Tecnologia

Inteligência Artificial avança entre empresas brasileiras, mas uso expõe desafios

12 ago 2025

Há uma rápida disseminação da IA entre empresas brasileiras, com visão majoritariamente positiva dos impactos na produtividade. Mas persistem gargalos, e são necessárias políticas de estímulo à capacitação da força de trabalho.

Até meados da década passada, a chamada Quarta Revolução Industrial[1] era associada a quatro grandes tendências tecnológicas que vinham sendo observadas desde o início do século XXI: conexão total (internet das coisas e redes de alta velocidade), robótica avançada, digitalização de produtos e processos e Big Data.

Nos últimos anos, o avanço das tecnologias baseadas em Inteligência Artificial (IA) passou a ocupar um papel central nas discussões sobre os impactos das transformações tecnológicas correntes na economia e, em especial, no mercado de trabalho. A preocupação crescente com a IA decorre da flexibilidade de uso dessa tecnologia, que alcança um conjunto muito amplo de ocupações e tarefas de trabalho, inclusive aquelas de natureza cognitiva e não rotineira.

Segundo o relatório sobre Emprego da OCDE de 2023, o impacto da IA sobre o emprego em países desenvolvidos tem sido relativamente baixo até agora. No entanto, ainda prevalece entre pesquisadores a visão de que o mercado de trabalho sofrerá mudanças significativas nos próximos anos, com a extinção, reconfiguração e criação de diversas ocupações, assim como das tarefas inerentes a cada uma delas. O impacto líquido dessas transformações sobre o nível total de emprego nas economias de mercado é incerto e dependerá de escolhas da sociedade. Segundo Brynjolfsson et al. (2023), Acemoglu et al. (2023) e Acemoglu (2025), políticas que privilegiem o aumento da oferta de ocupações em que a tecnologia tenha papel complementar ao trabalho humano, promovendo ganhos de produtividade, terão maior sucesso em evitar um impacto negativo da IA sobre os níveis de emprego.

O futuro desperta preocupações em diversas dimensões e exige reflexões e ações por parte de governos, empresas e trabalhadores. Ao mesmo tempo em que se colocam riscos de aumento do desemprego e da desigualdade, surgem oportunidades de elevação da produtividade e do crescimento econômico. Adicionalmente, questões éticas e de segurança ressaltam a importância de serem estabelecidos marcos regulatórios adequados, algo que vem avançando recentemente no Brasil com a aprovação no Senado, ao final de 2024, do Projeto de Lei 2.338/2023, que regulamenta a IA no Brasil.

Sondagens com empresas e a população

Para explorar estas possibilidades e entender como a IA vem sendo incorporada ao dia a dia das empresas e dos trabalhadores brasileiros, o FGV IBRE adicionou quesitos sobre o assunto em suas sondagens empresariais e do mercado de trabalho. Foram consultadas cerca de 3.608 empresas e 6.183 pessoas acima de 14 anos em todo o território nacional ao longo do primeiro trimestre de 2025.

Em síntese, os resultados indicam:

i) uma rápida disseminação da IA entre as empresas brasileiras;

ii) avaliações majoritariamente positivas de seu impacto sobre a produtividade;

iii) a existência de gargalos que podem limitar os ganhos esperados pelas empresas;

iv) a necessidade de políticas que privilegiem e/ou estimulem a capacitação e treinamento da força de trabalho.

Disseminação do uso da IA entre empresas e trabalhadores brasileiros

O primeiro quesito das pesquisas busca medir o grau de disseminação da IA entre empresas brasileiras nos setores da Indústria de Transformação, Comércio, Construção e em segmentos selecionados de Serviços. No conjunto, essas sondagens abrangem aproximadamente 2/3 do PIB nacional.

As sondagens mostram que empresas responsáveis por 39,0% do valor adicionado nesses setores utilizam IA regularmente, de alguma forma[2]. Quando ponderado pelo peso do pessoal ocupado, esse percentual cai a 31,9% no total dos quatro setores e para 30,9% na Indústria de Transformação, valor próximo aos 29,0% registrados por pesquisa da OCDE no mesmo setor em países desenvolvidos (Lane et al., 2023). Cabe destacar que os números ligeiramente superiores no caso brasileiro já refletem, em parte, o avanço da IA generativa nos últimos anos, especialmente após novembro de 2022, quando foi lançado o ChatGPT pela Open AI.

Grau de Disseminação da IA no Brasil

Perguntas:

Trabalhadores: A organização em que você trabalha ou o seu próprio negócio usa inteligência artificial (IA) regularmente, de alguma forma?

Empresas: Até onde você sabe, sua empresa utiliza inteligência artificial (IA)?

Em %

Fonte: FGV IBRE

Os resultados da Sondagem do Mercado de Trabalho (SMT), por sua vez, mostram que 15% dos trabalhadores brasileiros dizem ter acesso à IA no dia a dia de trabalho. Entre trabalhadores atuantes especificamente nos quatro setores empresariais pesquisados pelo IBRE, essa proporção cai a apenas 9% do total, uma diferença que pode ocorrer em função de percentuais mais elevados de IA em segmentos não pesquisados, como o setor financeiro. A diferença de respostas entre empresas e trabalhadores, por sua vez, ilustra o fato de que o uso da IA ainda se limita a áreas específicas das empresas. Cerca de ¾ das empresas usuárias de IA afirmam que a tecnologia vem sendo utilizada por menos de 20% de seu quadro de pessoal.

Quanto ao perfil de uso por porte, a IA é mais utilizada no Brasil pelas grandes empresas. Entre estas, o percentual de uso, ponderado pelo pessoal ocupado, alcança 46,7% do total, caindo para 30,6% nas de médio porte e 20,7% nas de pequeno porte. Essa concentração nas maiores acende um alerta para um dos pontos mais sensíveis no debate público sobre o tema: a desigualdade no acesso à tecnologia.

Desigualdades também se evidenciam no perfil sociodemográfico dos usuários de IA. Apenas 6,2% dos trabalhadores com rendimento inferior a três salários mínimos identificam o uso dessa tecnologia na empresa em que trabalham, percentual que alcança 20,9% entre aqueles com rendimento acima a esse patamar. A diferença é também expressiva por nível escolaridade: apenas 1,9% dos trabalhadores com ensino fundamental relatam acesso à IA, proporção que chega a 21,9% entre os que possuem ensino superior. Parte relevante dessas diferenças de percepção pode estar associada ao tipo de ocupação do respondente e ao desconhecimento sobre o uso da tecnologia em outros setores da empresa.

Uso de IA na empresa, por características sociodemográficas

A organização em que você trabalha ou o seu próprio negócio usa Inteligência Artificial regularmente, de alguma forma? (Por favor, considere todas as áreas da empresa)

Fonte: Sondagem do Mercado de Trabalho, 1º Trimestre de 2025; Renda 1 = até 1 salário mínimo; Renda 2 = entre 1 e 3 salários mínimos; Renda 3 e 4 = acima de 3 salários mínimos

No plano internacional, discute-se também as diferenças entre países desenvolvidos e emergentes quanto ao grau de exposição de ocupações à IA e ao grau de complementariedade da IA em relação às tarefas associadas às ocupações hoje existentes. O estudo de Cazzaniga et al. (2024), por exemplo, mostra que, devido à composição das ocupações nos diferentes grupos de países, a exposição à IA tende a ser maior nos países desenvolvidos, o que pode representar um risco maior. Como contraponto, esses países contam com uma proporção mais elevada de ocupações nas quais a IA pode ser aplicada de forma complementar ao trabalho humano, ampliando o potencial de impacto positivo sobre a produtividade.

Tipos de Uso da IA nas Empresas

Segundo o relatório OECD Employment Outlook (2023), a IA tem sido bem-sucedida em substituir humanos em tarefas como “ordenação de informações”, “memorização” e “velocidade de percepção”. No Brasil, o uso mais popular da IA tem sido no apoio de atividades administrativas, seguido pela análise de dados (data analytics) e em atividades operacionais, sendo estas duas últimas observadas com maior frequência na Indústria de Transformação.

Áreas da empresa em que a IA é utilizada

Em que áreas da empresa a IA é utilizada?  (Marque quantas opções desejar, em %)

Fonte: Sondagens Empresariais do FGV IBRE

Avaliações favoráveis quanto ao aumento da produtividade

As avaliações em relação ao impacto da IA sobre a produtividade do trabalho são muito favoráveis no Brasil. Na média dos quatro setores consultados, 60,1% das empresas reportaram percepção de aumento da produtividade e apenas 0,2% perceberam queda. Na Indústria de Transformação, a percepção positiva alcança 68,6% das empresas, um percentual superior aos 63,0% registrados em países da OCDE em 2023.  

Impacto da IA sobre a produtividade

Trabalhador: Como a IA impactou seu desempenho no trabalho?

Empresa: Como a IA vem afetando a produtividade dos trabalhadores na empresa?

Fontes: Sondagem do Mercado de Trabalho e Sondagens Empresariais do FGV IBRE

Entre trabalhadores da Indústria de Transformação, 67,6% avaliam positivamente o impacto da IA na produtividade, um número elevado, mas inferior aos 80,0% apontados pela pesquisa da OCDE.

As avaliações quanto ao impacto sobre a satisfação no trabalho com a adoção da IA são também favoráveis e em linha com pesquisas internacionais, que identificam que, além do desempenho, o uso de IA melhora a percepção sobre as condições de trabalho[1]: 77,5% dos trabalhadores consultados pelo FGV IBRE reportam aumento da satisfação no trabalho com uso cotidiano da IA. Na Indústria de Transformação, o percentual de 66,6% supera os 63,0% apurados pela pesquisa da OCDE.

Risco de Desemprego

Com relação à perspectiva de risco de perda de emprego nos próximos anos em função da disseminação da IA, a percepção das empresas é quase neutra, enquanto os trabalhadores se mostram mais preocupados. Nas projeções para o impacto da IA na oferta de trabalho no setor em que atuam nos próximos cinco a 10 anos, a diferença entre as parcelas otimista e pessimista, em pontos percentuais (p.p.), é de apenas -4,8 p.p. no caso das empresas e de -19,1 p.p. entre os trabalhadores, com 40,8% da força de trabalho projetando redução da oferta de emprego. Ressalte-se que, apesar de o cenário traçado pelas empresas ser menos pessimista, há entre elas menor grau de certeza sobre o efeito agregado das transformações futuras no mercado de trabalho.

Impacto da IA sobre a oferta de trabalho nos próximos cinco a 10 anos

Trabalhador: Qual será o impacto da disseminação do uso da IA no nível de emprego do seu setor nos próximos cinco a 10 anos? (em %)

Empresa: Como você acredita que a IA afetará o nível de emprego em seu setor nos próximos cinco a 10 anos? (em %)

Fonte: FGV IBRE
 

Como as empresas vêm se adaptando ao uso da IA

Entre as empresas que usam IA no dia a dia, 76,0% afirmam ter hoje algum programa de requalificação ou de capacitação dos trabalhadores. Outras ações de adaptação são bem menos citadas: a compra de serviços por 26,9% das empresas e a contratação de novos trabalhadores por 23,7%.

Adaptação das empresas à necessidade de novas habilidades

Trabalhador: Como sua empresa vem lidando com a necessidade de ter pessoal com novas habilidades em decorrência do maior uso de IA? (Marque quantas opções desejar)

Empresa: Como a empresa vem enfrentando essas mudanças nas necessidades de habilidades? (Marcar quantas desejar)

Os percentuais de trabalhadores citando medidas de adaptação pelas empresas são inferiores. Em parte, porque muitos não souberam responder à questão (35,1%), o que sinaliza problemas de comunicação nas empresas sobre as possibilidades de treinamento interno, por exemplo.

Barreiras ao uso de IA

Com relação às eventuais barreiras ao uso de IA no Brasil, dois pontos se destacam: em primeiro lugar, o percentual relativamente elevado de empresas que não percebem barreiras ou não sabem identificar uma barreira. A soma destes dois grupos alcança 54,3% das empresas usuárias de IA.

Entre as barreiras, o maior destaque é a falta de mão de obra qualificada para operar nas aplicações de IA, um fator apontado por 28,3% das empresas, especialmente no setor da Construção (por 53,2% das empresas), sugerindo alguma relação com o ciclo de negócios, já que este setor vem apontando escassez de mão de obra qualificada há algum tempo.

Esta dificuldade ressalta ainda mais a importância de treinamento dentro das empresas assim como para o potencial da demanda para cursos de nível superior, sejam latu sensu ou strictu sensu. Outra tendência que vem se observando em diversos países desenvolvidos é a inclusão de disciplinas relacionadas à IA desde o período escolar (OCDE 2023). O segundo maior problema apontado são os custos elevados para implantação de programas de IA, citado por 15,7% das empresas.

Barreiras ao uso da IA nas empresas brasileiras

Empresa: A empresa vem enfrentando barreiras à adoção de inteligência artificial na sua empresa? (Marcar quantas desejar)

Em %

Fonte: FGV IBRE

Conclusões

Estes primeiros resultados de enquetes sobre uso de IA por empresas e trabalhadores no Brasil confirmam alguns dos pontos que vêm sendo destacados por pesquisadores da área e propiciam reflexões importantes sobre o tema. Em primeiro, lugar, chama atenção a desigualdade no acesso e no aproveitamento dos benefícios potenciais de uso da IA no trabalho. Trabalhadores de alto grau de escolaridade ou renda usam a tecnologia de forma mais frequente. Entre as empresas, o uso é mais frequente entre as de grande porte, denotando uma desigualdade no acesso e nos potenciais ganhos de produtividade e renda.

Embora seja incerta a redução dos níveis de emprego no país pelo uso de IA, os trabalhadores se mostram bastante preocupados com esta possibilidade. Pelo lado das empresas, a preocupação é maior com relação à falta de mão de obra qualificada para o uso da IA.

Estas informações colaboram para sinalizar a necessidade de ampliação de programas de treinamento e qualificação, seja dentro ou fora das empresas, para que o trabalhador brasileiro esteja melhor preparado para se adaptar às modificações no perfil de trabalho potencialmente ocasionadas pela IA nos próximos anos.

Algumas propostas feitas por pesquisadores da área podem ser levadas em consideração pelo poder público e por empresas brasileiras. Acemoglu et al. (2023), por exemplo, se preocupam com a promoção de ocupações em que a IA seja usada de forma complementar às tarefas hoje existentes. Na busca por um caminho tecnológico que aumente a capacidade, a especialização e o bem-estar da maioria, sugerem medidas como: i) aumento de fundos para pesquisa em tecnologia complementar ao trabalho humano; ii) equalização de tributação entre o uso de equipamentos ou algoritmos de IA e trabalhadores; e iii) limitação do uso de IA em vigilância de trabalhadores, medidas que não têm se mostrado eficientes no aumento da produtividade e são moralmente questionáveis.

Brynjolfsson e Unger (2023), acham difícil de se prever, hoje, o futuro do trabalho, preferindo pensar em diferentes cenários a serem moldados a partir de escolhas da sociedade. O melhor caminho seria um em que a produtividade aumente, mas as desigualdades e a concentração industrial sejam contidas. Assim como Acemoglu et al., acreditam que a melhor aposta seria em políticas públicas que estimulem o investimento em tecnologias que complementem o trabalho humano e não as que o substituam.

Por fim, cabem considerações sobre treinamento e qualificação de trabalhadores para enfrentar o futuro da IA. Segundo Lassébie (2023), as empresas tendem a promover o treinamento de grupos mais especializados, menos vulneráveis, deixando espaço para políticas que lidem com trabalhadores de baixa especialização, mais velhos ou desempregados. Assim como ocorre no Brasil, a percepção de falta de mão de obra qualificada em IA mostra que os investimentos promovidos em treinamento ainda são insuficientes. Por fim, Lassébie aponta para a necessidade de aprendizado de elementos básicos de IA desde o ensino secundário, assim como para a oferta de disciplinas em cursos de ensino superior.


O autor agradece a Rodolpho Tobler pela coordenação das sondagens e pela discussão sobre seus resultados. Também a Stefano Pacini, pelo apoio no cálculo de resultados usando diferentes formas de ponderação de microdados das pesquisas empresariais.  

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.  

Referências

ACEMOGLU, D.

The simple macroeconomics of AI. Economic Policy, [S. l.], v. 40, n. 111, p. 377–429, jan. 2025. DOI: https://doi.org/10.1093/epolic/eiad020.

ACEMOGLU, D.; AUTOR, D.; JOHNSON, S.

Can we have pro-worker AI? Choosing a path of machines in service of minds. Londres: CEPR, out. 2023.

BRYNJOLFSSON, E.; UNGER, G.

The macroeconomics of artificial intelligence. Finance & Development, Washington, DC: International Monetary Fund, dez. 2023.

CAZZANIGA, M.; JAUMOTTE, F.; LI, L.; MELINA, G.; PANTON, A. J.; PIZZINELLI, C.; ROCKALL, E.; TAVARES, M. M.

Gen-AI: artificial intelligence and the future of work. Washington, DC: International Monetary Fund, jan. 2024. (IMF Staff Discussion Notes, SDN/2024/001).

LANE, M.; WILLIAMS, M.; BROECKE, S.

The impact of AI on the workplace: OECD AI surveys of employers and workers. Paris: OECD Publishing, 2023.

OCDE

OECD employment outlook 2023: artificial intelligence and the labour market. OECD Publishing, 2023.

LASSÉBIE, J.

Skill needs and policies in the age of artificial intelligencem em: OECD employment outlook 2023: artificial intelligence and the labour market.OECD Publishing, 2023. p. 127–167.

[1] A expressão “Quarta Revolução Industrial” se popularizou com o lançamento do livro homônimo pelo pesquisador e criador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, em 2018.

[2] Os resultados agregados dos quesitos das sondagens empresariais analisados neste artigo são ponderados pelo valor adicionado setorial, exceto onde indicado.

[3] Lane et al. (2023)

 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.
Ensino