Investimentos e reformas devem passar por autocrítica
Agenda de reformas e investimentos produziu avanços, mas existe dificuldade para entregar tudo o que prometeu. Outros temas estão presentes há muitos anos e continuam ignorados. É hora de uma autocrítica ou pelo menos um balanço.
O IBGE divulgou a estimativa definitiva do PIB de 2019. Segundo o Instituto, o Brasil cresceu 1,2% ao invés de 1,4% conforme divulgou inicialmente. Foi a primeira vez que o IBGE reviu seu número para baixo. A revisão do impacto econômico da tragédia da barragem em Brumadinho foi o principal fator, mas também houve revisão para baixo no crescimento de serviços.
O país cresceu 1,4% no triênio 2017-19 contrastando com um crescimento de 2,35% a.a. entre 2011 e 2014. A comparação não é justa, pois é mais fácil crescer com a capacidade ociosa que surge depois das crises do que com o pleno emprego que ocorreu entre os anos de 2012 e 2014.
Interpretações de fatos econômicos são prisioneiras do seu tempo e das expectativas que se formam. Carrasco, Mello e Duarte (2014) chamaram o período entre 2003 e 2012 de década perdida[1]. Seria interessante saber como classificariam a década atual.
Muito se falou sobre o ciclo de commodities que teria sido responsável pelo crescimento econômico durante o governo Lula. É trágico ver o governo Bolsonaro se afogando no ciclo de commodities atual.
A crise de 2015-16 abriu oportunidade para novas agendas de política econômica. Nos últimos anos, viu-se uma redução expressiva da participação do Governo nas decisões de investimento. A participação pública no crédito se reduziu, empresas estatais se desfizeram de ativos e os governos fizeram concessões importantes oferecendo oportunidades de investimento ao setor privado. No entanto, a taxa de investimento no período 2017-19 foi de 15,1% contra 20,5% no período 2011-14. O país saiu da má alocação de capital para a não alocação de capital.
Existem resultados positivos como a nova lei do saneamento e as mudanças no setor de telecom. Na última semana, o leilão de 5G foi bem-sucedido e alguns investimentos foram destravados. Outras mudanças regulatórias ainda precisam de mais tempo para amadurecer como a lei do gás. O resultado agregado é, contudo, frustrante.
Defensores normalmente argumentam que a agenda segue incompleta. Os exemplos são abundantes: a lei que autoriza a privatização da Eletrobras é muito ruim e a privatização dos Correios não avançou. Mas é como criticar a vida real por não funcionar exatamente como gostaríamos. Nenhuma agenda é implementada sem percalços, atrasos ou alguma derrota. Basta verificar a dificuldade do Governo Biden para aprovar o plano de infraestrutura com apenas dois partidos políticos.
A ligação entre a agenda de investimentos e privatizações não é direta. A privatização é uma transferência de um ativo público para o setor privado. Em alguns casos, os ativos transferidos precisam ser administrados de forma mais eficiente com incorporação de novas técnicas de gestão ou direcionamento do plano de negócios. Em outros casos, podem ampliar o investimento do país.
O caso mais emblemático de ampliação dos investimentos está nas melhorias implementadas no setor aeroportuário. Não obstante, os investimentos gerados são muito pequenos para uma economia do tamanho do Brasil. Assim, exagera-se no seu potencial de ampliação de investimentos e geração de crescimento.
Dados da ABDIB mostram que o Brasil está entre os países que possui a maior participação privada no total do investimento da economia. Existem limites para avançar mesmo reconhecendo que melhorias devem ser perseguidas. Outros investimentos dependem de diversificação de risco que muitas vezes requer algum tipo de participação estatal. As formas de viabilizar maior interação entre o setor público e privado não funcionaram de forma adequada. A parceria público-privado, que surgiu com potencial de alavancagem, foi utilizada de forma episódica.
Os investimentos públicos não podem ficar permanentemente abaixo da depreciação do estoque de capital. Isso é desleixo e falta de compromisso. Os projetos devem passar por uma análise mais criteriosa de impacto. O orçamento de investimento deve ser ampliado e se tornar plurianual, pois muitos não são concluídos por falta recursos.
Vários desafios econômicos surgiram no período 2012-14 e continuam sem soluções tais como uma política clara e transparente de preço dos combustíveis. O elevado preço da energia reduz a competitividade da economia e não há segurança energética e planejamento adequado. Na época, era fácil culpar o governo de ocasião que se mantinha há 12 anos, mas isso não faz mais sentido. Outros governos experimentaram soluções distintas e as dificuldades continuam.
Desde 2012, o país tem dificuldade com o cumprimento de regras fiscais. Um bom sistema fiscal deve ser flexível para se manter resistente a choques sem perder a credibilidade. Deve ser anticíclico para compensar a elevada volatilidade que uma economia produtora de commodities exibe e assegurar um ajuste fiscal estrutural de longo prazo. A ruptura do teto de gastos mostrou a importância de se discutir o tema com seriedade e sem a lacração dos tempos atuais.
A reforma trabalhista sofreu um revés importante. O STF julgou que o trecho que responsabiliza a parte vencida pelo pagamento de honorários é inconstitucional mantendo o incentivo à litigiosidade. É preciso retomar o tema com objetivo de modernizar a relação laboral à luz da digitalização da economia.
É importante reconhecer os avanços e ter clareza dos desafios que estão postos para apresentar boas soluções. Ignorá-los como fizemos nos últimos anos não ajuda.
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 10/11/2021, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Carrasco, V. Mello, J. e Duarte, I. (2014). “A década perdida:2003-12”. Texto para discussão 626, PUC-RJ.
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