Macroeconomia

Lentidão da retomada

16 set 2019

O crescimento – projetado pelo IBRE – de 1,1% em 2019 (revisto para 1,2% após o PIB crescer 0,4% no terceiro trimestre deste ano), frustrou as expectativas.1 Como já afirmei, em dezembro de 2018 esperávamos crescimento para 2019 de 2,4%. Não foi pequena a decepção. Caminhamos para três anos seguidos de retomada com crescimento anual de 1%. Tudo indica que esse é nosso potencial de crescimento. Assim, poderíamos ser pessimistas quanto ao crescimento em 2020. Como já tive oportunidade de mencionar, considero nosso número de 1,8% de crescimento para 2020 (a previsão do IBRE) baixo. Ou seja, não concordo com a avaliação de que o potencial de crescimento de nossa economia seja de 1% ao ano. Trabalho com crescimento de 2,5% para 2020. Difícil acertar o número, mas a diferença entre 1,8% e 2,5% indica haver uma aceleração, segundo a minha percepção, que não é captada pelos modelos.

Penso que dois fenômenos ocorreram. Aqui concordo com os pontos de vista de Daniel Leichsenring.2 O primeiro fenômeno foi um lento processo de ajuste das empresas. O setor privado nesses três anos reduziu seu endividamento e aumentou a margem. Em suma, passou por um longo processo de ajustamento de seu balanço e de seus custos. Evidentemente, esse processo leva tempo e não há muito que a política econômica possa fazer entrementes – principalmente em função do estado das contas públicas, também em frangalhos – para ativar a economia. Essencialmente, é necessário esperar pelo ajuste. Foi o que tem ocorrido.

O segundo fenômeno foi uma série de choques que abateram uma leve retomada que se desenhava em 2018. Além das dificuldades com as escolhas de gestão da política do presidente Bolsonaro, como já tive oportunidade de discutir neste espaço, houve o choque com a queda da produção da Vale em seguida ao desastre ecológico de Brumadinho – que reduziu muito a produção da indústria extrativa mineral no primeiro e segundo trimestres do ano – e o agravamento da crise da Argentina com fortíssimos impactos sobre as exportações, principalmente de bens manufaturados.

O PIB da indústria extrativa mineral caiu 6,3% no primeiro trimestre do ano em comparação ao quarto, já considerando o ajuste pela sazonalidade, e 3,8% no segundo trimestre ante o primeiro. Acima de 10% de queda no primeiro semestre de um setor que representou 4% do PIB em 2018, o que significa 0,4 ponto percentual. As exportações para a Argentina, tanto no acumulado em 12 meses como no ano, reduziram-se em 40% na comparação com o mesmo período do ano passado. A queda interanual das exportações de US$ 4 bilhões representa cerca de 0,2% do PIB. Tudo somado, Vale e Argentina, temos algo como 0,6 ponto percentual a menos de PIB no primeiro semestre. O que corresponde, por exemplo, ao efeito previsto sobre a atividade da liberação do FGTS ao longo do quarto trimestre de 2019 e início de 2020.

Com relação aos ajustes das empresas, o professor Carlos Rocca tem feito no Cemec um cuidadoso acompanhamento dos balanços das principais empresas abertas e fechadas, e tem registrado o ajustamento. Este não parece estar completo, mas o setor privado brasileiro já percorreu um bom caminho.

O lucro líquido das empresas abertas, excluindo Vale e Petrobras, e das maiores fechadas foi, em 2009, de 3,1% do PIB. Deste pico, caiu até 1,5% em 2013 e 0,2% em 2015, subindo em seguida, para 1,2% em 2016 e 2,3% do PIB em 2018. Além da recuperação dos lucros, houve sensível queda da alavancagem. Para o mesmo universo de empresas, a dívida como proporção do patrimônio líquido era de 0,84 em 2005. Subiu para 1,35 em 2015, caindo, em seguida, para 0,95 em 2018. Ou seja, parte significativa do ajustamento das empresas já ocorreu.

Vale notar que o ajustamento da lucratividade – saindo de 0,2% do PIB em 2015 para 2,3% em 2018, não muito distante do pico anterior de 3,1% em 2009 – foi obtido prioritariamente por meio de redução de custos, pois esses foram anos de recuperação anêmica da economia. É possível que parte do ajuste seja de empresas mais eficientes ganhando mercado sobre as menos eficientes. O que sempre será um dos elementos importantes para a construção das condições de um próximo ciclo de aceleração.

Adicionalmente, há fatores que irão acelerar a demanda nos próximos trimestres. Além da liberação de recursos do FGTS, que gerará algo como 0,6 ponto percentual de estímulo à demanda, estamos em meio a um ciclo de queda da taxa básica de juros. A queda do risco com a aprovação da reforma da Previdência contribui para elevar o investimento. Finalmente, haverá no final do ano leilões de novos blocos do pré-sal, que devem auxiliar na aceleração do crescimento do investimento em 2020.

Penso que a aceleração que deve haver em 2020 não gerará um longo ciclo de crescimento. Somente colocará a economia rodando entre 2% a 2,5% ao ano. Considero que a sustentação de taxas maiores de crescimento, na casa de 3% a 4% ao ano, demandará uma melhor solução do novo contrato social, como argumentei na edição anterior da coluna, bem como um conjunto mais ambicioso de reformas.

Essas melhores condições do setor privado para sustentar uma elevação do investimento, em resposta a um impulso da demanda, sugerem que estava correta a aposta feita na Carta do IBRE da edição anterior da Conjuntura Econômica, sobre a oportunidade de um estímulo à demanda, com aumento do investimento público da União em 2019 e 2020, sempre atendendo ao teto dos gastos. Esse pacote – ligeiro aumento do investimento público, liberação do FGTS, redução de juros, ganhos de confiança com a aprovação da Previdência e aumento do investimento no setor de prospecção e produção de petróleo – pode colocar a economia rodando em patamar mais elevado enquanto esperamos os efeitos sobre o investimento das privatizações e concessões, por um lado, e uma melhor definição do novo contrato social, por outro.

1Versão ligeiramente modificada deste texto circulou na carta da Reliance de agosto de 2019.
2Entrevista ao jornalista Sergio Lamucci no Valor em 21 de agosto.

Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de agosto de 2019.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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