Leilões para acelerar as eólicas offshore no Brasil
PLs no Congresso e Decreto do Executivo já alinhavam arcabouço legal para eólicas offshore no Brasil, com projetos somando 178 GW de capacidade tramitando no Ibama. Estudo no prelo indica que leilões são o caminho para as EO.
Esta é a semana em que as atenções se voltam para Davos, com a realização do World Economic Forum. Tempo de falar em riscos globais, desafios para a governança em um mundo multipolar, descarbonização e, obviamente, transição energética (ET, na sigla em inglês).
Por aqui, apesar da falta de nomeações no segundo escalão da pasta de energia, foi confirmado o senador Jean Paul Prates para a presidência da Petrobras. Os sinais para a companhia são de diversificação e alinhamento ao conceito de empresa integrada de energia. Essa necessidade de revisão da estratégia foi enfatizada no relatório do grupo de transição governamental na área de minas e energia. Se a Petrobras na gestão de Prates vai buscar a diversificação, sobem leilões e eólicas offshore (EO), tema deste artigo.
Três propostas tramitaram no Congresso Nacional na última legislatura, visando estabelecer um marco regulatório para a geração eólica offshore (EO). O senador Jean Paul foi um dos principais articuladores da legislação para o Offshore Wind no Legislativo. É de sua autoria uma daquelas propostas, o Projeto de Lei nº 576/2021 – já aprovado no Senado e ora em tramitação na Câmara –, que disciplina a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore. Em sua proposição, os prismas energéticos para a implantação de EO seriam atribuídos mediante oferta planejada – licitação de áreas marítimas pré-delimitadas pelo Poder Concedente –; ou oferta permanente, quando iniciada por solicitação de interessados.
Na esfera do Executivo, foram publicados o Decreto nº 10.946/2022, regulamentado por duas portarias, estabelecendo diretrizes iniciais para a geração de energia offshore no Brasil. Nesse caminho, restam instituídos procedimentos de gestão integrada de demandas de cessão de uso de prismas marítimos.
Apesar das incertezas quanto ao marco para o avanço da EO, já estão sob análise do IBAMA empreendimentos que perfazem mais de 178 GW de capacidade instalada para a tecnologia – montante muito próximo à potência total de geração de energia elétrica no país.
Fica a pergunta sobre como vai evoluir o tema neste mandato. As iniciativas do Legislativo e do Executivo têm diferenças importantes, como processo de atribuição de áreas e a destinação dos recursos, que nas propostas do Congresso seriam compartilhadas com Estados, Municípios e órgão da Administração Federal. Diferem também no tratamento a ser dado aos empreendimentos já em avaliação no IBAMA, ou seja, na regra de transição. Na forma do PL 576/2021, as outorgas anteriores seriam válidas desde que tenham sido precedidas por licitação, enquanto a regulamentação do Executivo prevê a adaptação dos processos às suas disposições, mediante solicitação de retificação e/ou retificação.
A demanda dos investidores e empreendedores é por regras simples, o que foi em parte acolhido pelo governo ao estabelecer que a licitação dos prismas se baseie apenas no critério de maior retorno econômico – o conceito a ser definido posteriormente. Apesar de concordarem com o princípio de que os procedimentos competitivos seriam o principal instrumento para atribuir direitos sobre as áreas offshore, consideram que não há muita clareza sobre o real apoio aos leilões. E essa falta de nitidez se alinha às preocupações – para o avanço da tecnologia – manifestadas em vários discursos ao redor do mundo.
Na busca de viabilizar a aceleração das novas tecnologias da transição energética, argumenta-se que as políticas de inovação devem ser capazes de sinalizar escolhas tecnológicas. De acordo com essa abordagem, a ideia de neutralidade tecnológica, que envolve “deixar ao mercado” a seleção das tecnologias mais competitivas e eficientes, não é adequada no contexto de incerteza elevada característico da ET. A experiência do Reino Unido com EO ilustra esse princípio: leilões ou procedimentos competitivos foram usados em momentos posteriores. As fases iniciais foram caracterizadas pelo recurso a mecanismos de apoio, como obrigações de contratação de renováveis.
Leilões representavam pouco mais de 24% da capacidade instalada de EO em 2021 em termos mundiais. Mas a expectativa é de que em 2030 esse percentual atinja 97% (Jansen e coautores, 2022). Enquanto as contratações originais se basearam em procedimentos determinados administrativamente (como políticas de tipo Feed-in Tariff), ou obrigações de contratação de renováveis, a opção por leilões ganha terreno. E os resultados da literatura respaldam essa escolha, se o objetivo é acelerar a transição energética sem renunciar à eficiência.
Em artigo no prelo, Covert e Sweeney buscam responder à pergunta sobre o que é melhor: leiloar ou negociar bilateralmente? O caso analisado é a alocação de contratos de direito de exploração e produção de petróleo e gás natural no Texas. A experiência se presta muito bem a investigar a performance dessas soluções alternativas – pergunta frequente e relevante, mas pouco respondida de forma sólida.
Ao contrário do resto do mundo, nos Estados Unidos os direitos são privados. De modo geral, nas demais jurisdições os proprietários de terras não têm direitos sobre recursos do subsolo – que pertencem ao Estado. Esse é o caso do Brasil. Uma vez encontrados os recursos, a compensação se dá por meio de royalties. Os contratos podem prever outras formas de pagamento, como bônus de subscrição, e requisitos como Programa Exploratório Mínimo e regras de conteúdo local para os investimentos.
Fruto dos tempos de sua independência do Reino de Espanha, coexistem no Texas dois regimes de alocação de direitos minerários. Um conjunto de terras públicas não utilizadas na época da declaração de independência do Estado foi alocada a um Permanent School Fund. Essas terras preservaram o regime da tradição colonial, de que os direitos de explorar minerais no subsolo eram do Estado. Sua exploração garantiria pagamentos ou compensações. Depois de 1973, uma mudança legislativa veio a exigir que as terras desse conjunto fossem alocadas por meio de leilões.
Os autores então comparam os resultados de direitos de exploração nessas terras, por leilão, com o regime aplicável ao resto dos Estados Unidos – livre negociação junto aos proprietários de terra por companhias petrolíferas. Suas conclusões são de que contratos oriundos de leilões pagam e produzem mais, garantindo maiores retornos a seus proprietários. Os efeitos se mantêm mesmo considerando (controlando para) as diversas características das terras. Significa que as diferenças em pagamento e produto decorrem da capacidade de alocar melhor terras a empresas que têm condições de produzir com maior eficiência. Esse é o próprio conceito de eficiência em leilão: maior receita para o leiloeiro vendedor e melhor match entre o objeto – no caso a terra – e a firma a produzir.
A análise de Covert e Sweeney serve de inspiração para o avanço das novas tecnologias críticas para o avanço da descarbonização Brasil. No caso das EO, leiloar os prismas para a implantação de eólicas offshore é a melhor forma de selecionar competidores que estejam dispostos e aptos a investir. A eficiência na alocação tende a se traduzir em ganhos de produção e receitas, alavancando nosso potencial na transição energética.
Esta coluna foi publicada originalmente em 03/01/2023, terça-feira, pelo Broadcast da Agência Estado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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