Macroeconomia

A macroeconomia dos juros baixos

24 jul 2020

Nos últimos tempos a economia brasileira vem testando novos pisos para a taxa de juros. Cada ciclo de corte vem acompanhado de acalorados debates sobre seu limite e o estímulo necessário para recuperar a economia. Esse período tem sido marcado por: expectativas de inflação ancoradas, núcleos de inflação abaixo da meta, grande ociosidade, taxa de câmbio depreciada e um ajuste fiscal em construção. A resultante dessas forças tem puxado a taxa de juros para baixo sem que a economia tenha se recuperado como esperado.

O atual ciclo gerou dúvidas sobre a possibilidade de se atingir um limite inferior para a taxa de juros, seja zero ou próximo disso. Olhando a questão estritamente por meio do arcabouço do regime de metas de inflação, o Banco Central deveria seguir reduzindo a taxa de juros porque a inflação encontra-se abaixo da meta, a ociosidade da economia é bastante elevada e assim seguirá mesmo depois da pandemia.

Existem outros aspectos que podem tornar a redução da taxa de juros contraproducente. O primeiro é a restrição externa, pois quando o diferencial de juros é zero, a taxa de câmbio se relaciona diretamente com o risco-país. Por um lado, uma âncora cambial em um regime de flutuação é qualquer coisa menos estável nos países emergentes. Por outro lado, é um mecanismo de transmissão da política monetária e a paridade de juros é apenas um dos determinantes da taxa de câmbio.

O segundo aspecto está ligado ao mercado de títulos públicos, pois uma Selic muita baixa poderia levar a dificuldades nas emissões do Tesouro. Alguns investimentos, eventualmente, migrariam para títulos mais longos o que é positivo, mas outros poderiam sair do país em busca de melhores oportunidades. Ao mesmo tempo, os estímulos externos em grandes proporções produzem impacto relevante em mercados emergentes como ocorreu em 2011/12 causando a apreciação da moeda. O contexto de fundo, por enquanto, é que o Real é a moeda que mais sofreu durante a pandemia.

O Banco Central parece confortável com o patamar de juros, mas até o momento não convenceu ninguém de que o estímulo atual é suficiente para recuperar a economia. Essa é uma questão essencialmente empírica e que deve avaliar se reduções adicionais da Selic podem causar efeitos perversos que tragam mais custos do que benefícios. Com o tempo e a redução da incerteza, os termos desse balanço de fatores aqui analisado parece ser mais favorável à continuidade da queda da Selic. Assim, o Banco Central deveria seguir de forma gradual com a redução de juros até ficar claro que o custo superou o benefício. Outros países emergentes, com tantas vulnerabilidades quanto o Brasil, estão fazendo um esforço maior.

A taxa de juros em patamar baixo por tanto tempo abre uma agenda mais estrutural para o país que ainda não foi aproveitada. Em um ambiente de juros elevados, foi justificável utilizar nosso sistema dual de crédito para alocar recursos para todos os setores da economia cumprindo um papel distributivo. Mas esse mecanismo em excesso acarretou dois problemas: má alocação do capital, com reflexos na produtividade, e problemas de proximidade excessiva entre governo e o setor empresarial.

A redução gradual do direcionamento de crédito e a flexibilização das taxas de juros podem aumentar a potência da política monetária e a produtividade do capital na economia. Essas mudanças devem contar com instituições específicas para lidar com as peculiaridades do mercado de crédito, tais como financiamento imobiliário, pequenas empresas e infraestrutura, por exemplo.

A política de crédito público não deveria centrar sua atuação apenas por meio de equalizações de taxas de juros, pois esse fator de exclusão do mercado de crédito perde importância. Com taxas de juros normalizadas, a exclusão do crédito ocorre por falta de garantias, em particular de micro e pequenas empresas. A TLP deveria ser aprimorada para melhor acomodar a atuação pública em períodos de crise. Os desafios da política de crédito que surgiram com a pandemia precisam ser melhor resolvidos.

A gestão da dívida pública pode se beneficiar caso o Banco Central adote mecanismos capazes de produzir ajustes nos trechos mais longos da curva de juros como o forward guidance ou os mais recentes controles da curva de juros (yield curve control). Mesmo que isso não ocorra, as condições atuais são melhores do que assistimos no passado.

No caso dos fundos de pensão, os passivos atuariais se elevarão e isso demandará maior cuidado na definição dos planos de benefícios e maior sofisticação da carteira de investimentos para aumentar seus retornos com tomada de risco adequada. Nos planos antigos, existe algum risco de desequilíbrio entre ativos e passivos. É importante fortalecer a regulação e a transparência na gestão desses fundos.

As taxas do mercado bancário não acompanharam as quedas da taxa Selic, mas a discrepância se tornou grande o suficiente para que esse assunto se torne prioritário na agenda econômica que precisa passar por avanços mais concretos. Em um país que aprendeu a conviver com juros altos, há muito o que fazer para nos beneficiarmos desse novo normal.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 22/07/2020, quarta-feira.

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