Inteligência artificial e mercado de trabalho em perspectiva comparada
Para minimizar efeitos disruptivos no mercado de trabalho, países devem atuar para aumentar a complementaridade entre inteligência artificial e emprego, principalmente por meio da maior qualificação da mão de obra.
Na última coluna (“Efeitos da Inteligência Artificial Sobre o Emprego e Produtividade no Brasil”), comentei as evidências apresentadas no relatório anual do FMI (Article IV) a respeito dos efeitos da inteligência artificial (IA) sobre o emprego, produtividade e PIB no Brasil.
Esses resultados, por sua vez, são baseados em estudos anteriores do FMI sobre os efeitos da IA no mercado de trabalho de vários países, incluindo não somente economias avançadas, mas também emergentes e em desenvolvimento.
Neste artigo vou discutir um estudo do FMI intitulado “Labor Market Exposure to AI: Cross-country Differences and Distributional Implications”, que examina em detalhe o impacto da IA no mercado de trabalho dos Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, Colômbia, África do Sul e Índia.
Embora alguns trabalhos acadêmicos recentes tenham construído medidas de exposição de ocupações à IA, isso não significa necessariamente que o trabalhador será substituído por uma máquina, já que a IA pode ter um papel complementar.
A maior contribuição dos pesquisadores do FMI é construir uma medida de complementaridade da IA, levando em consideração não somente aspectos específicos da ocupação, mas também aspectos éticos e sociais.
Por exemplo, ocupações que exigem um longo período de formação profissional e cursos frequentes de atualização profissional oferecem mais oportunidades de aprendizado de habilidades que favorecem a integração da IA com o trabalho, aumentando a probabilidade de complementaridade com as novas tecnologias.
Além disso, é pouco provável que a sociedade aceite delegar à IA decisões importantes em Medicina e Direito, o que torna mais provável que a IA seja utilizada de forma complementar ao trabalho de médicos e juízes, elevando sua produtividade na elaboração de diagnósticos e decisões judiciais, respectivamente.
Com base nessa medida, os autores calculam um indicador de exposição à IA ajustada pela complementaridade. A interpretação desse indicador é que ele revela o potencial de que uma ocupação seja automatizada, ou seja, de que o trabalhador seja substituído e não complementado pela tecnologia.
Um primeiro resultado é que, enquanto em economias avançadas como Estados Unidos e Reino Unido o percentual de trabalhadores expostos à IA é de cerca de 60% do total ocupado, em economias emergentes como Brasil, Colômbia e África do Sul essa proporção situa-se em torno de 40%. Na Índia, por sua vez, esse percentual é bem menor (pouco acima de 20%).
Essas diferenças refletem o fato de que economias avançadas possuem uma maior concentração da mão de obra em ocupações intensivas na produção e utilização de conhecimento, que são mais suscetíveis ao uso de IA, particularmente em sua modalidade generativa.
No entanto, os pesquisadores do FMI estimam que cerca de metade da exposição à IA em economias avançadas é de natureza complementar. Além de reduzir a probabilidade de que esses trabalhadores percam o emprego, isso aumenta a chance de que as novas tecnologias aumentem a produtividade dos trabalhadores.
Uma vez que se ajuste a medida de exposição pelo seu grau de complementaridade, as diferenças de exposição entre os países diminuem consideravelmente. Ou seja, embora a parcela dos trabalhadores afetados pela adoção de IA seja maior nos países desenvolvidos, o uso complementar da tecnologia também deverá ser mais alto nesses países, o que reduz possíveis efeitos negativos no emprego e no salário.
No caso do Brasil, cerca de 20% da população ocupada possui alta exposição e baixa complementaridade com a IA, sendo em consequência bastante vulnerável à perda do emprego. Por outro lado, pouco mais de 20% dos trabalhadores possuem alta exposição mas também elevada complementaridade com a IA, o que pode gerar benefícios em termos de maior produtividade e salário.
Outro resultado interessante do estudo do FMI é que, embora trabalhadores com ensino superior completo estejam mais expostos à IA, o grau de complementaridade com a IA também é elevado para esses trabalhadores.
No Brasil, embora 80% dos trabalhadores com ensino superior estejam expostos à IA, para 50% a IA deverá ter um papel complementar. Para aqueles que só têm o ensino médio, o grau de exposição à IA é menor (pouco acima de 60%), mas apenas 20% devem se beneficiar das novas tecnologias.
Em resumo, para minimizar os efeitos disruptivos no mercado de trabalho os países devem atuar no sentido de aumentar a complementaridade entre IA e emprego. A melhor forma de alcançar este objetivo, por sua vez, é por meio de uma grande ênfase na qualificação da mão de obra, abrangendo tanto um aumento da escolaridade como uma formação profissional voltada para as habilidades demandadas pela IA.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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