Fiscal

Mais uma possível abertura para alterar o arcabouço fiscal

11 jul 2025

Se decisão do dia 3/7 não for revertida pelo plenário do STF, na prática gerar-se-á “nova jurisprudência”: governo poderá elevar gastos fora do arcabouço fiscal sem consentimento legislativo, recorrendo diretamente ao STF.

Na quinta-feira, dia 3 de julho, o ministro Dias Toffoli do STF homologou o “acordo operacional” da AGU para ressarcir vítimas de fraudes do INSS.  Ao se ler a matéria e analisá-la, nota-se que o pedido faz sentido em geral e a decisão liminar que autoriza o procedimento também.  Em termos gerais, a essência do pedido da AGU é um processo para evitar a dupla cobrança da União pelos lesados pelas fraudes do INSS, assim como dar celeridade ao ressarcimento daqueles que tiveram descontos indevidos em suas aposentadorias.  No entanto, isto não é tudo. É muito interessante observar que no meio do texto da medida cautelar proposta veem-se os itens 64 e 65, que são como abaixo (citado no texto da decisão do ministro Dias Toffoli). 

“64. Por fim, também é importante frisar que, ao impor condenações à União e ao INSS sob requisitos, fundamentos e extensões inapropriadas, as decisões judiciais aqui apontadas ameaçam a sustentabilidade do custeio dos serviços da previdência social garantidos pelos recursos orçamentários garantidos à autarquia previdenciária, colocando a continuidade em risco dos direitos sociais à aposentadoria (art. 201). 

65. Diante deste risco, é necessário garantir condições orçamentárias para a restituição célere dos valores indevidamente descontados, o que exige provimento interpretativo voltado a garantir que as dotações necessárias sejam excluídas da verificação do cumprimento das metas da “lei do regime fiscal sustentável”, garantindo-se, assim, a segurança orçamentária.” 

Em suma, no meio do pedido do “acordo operacional”, a AGU incluiu um dispositivo que pede para que os gastos com o ressarcimento sejam excluídos do cômputo do resultado primário para efeitos do cumprimento do arcabouço fiscal. A decisão liminar de Dias Toffoli inclui também este item. 

No ano passado, houve casos de exclusão de itens do arcabouço fiscal.  Dois são os exemplos que saltam aos olhos.  Primeiro, na ajuda ao Rio Grande do Sul (RS) por conta das enchentes, foi aprovado um PDL (Projeto de Decreto Legislativo), que foi enviado ao Congresso por iniciativa da Presidência da República, cujo objeto era decretar calamidade pública e excluir as despesas com o evento climático extremo do arcabouço fiscal. Este decreto foi aprovado e pelas regras pode ser retirado do resultado primário. Mas teve que passar pela aprovação do Congresso. Um segundo caso deu-se nos recursos usados para combater as queimadas na Amazônia e no Pantanal.  A AGU opinou que, se o governo enviasse ao Congresso uma MP autorizando os créditos extraordinários, mesmo que não impactasse restrições da LRF (lei de Responsabilidade Fiscal), impactaria o arcabouço fiscal. O ministro Flavio Dino do STF, em decisão de 15/9/2024, retirou estes recursos (que viriam a ser 514 milhões de reais) do resultado primário!  Ou seja, já vimos no ano passado um precedente a esta decisão de Dias Toffoli.  Só que o montante não chamou tanto a atenção. Já a decisão liminar da semana passada, de acordo com estimativas amplamente divulgadas, pode chegar a 6 bilhões de reais.  Um valor consideravelmente mais relevante. 

Se esta decisão do dia 3/7 não for revertida pelo plenário do STF, na prática gerar-se-á uma “nova jurisprudência”: a partir de agora o governo federal poderá aumentar gastos fora do arcabouço fiscal sem o consentimento legislativo, recorrendo diretamente ao STF.  Obviamente, tal fato é uma distorção do arcabouço.  Se o governo federal deseja ressarcir os aposentados que foram fraudados, que corte em outras despesas, como previsto no próprio arcabouço, ou consiga novas receitas, ou ainda, que acione o legislativo para tal exceção.  Afinal, o arcabouço foi uma restrição autoimposta pelo executivo e que teve a aprovação do legislativo.  Então, em princípio, esta seria a instância que deveria decidir em relação a retirar, ou não, um valor do cômputo do resultado primário para efeitos do arcabouço.  Conseguir esta exceção por meio de medidas unicamente do judiciário, sem haver submissão ao Congresso, parece um uso distinto do que originalmente foi imaginado. 

Já sabemos que a dificuldade para a contenção dos gastos públicos é enorme, especialmente devido à insistência do executivo em seguir políticas fiscais inconsistentes, como o último RAF (Relatório de Acompanhamento Fiscal) da IFI (Instituição Fiscal Independente) deixa bem claro.  O executivo tem-se esmerado em gerar despesas fora do arcabouço que ele mesmo submeteu ao Congresso.  Estas pedaladas do arcabouço foram apontadas por muitos, inclusive em artigos passados que escrevi (Marcos Mendes do Insper tem demonstrado detalhadamente como vários destes mecanismos funcionam).  A decisão da semana passada, se confirmada pelo pleno do STF,  consolidaria a interpretação dada ano passado para as despesas com incêndios florestais: para evitar impacto de despesas no arcabouço, não seria preciso passar pelo legislativo.   

O plenário do STF ainda não se manifestou sobre a matéria aprovada liminarmente por Dias Toffoli.  Do ponto de vista de política macroeconômica, o ideal seria que o pleno rejeitasse a parte do pedido da AGU que pede a exclusão dos gastos com ressarcimento do arcabouço fiscal.  Ou que a decisão individual fosse revista para evitar esta exclusão.   


Este artigo foi publicado originalmente pelo Broadcast da Agência Estado, em 08/07/2025, terça-feira. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.  

   

 

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