobres, com evidente efeito negativo em termos sociais.

Adicionalmente – e no que é o tema desta Carta –, o comportamento recente dos preços relativos tem provocado fortes e disseminados desequilíbrios contratuais na esfera pública e privada.  

No caso dos alimentos, podem ser citadas a merenda escolar e as compras para hospitais e presídios. Já a alta dos combustíveis fósseis atinge as despesas com frete e a geração de energia termoelétrica, e a eletricidade impacta a grande indústria, a prestação de serviços e a administração pública – para ficar apenas em alguns exemplos.

Tomando-se o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), setores importantes para a atividade produtiva experimentam grande pressão inflacionária específica nos seus custos, o que está aumentando a frequência de reajuste dos preços. Isso, por sua vez, faz prescrever em curto espaço de tempo preços de referência utilizados pelo poder público em suas licitações.

Esse problema afeta obras de infraestrutura, especialmente de transportes e saneamento, em todo o país, como relata Túlio Bastos Barbosa, Superintendente de Infraestrutura e Mercados Globais do FGV IBRE. A legislação que estabeleceu o Plano Real permite ajustes contratuais uma vez por ano, para evitar a volta da indexação, mas por vezes a inflação muito alta e assimétrica entre setores e produtos torna complicado para as empresas até esperar um ano entre um ajuste e outro.

O setor de infraestrutura sofre com esse tipo de elevação de preços em itens vitais na sua estrutura de custos, como óleo diesel, aço, PVC, cimento etc. Nos contratos de saneamento, por exemplo, costuma-se o usar o Índice Nacional do Custo da Construção (INCC) relativo a edificações. Mas num projeto de saneamento, por vezes o aço tem peso muito forte e variável, e altas pronunciadas neste ou noutros insumos decisivos na estrutura de custos podem provocar total desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos em tempo relativamente curto.

Outros exemplos relevantes são merenda escolar e refeições hospitalares. A compra da merenda é feita de forma descentralizada, em que cada diretor de escola tem orçamento fixo para o ano. No caso de elevações muito intensas de determinados produtos importantes na merenda escolar, fica impossível comprar a mesma quantidade de alimentos para o mesmo grupo de alunos, deixando as escolas numa situação muito difícil. Hospitais têm dificuldades similares.

Assim, o problema trazido aos contratos pela atual inflação, muito elevada e irregular entre seus componentes, afeta não só os negócios entre o setor privado, mas também o orçamento e a gestão do setor público.

Mas há um instrumento que pode trazer forte melhora da situação, como explicam Braz e Barbosa: as fórmulas paramétricas aderentes à natureza de cada setor, que servem como régua para detectar e medir eventuais desequilíbrios econômico-financeiros em contratos.

O equilíbrio econômico-financeiro pode ser buscado pelo uso dessas fórmulas paramétricas, a exemplo do que fazem diversas agências reguladoras. Institutos de pesquisa possuem bancos de dados com inúmeras séries capazes de dar suporte à produção de fórmulas paramétricas. Estas, por sua vez, permitem a diferentes setores estimar os efeitos da inflação sobre os preços de seus insumos.

Na FGV Dados, por exemplo, há mais de 23 mil séries de índices de preços, amplamente utilizadas – e com potencial de serem ainda mais empregadas – em fórmulas paramétricas que ajudam a buscar e manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos numa extensa gama de setores.

As fórmulas paramétricas consideram os insumos que impactam cada atividade produtiva ponderados por sua importância, que é estimada a partir dos custos desses produtos intermediários frente à despesa total. A fórmula mede quanto em média os insumos utilizados na estrutura produtiva variaram de preço, permitindo transferir essa informação aos contratos, para reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.

Alguns contratos têm índices de preços (IGP, IPCA, INCC, entre outros) como indexadores, mas dificilmente um indicador geral de preços cumprirá bem esse papel, dada a variedade de segmentos e estruturas produtivas na economia, cada uma afetada pelo comportamento dos preços de conjuntos de insumos específicos.

No setor de infraestrutura de transportes, observa-se amplo cardápio de índices de preços específicos patrocinado pelo DNIT e produzidos pelo FGV-IBRE. O DNIT conta hoje com 31 índices de preços específicos, permitindo ao setor reajuste justos e equilibrados para contratantes e contratados.

Para mostrar de forma mais concreta a importância para a administração pública e para a iniciativa privada das fórmulas paramétricas, Barbosa apresenta um exercício da construção hipotética de uma ponte ou viaduto para implantação de uma rodovia.

A suposição é de um projeto no Estado de São Paulo, em 2021, com vigas pré-moldadas, relevo ondulado, grande porte (30 metros de extensão por 12,8 de largura), BDI (benefícios e despesas indiretas) de 25,38% e desconsiderando transporte de insumos.

Nesse exercício específico, após a análise da estrutura de custos da obra, foram utilizados seis dos 31 índices de preços específicos disponíveis mencionados acima, que foram comparados com o INCC da FGV e com o IPCA do IBGE.

A fórmula paramétrica foi composta por sete índices, incluindo o INCC, com peso de 13,345%, e os outros seis mencionados, que fazem parte do Sistema de Custos Referenciais de Obras (SICRO) do DNIT: Mobilização e Desmobilização (peso de 0,664%), Administração Local (31,002%), Obra de Arte Especial (OAE, 54,311%), Pavimentação (0,440%), Sinalização Horizontal (0,091%) e Sinalização Vertical (0,127%). A soma dos pesos, naturalmente, é 100%.

Barbosa explica que, quando se aplica essa fórmula paramétrica para 2019, pré-pandemia (e sem guerra na Ucrânia no cenário) e com inflação previsível da ordem de 4% ao ano, o índice específico da obra hipotética, cuja decomposição foi apresentada acima, apresentou variação de 2,77%, comparado a 4,15% para o INCC e 4,31% para o IPCA.

Contudo, em 2021, em decorrência das consequências econômicas da pandemia, o comportamento daqueles índices mudou fortemente. O IPCA variou 10,06%; o INCC, 13,85%; e o índice da fórmula paramétrica da obra hipotética, 16,34%, pressionado principalmente pelo aço (OAE-SICRO-Aço, produtos de aço e ferro), que representa 20,39% do total da obra e apresentou alta de 32,94% no período.

O especialista observa que esse exercício demonstra a importância da escolha do índice que irá reajustar um contrato. Em 2019, o índice específico foi mais baixo que o INCC ou o IPCA, e seu emprego para recalibrar o contrato protegeria a administração pública de eventuais danos ao Erário.

Em 2021, entretanto, o mesmo índice protegeria a iniciativa privada de desequilíbrio econômico-financeiro que poderia inviabilizar a continuidade da prestação do serviço.

“Esse é um dos principais objetivos, previstos em lei, de se utilizar índices específicos – proporcionar uma régua, que garanta que o lucro pactuado entre as partes seja preservado até o final da prestação do serviço”, sintetiza Barbosa.

Por outro lado, o setor de saneamento não conta com uma ampla gama de índices de preços específicos, dificultando a criação de fórmulas paramétricas.

É possível entender esse problema com outro exemplo hipotético, de uma obra de saneamento para assentamento de tubos, na qual a mão de obra representa 25,58% do custo; equipamentos, 11,90%; e materiais, 62,52%. Nesse caso, o aço e o concreto apareceriam como vilões, pressionando o custo em 2021.

De forma semelhante ao ocorrido no setor de infraestrutura de transportes, uma fórmula paramétrica para essa obra de assentamento de tubo teria apresentado em 2019 alta de 2,20%, inferior à do INCC (4,15%) e do IPCA (4,31%).

Contudo, em 2021, haveria forte pressão do aço (INCC - vergalhão e arames de aço carbono) e do concreto (IPA-massa de concreto preparada para construção), que representam 21,30% e 11,82% do custo total da obra hipotética.

As altas de 44,68% e 12,39%, respectivamente, do aço e do concreto levariam a fórmula paramétrica a uma elevação de 22,10% em 2021, contra 13,85% do INCC e 10,06% do IPCA. Ou seja, mais uma vez, nesse segundo momento, a fórmula paramétrica protegeria as partes do desequilíbrio econômico financeiro do contrato, evitando eventual paralização e desmobilização da obra, com consequente aumento nos índices de desemprego.

Dada a especificidade de cada setor econômico, as fórmulas paramétricas oferecem maior precisão na hora de corrigir os preços pelos efeitos da inflação. Diante da atual onda inflacionária, levar as fórmulas paramétricas a uma proporção maior dos contratos é a melhor solução para dar continuidade com equilíbrio a obras e serviços, evitando interrupções e ajudando a manter a economia em movimento, neste momento particularmente difícil da conjuntura nacional.


Esta é a Carta do Ibre de julho/2022, publicada pela Conjuntura Econômica.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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