Macroeconomia

Joga pedra na Geni... Ela veio para nos salvar

22 abr 2020

Havíamos escrito este texto antes da pandemia do Covid-19 chegar ao Brasil, aguardando a divulgação do estudo de que participamos, por solicitação do SEBRAE-Nacional à FGV.

(Esse texto foi publicado originalmente pelo jornal Valor Econômico, em 17/4/2020. O link está aqui)

Nele além de destacarmos, como é feito a seguir, o papel das micros e pequenas empresas (doravante MPEs) abordávamos as críticas de que elas eram alvo, devido ao tamanho da renúncia fiscal a que tinham direito:  as MPEs com faturamento de até R$ 4,8 milhões (R$ 400 mil por mês) podem usufruir, dentro do regime do SIMPLES, de uma alíquota de imposto bastante inferior ao que deveriam contribuir caso tivessem que fazê-lo por outra modalidade, tal qual a de lucro presumido. Essa renúncia fiscal estimada para o ano de 2019 chegaria a cerca de R$ 87 bilhões ao nível federal que, somados a alguns bilhões do âmbito estadual, equivaleria a uma renúncia fiscal da ordem de R$ 120 bilhões, imprescindíveis ao necessário ajuste fiscal.

Mas isso é passado. Com a pandemia do Covid-19 descobriu-se o papel que as MPEs têm enquanto geradoras de renda e emprego e procuram-se formas de mantê-las com ajuda financeira, para que sobrevivam. O que se procura neste artigo é colocar em evidência algumas informações sobre a inserção das MPEs na economia brasileira, chamando a atenção para seu papel complementar em termos econômicos, fundamental para a dinâmica econômica nacional, e não apenas estratégias de sobrevivência.[1]

Em primeiro lugar destaca-se o papel das MPEs na geração de produto e renda. Elas são responsáveis por cerca de 30% do valor adicionado da economia, considerando as empresas pertencentes às atividades do âmbito das pesquisas anuais do IBGE. Isto equivalia a cerca de R$ 1 trilhão em 2017 (último ano para o qual há informações). Sua maior participação é nos serviços, com 12,3%, seguido do comércio com 10,2%; as demais atividades, com participações menores (construção, extrativa mineral e transformação), somadas representam 6,9%. Chama-se a atenção que durante a crise pela qual passávamos naquela época, as MPEs perderam participação apenas na atividade extrativa mineral.

Em segundo lugar, é notável o número de empregos gerados pelas 3,97 milhões MPEs registradas nas pesquisas do IBGE: dos poucos mais de 100 milhões de trabalhadores ocupados na economia, cerca de 40,103 milhões estavam ocupados nas empresas do âmbito das pesquisas consideradas. Destes, 20,140 milhões trabalhadores estavam ocupados em MPEs; ou seja, 51% do total de empregados pelas empresas do âmbito das pesquisas anuais. Os demais trabalhadores estavam ocupados em empresas médias (11,4%) e em empresas grandes (37,6%). As MPEs, como geradoras de empregos, são predominantes em quase todas as atividades, à exceção da extrativa mineral, transformação e transportes.

Em terceiro lugar, chama a atenção a preponderância do número de MPEs na totalidade de empresas: nos anos de 2014 a 2017 as MPEs eram em média 97% das empresas brasileiras, que totalizavam 4,101 milhões empresas registradas pelas pesquisas consideradas no âmbito das pesquisas do IBGE. E essa participação é semelhante em todas as atividades, à exceção do comércio, para o qual a participação é de 95%. Já a participação de grandes empresas só é superior a 1% nos transportes (1,3%) e no comércio (4%).

Em quarto lugar, registra-se aqui a produtividade média por trabalhador. Inicia-se a análise da produtividade (resultado do VA dividido pelo pessoal ocupado) comparando seus valores por tamanho de empresa. Como previsível, a menor produtividade, a valores constantes de 2017, cabe as MPEs, situação que não se modifica ao longo do período analisado. Como salientado anteriormente, as MPEs se concentram em atividades com forte intensidade de trabalho, para as quais não há grandes economias de escala, favorecendo a presença dominante de pequenas empresas.

Por sua vez, quando se desagrega essa informação por atividade econômica, verifica-se que as MPE têm baixa produtividade na indústria extrativa mineral, de transformação e nas atividades imobiliárias; elas, entretanto, se destacam nas atividades de construção, transportes e outras atividades de serviços. Outro olhar sobre a produtividade mostra que, no período 2014-17, as MPEs perderam produtividade no comércio e nas atividades imobiliárias, embora tenham ganhado ou mantido a produtividade em outras atividades. A despeito da baixa produtividade, graças ao regime diferenciado de impostos a que se submetem, as MPEs conseguem se manter e cumprir seu papel dentro do processo econômico.

Em quinto lugar, cabe abordar a remuneração dos empregados das MPEs. Em todas as atividades as MPEs remuneram menos do que as empresas médias e grandes. Excetuando-se a extrativa mineral, cujas remunerações médias são bem mais elevadas do que nas demais atividades, em todas as demais as empresas médias têm remuneração média 1,5 vezes superior às MPEs, enquanto as grandes têm remuneração duas vezes superior às das MPEs. E essa constatação não se altera ao longo dos anos estudados.

Em sexto lugar, é útil comparar a receita média das MPEs com o limite máximo de faturamento para se incluir na categoria SIMPLES. No caso da indústria, por exemplo, na ausência de informação sobre faturamento, utiliza-se o conceito de valor da produção (VP), que é igual ao faturamento subtraído da variação de estoques; em 2017 o VP médio das MPEs era de apenas 30% do valor máximo para a elegibilidade das MPEs no regime do SIMPLES. No caso do comércio, esse percentual era de 12%.

O que se constatou ao longo deste texto foi a notável participação das MPEs na economia nacional em termos de geração de renda e emprego. Sua característica natural é ocupar espaços em atividades em que vicejam empresas com alta intensidade de trabalho e onde não há, ou são exíguas, as economias de escala, não cabendo, portanto, a presença de grandes empresas. Estão totalmente enganados os que acreditam poder transferir os trabalhadores dessas empresas, que têm baixa produtividade, para grandes empresas e desta forma aumentar a produtividade geral da economia. As MPEs continuarão sendo complementares em termos econômicos, não se constituindo puramente em estratégias de sobrevivência.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] As informações se referem ao âmbito das pesquisas estruturais do IBGE (PIA, PAS, PAC e PAIC). Excluem, portanto, as atividades agropecuárias, energia e saneamento, instituições financeiras, aluguel e administração pública; excluem também a produção dos trabalhadores autônomos. Essas cinco atividades, junto com a produção dos autônomos, representavam, em 2017, 43% do VA da economia. Portanto, as atividades do âmbito das pesquisas estruturais a que se referem as MPEs aqui identificadas representam 57% do VA da economia. Neste trabalho são MPEs, na indústria, empresas com até 99 pessoas ocupadas, e, no comércio e serviços, empresas com até 49 pessoas ocupadas.

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